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Meu e dele

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Dia desses, estava andando no shopping quando, ao passar em frente a uma perfumaria, a moça me estendeu um papelzinho com a fragrância de um perfume.

Eu cheirei e, de um segundo para o outro, voltei a ter oito anos de idade.

Depois de 12 horas de viagem, sacolejando dentro de um ônibus da viação Penha, enfim, eu, meu pai e minha mãe estávamos chegando.

Perto da rodoviária, mamãe me acordou, penteou meus cabelos, dobrou a coberta e colocou na sacola, junto com o travesseiro.

Papai desceu as sacolas que estavam no bagageiro acima dos bancos e ficamos preparados para descer.

Os três olhando pela janela, procurando.

Ele ia nos esperar.

Nunca aconteceu de chegarmos e termos de pegar um ônibus ou qualquer meio de transporte para irmos até sua casa.

Sempre estava lá: calça e camisa sociais, sapatos bem engraxados, cabelo engomadinho, chave do carro e pastinha preta.

A pasta ficava embaixo do braço e a mão do mesmo braço batia a chave na perna.

Encostado na grade da plataforma de desembarque, ele nos procurava dentro do ônibus.

Naquela época, as janelas dos ônibus se abriam, por isso, nossos olhares se encontravam muito antes do desembarque.

Descíamos empolgados e, enquanto meu pai se preocupava em pegar a bagagem, eu e minha mãe íamos ao encontro do seu abraço cheiroso.

“Oi, minha boneca.”

Era o cumprimento de sempre.

Quando as bagagens estavam todas reunidas, eu levava o travesseiro e a coberta, cada um pegava uma coisa e íamos para o carro.

O carrinho, que sempre era mais moderno que o do meu pai, estava limpo e arrumado.

Entrávamos nele e íamos falantes e sorridentes pela cidade ruma à Rua das Melancias.

Era um predinho bem simpático.

Três andares.

Nessa época, ele tinha na frente um parquinho de areia.

Lindo.

Não tinha garagem nem elevador.

Para chegarmos até a portaria, atravessávamos uma pequena alameda de sempre vivas.

Enquanto passávamos por ela, ouvíamos o cumprimento de quem nos esperava sorridente lá no terceiro andar:

– Meus amores, que bom que vocês chegaram.

Subíamos os três andares no maior barulho e satisfação.

Quando ofegantes chegávamos, a porta já estava aberta e ela nos esperava toda sorridente.

Ela nos abraçava forte, beijava e colocava rapidinho para dentro, como se tivesse medo de que fugíssemos.

E lá dentro era tão cheiroso.

Tinha aquele cheiro.

O mesmo cheiro que a moça me entregou em uma fitinha de papel naquele dia no shopping.

Peguei a fitinha e guardei.

@Tenho certeza de que lá em casa todos vão se lembrar.

Cheguei toda serelepe:

@Mãe, lembra-se desse cheiro?

Ela cheirou de um lado, cheirou do outro e disparou:

+ Nunca senti esse cheiro na vida.

Eu não fiquei parada me admirando, fui logo continuar minha pesquisa:

@Pai, o senhor se lembra desse cheiro, né?

Ele pegou, cheirou rapidinho e me devolveu:

^ É o cheiro da casa da sua vó Dirce.

Bingo!

Ele se lembrava.

Eu fiquei tão feliz.

Somos cumplices.

Só nós dois nos lembramos do perfume delicioso de um lugar feliz que não existe mais.

É como ter um grande segredo que, por fazer parte das lembranças afetivas, não pode ser divido com mais ninguém.

Será para sempre nosso.

Só meu e dele.

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 744