Ao menos uma vez na semana o despertador é desligado.
“Não precisa trabalhar, amigão. Amanhã, você pode dormir até tarde.”
Ele, todo serelepe fica em seu canto satisfeito, não precisa trabalhar antes de o sol chegar.
E Você, nobre trabalhador que pode aproveitar os encantos da cama que escolheu para chamar de sua, ao desprogramar o despertador, jura por tudo que é santo que desprogramou também seu metabolismo:
“Amanhã, vou dormir até cansar. O frio chegou e, como todo dia tenho que abandonar minhas cobertas, amanhã é dia de passar tempo com elas.”
E vai dormir todo preparado para o pior dos frios: pijama flanelado, meias…
Em sua cabecinha de trabalhador que dedicará o dia de folga a ficar nos braços de Morfeu, torce para que o frio permaneça firme e forte.
Vai dormir feliz da vida, afinal, o sol o encontrará na cama, dormindo profundamente e acordar será um processo lento, longo e com várias recaídas.
Dorme sem nem ver quando isso acontece.
Porque tem hora em que a gente vê que tá quase dormindo, né?
Outra hora, a gente dorme que nem vê.
Nesse dia, Você, nosso dorminhoco em potencial, dorme e nem fica sabendo. O melhor dos jeitos.
Quando a noite é boa, o sono é solto, aquele que dorme não toma conhecimento do tempo que passa.
Dorme e pronto.
Os ponteiros do relógio, lenta e preguiçosamente, fazem o seu caminho como quem não quer nada e Você dorme como um anjo.
Lá pelas tantas, quando tem certeza de que ainda está dormindo, seus olhos simplesmente se abrem!
“Como assim? Acordei? Não acredito! Eu não preciso acordar agora. Hoje é domingo e o sol ainda nem chegou. Dorme, dorme, dorme!”
E vira para um lado, vira para o outro.
“Não faz isso comigo, por favor, dorme. Hoje, nós vamos dormir o dia inteiro. Dorme por favor.”
E assim você segue, por longos e intermináveis minutos, tentando se convencer de que precisa continuar dormindo.
Como a parte de cima do seu olho resolveu desgrudar da parte de baixo, o resto do corpo resolve que é hora de acordar também:
“Agora, dá vontade de fazer xixi? Mas que coisa! Eu quero continuar dormindo.”
Vira de um lado para o outro, tentando esquecer a vontade de fazer xixi:
“Eu não quero fazer xixi, eu quero dormir. Dorme, criatura! Dorme.”
Mas a vontade vai aumentando a cada segundo que passa e chega uma hora que você tem a opção de continuar na cama e fazer uma poça embaixo de si ou correr até o banheiro.
Levanta e, fora do casulo formado pelas cobertas, está tão frio, mas tão frio que sua vontade é voltar sem ir ao banheiro.
Sai correndo.
“Levantei só para fazer xixi porque não tinha jeito, mas que fique claro: vou voltar a dormir.”
No caminho de volta à cama, passa os olhos pelo relógio que silenciosamente faz o seu trabalho:
“Acordei no mesmo horário de sempre. Mas eu vou voltar a dormir!”
Deita “daquele jeito” e começa a repetir:
“Dorme, dorme, dorme.”
Os olhos, teimosamente se abrem de novo e, enquanto Você vê o sol levantar-se lentamente, começa a fazer a lista de tudo que precisa fazer naquele dia.
“Como assim? Eu não tenho que fazer nada hoje! Hoje é meu dia de dormir.”
A lista com coisas a serem feitas começa a se multiplicar em sua cabeça e, depois de tentar todas as posições, de todos os lados, de todos os jeitos, se dá conta que não há o que fazer: o sono não vai se encontrar com sua pessoa novamente.
“Eu posso até trabalhar, mas vai ser aqui no quentinho da minha cama.”
E, assim, começa a desenvolver os projetos que ficaram atrasados ao longo da última semana.
Lá pelo meio da manhã lembra-se da roupa que precisa ser lavada.
“Não! Lavar roupa não! Eu ia dormir o dia inteiro, o sono me traiu e me abandonou, já estou trabalhando, não vou lavar roupa.”
Continua digitando ferozmente, registrando todas as suas ideias, mas a ideia da roupa que precisa ser lavada não lhe sai da cabeça.
“Mas que droga! Eu não quero lavar roupa hoje.”
Depois de muito guerrear, foi lá e colocou a roupa pra lavar:
“Hoje, já que vocês insistem em tomar banho, todas irão para a máquina, sem qualquer critério.”
Enquanto foi colocando as roupas na máquina, encontrou as brancas que não podiam tomar banho com as coloridas, encontrou algumas que sequer poderiam ir para a máquina.
“Eu não vou separar nada! Vai todo mundo tomar banho junto! Que droga!”
Foi falando e separando tudo, começando a lavar à mão o que iria estragar se fosse para a máquina.
Quando terminou, deu de cara com a louça que estava fazendo aniversário na pia.
Lavou.
“Só estou lavando essa louça porque a pobre estava fazendo aniversário aqui, mas hoje não faço mais nada.”
Acabou de lavar.
“Vou enxugar e guardar, né? Deixar a pia seca. Mas é a última coisa que faço hoje.”
E, com essa de ver uma coisa aqui outra ali, Você, que ia dormir o dia inteiro, escreveu todo um projeto atrasado, lavou e passou roupa:
“Só essas camisas aqui ou vou ter que ficar passando todo dia.”
Lavou louça, fez comida:
“Morrendo de fome. Tem essas coisas aqui que, se começarem a semana na geladeira, vão estragar.”
Lavou o banheiro:
“Há quanto tempo será que esse banheiro não toma um banho?”
E acabou limpando toda a casa:
“Vou deixar essa casa pronta para semana.”
Lá pelas tantas, quando o sol já tinha ido embora há muito tempo, Você se lembra de que seu plano original era dormir o dia inteiro:
“Nunca trabalhei tanto em um dia que era só para dormir. Agora vou tomar um banho e dormir, afinal, o sono não me apareceu quando devia, mas o frio não deu trégua. Depois de trabalhar tanto, um bom banho quente vai me fazer dormir feliz.”
E lá vai a sua pessoa, toda satisfeita, realizar ao menos essa parte dos seus planos.
Prepara-se fica embaixo do chuveiro e o liga na maior tranquilidade da Terra.
Nessa hora ouve um pipoco acima da sua cabeça.
O chuveiro.
Queimou.
Seu coração, que está dando mais pinote que cavalo xucro, esquece de mandar sangue para as pernas e no segundo seguinte Você está estatelado no chão.
“Eu não acredito! Nada do que planejei aconteceu e agora não consigo nem tomar um banho quente?”
Começa a se levantar lentamente, completamente revoltado, pensando em esquentar água.
Afinal, um banho era mais que necessário para ter uma boa noite de descanso.
É quando surge do profundo do seu ser a rebeldia que devia ter acordado logo cedo:
“Passei o dia me obrigando a trabalhar feito um condenado à morte, pensando em todas as coisas que deveria fazer e por que não poderia deixar de fazer. Queria só ficar por conta do à toa e trabalhei dentro dessa casa como há muito não fazia, agora você quer me obrigar a esquentar água para tomar banho.”
Absoluto silêncio.
Esse é o triste de conversar consigo mesmo.
A pessoa pergunta, pergunta e se vê obrigada a ter que elaborar a própria resposta:
“Eu não vou esquentar água pra banho de seu ninguém. E, sim, hoje, ao menos a essa hora do dia, vou fazer a minha vontade. Nesse frio com o chuveiro queimado, eu vou sim dormir sem tomar banho.”
E foi assim que Você se levantou tranquilamente do chão do boxe, escovou os dentes, vestiu o pijama e dormiu bonitinho, bem fedido, sem tomar banho!