Criado em 2018, instância foi extinta em 2019 e recriada neste ano
Por: Vitor Abdala/Agência Brasil
Os membros do recriado Comitê Gestor do Cais do Valongo tomaram posse nesta quinta-feira (23). O cais é um sítio arqueológico, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro, composto pelas ruínas de um antigo porto de desembarque de escravos, que foi reconhecido como Patrimônio Mundial em 2017, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O comitê, criado originalmente em 2018, foi extinto pela Presidência da República em 2019 e recriado na última terça-feira (21). O grupo é composto por 15 representantes da sociedade civil e 16 representantes governamentais.
A posse foi realizada no Museu de Arte do Rio, localizado próximo ao Cais do Valongo e contou com a presença da Ministra da Cultura, Margareth Menezes, que falou sobre a importância do local.
“Nossos ancestrais passaram por esse lugar. Tantas pessoas, tantas vidas humanas foram trazidas, de uma maneira involuntária, maltratadas, perseguidas e assassinadas. Numa situação de escravidão que durou, nesse país, 388 anos e marcou a memória e o comportamento dessa sociedade, normatizando as práticas da discriminação racial e preconceito, como se fosse uma regra natural de vida”.
Um dos integrantes do novo comitê é o historiador Ivanir dos Santos, conselheiro do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap). “Você vai em qualquer museu aqui e vê a história da Europa. E vê o negro como escravo. Aqueles que entraram por ali eram muito mais do que escravizados. Tanto que deram a marca da identidade da cultura do nosso país hoje”.
O comitê é uma exigência da Unesco para que o Cais do Valongo mantenha o status de Patrimônio Mundial, mas Ivanir dos Santos defende que o local seja um monumento que demonstre a importância dos africanos trazidos para o Brasil e seus descendentes:
“Queremos mais do que manter o título da Unesco. Não pode ser para inglês ver. O Brasil tem uma dívida com a comunidade negra, com os descendentes de escravizados”.
Segundo ele, além da preservação do cais, o comitê deve priorizar a reforma do prédio das docas Dom Pedro II, que fica ao lado do Cais. O edifício foi construído por André Rebouças, engenheiro negro, sem o uso de mão de obra escrava.
“Antes de qualquer coisa, o prédio não pode cair. É um prédio construído no século 19, que está sem luz”.
Centro de memória
O projeto de implantação de um centro de memória da cultura negra na região do Cais já foi anunciado pelo governo federal. Os detalhes devem ser anunciados até o mês de maio, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que será parceiro nesse processo.
Entre as instituições do comitê estão o Ministério da Cultura, a Fundação Palmares, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e o Arquivo Nacional. Outras instituições vão ser convidadas para participar das reuniões, mas sem direito a voto, como o Ministério Público Federal e o Escritório da Unesco no Brasil. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) será o coordenador dos trabalhos do grupo, que deverá se reunir pelo menos uma vez por mês.
Segundo o Iphan, o Cais do Valongo recebeu 1 milhão de escravos vindos da África. A partir de 1774, se tornou o único ponto de desembarque dessas pessoas na cidade do Rio de Janeiro.
Foi desativado como porto em 1831 e aterrado 12 anos depois para a construção de um novo píer que receberia a princesa Teresa Cristina, esposa do Imperador Dom Pedro II. Sua redescoberta se deu em 2011, durante as obras de revitalização da zona portuária da cidade do Rio.