Exibe nossa História que o povo brasileiro, em suposto mistério, adaptou-se a viver e conviver tranquilamente com a absoluta ausência de caráter dos homens públicos deste país. O ladrão é relativo. Sua condenação ou santificação são proporcionais à envergadura do colarinho. Não é uma nação (in)vestida de legalidade, dignidade e, sobretudo, honestidade. É o Brasil do depende. A terra do jeitinho.
Fosse possível renomear a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios para Centro Político dos Criminosos Desavergonhados, não seria espanto assistir ao descerrar de placa sob aplausos da plateia amestrada, fogos de artifício e até banda marcial tocando o Hino Nacional. Rapidamente, repórteres deliciosamente bem vestidas e fiéis aos releases oficiais empunhariam seus microfones para informar ao (ir)respeitável público sobre a grandeza e a importância para a unidade do país da criação do “CPCD”.
Não causa perplexidade, portanto, que deputados e senadores da dita oposição tenham se antecipado à própria militância (des)governista na defesa do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, vulgo “Lula”, contra o pedido de prisão preventiva exarado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Juristas e intelectuais formadores de opinião também não tardaram a encontrar robustos rocamboles para advogar em favor de um ex-chefe de Estado acusado de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica e que faz uso da liberdade e do poder político para inflamar suas massas ao confronto direto — e violento… e armado! — contra quem ousa apontar-lhe o dedo.
É exatamente esse ranço de camaradagem e subserviência que alimenta o reinado da impunidade neste quinhão tropical do planeta. Aliás, foi o próprio Luiz Inácio da Silva quem, em 1988, cunhou a profética assertiva: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; quando um rico rouba, vira ministro”. Quem diria, hein?! É a língua bifurcada transformada em chicote do corpo.
Nunca é demais reiterar que o grande trunfo do PT, desde quando alcançou os píncaros do poder em 2003, foi não ter uma oposição. Melhor dizendo, a carta na manga é ter uma oposição com o rabo preso entre as pernas e muitos crimes no embornal. Uma intrépida trupe que teme revirar o fundo dos rios e encontrar seus próprios cadáveres. Um time que já entra em campo com medo de perder. Caciques que preferem aguardar céu nublado e trovões para dar início à dança da chuva.
Não admira que, diante de um país atolado no lamaçal, exista tamanha convergência de teses entre criminosos “por dentro” e “por fora” do poder, feito tesouraria de campanha eleitoral brasileira. Querem fazer crer que a defesa intransigente do crime organizado como método de administração pública é um instituto do Estado Democrático de Direito, esticando em demasia a corda da presunção de inocência para fazê-la alcançar a insigne bandidagem comprovada. Em suma, são o rebotalho de uma sociedade em putrefação, enterrada até a alma na hipocrisia.
Cereja do republicano bolo estragado, o PT exigiu e a presidente Dilma Rousseff ofereceu um Ministério de Estado ao agora indiciado Luiz Inácio da Silva, escancarando a possibilidade de conceder-lhe o excrescente foro privilegiado. Pouco importam as consequências éticas e morais de tal “indicação”. Para quem aceitou vilipendiar a Constituição Federal em nome de cobrir espaço vazio deixado no comando do Ministério da Justiça, uma ilegalidade a mais ou a menos não parece fazer diferença. Parafraseando obliquamente o recordista brasileiro em número de amigos generosos, nunca antes na História deste país o coronelismo conquistou maior triunfo.
Escreveu o célebre imortal Jorge Amado, em “Tieta”, que quem desejasse viver com alguma tranquilidade em Sant’Ana do Agreste deveria pedir as bênçãos de Artur da Tapitanga, um latifundiário autoproclamado coronel baiano e, expressão da moda, fiador da política local. A miséria, a ignorância e a subserviência ao redor da praça e da igreja eram seus instrumentos de poder. Direto da ficção literária para os dias atuais, fatalmente encontraríamos um sem-fim de ajoelhados propagandeando a hastag “#MexeuComArturDaTapitangaMexeuComigo”.
Não é um mistério. No Brasil do depende, na terra do jeitinho, a legalidade é um assombro e o ideal político é ter um coronel gaiato e trambiqueiro a quem beijar a mão. Deveríamos cogitar fortemente a hipótese de permitir à Presidência da República a criação de um Ministério de Estado da Esculhambação. Difícil mesmo seria escolher um ministro com tantos currículos jeitosos disponíveis.