Economia é uma preocupação constante de produtores, mas especialista da Embrapa levanta cuidados sanitários a serem tomados na produção de leite e derivados
Por Jalila Arabi
No interior do Paraná, no município de Pinhalão, o produtor rural Lucas Reinaldo de Souza, de 24 anos, tem se virado como pode. Saudoso, o produtor de leite tenta puxar pela memória a rotina de produção antes do início da pandemia, que se instalou no Brasil em janeiro deste ano. As entregas de ração e de insumos, segundo ele, eram sempre pontuais, assim como a coleta do leite.
“A logística era bem mais fácil. Agora, por conta da pandemia, tudo ficou parado, as coisas estão atrasando”, relata o jovem. Sem falar da queda nos preços dos produtos. “Caiu em torno de R$ 0,10 a R$ 0,15 por litro de leite. E o preço dos insumos subiram. Adubo, soja, milho, ração. Os preços dispararam, tudo isso prejudica”, lamenta.
Mas Lucas afirma que, mesmo aos “trancos e barrancos”, a produção não parou. “A gente vende uma criação ou outra quando não dá para cobrir a ração ou os medicamentos. E vamos levando, né? Como vamos parar a atividade? Não tem como parar. Temos esperança de que esses governantes olhem por nós para melhorar um pouco para a gente”, pede.
O presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), Cesar Bergo, alerta os produtores de leite para um novo cenário pós-pandemia. Segundo o economista, havia uma expectativa diferente para este ano, alterada pelo novo coronavírus. “O setor leiteiro tinha uma boa expectativa para 2020. Os preços subiram no início do ano, até março, mas em abril teve queda. Então, a produção que viria numa entressafra aguardava um preço melhor para o leite, o que não aconteceu devido à pandemia”, explica.
Apesar disso, Cesar Bergo acredita que o setor agropecuário, incluindo o leiteiro, deve ganhar fôlego até o fim do ano. “A inflação está baixa. Passado o pico da pandemia e utilizando os recursos disponibilizados pelo governo federal para os mais carentes, o consumo do leite deve aumentar, pois é considerado um bem de primeira necessidade. O mês de junho ainda vai ser fraco, mas se espera que, a partir do mês de agosto, as coisas melhorem”, pontua.
Mas não é só a questão econômica que deve ser levada em conta. O pesquisador da Embrapa Gado de Leite Marcio Roberto Silva levanta outra preocupação por trás da pandemia: os cuidados sanitários nas propriedades produtoras de leite. Os produtores rurais leiteiros, segundo ele, já lidavam com várias medidas sanitárias para proteger tanto os animais quanto para garantir a segurança e a qualidade do leite que é consumido pela população antes da pandemia. Com a crise mundial na saúde, ele garante que os cuidados têm sido redobrados.
“Não tem nada provado ainda que o alimento possa levar algum risco da doença para o ser humano, principalmente porque esse leite vai ser pasteurizado – e a pasteurização destrói o novo coronavírus. Mas todo cuidado é pouco”, afirma Marcio Roberto. Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que produtos de origem animal, como leite e queijos feitos de leite cru, devem ser consumidos sob processamento térmico.
“Recomento que queijos origem natural sejam consumidos assados ou cozidos, por exemplo. Agora, se esse queijo ou esse leite passou pela indústria, pelo processo de pasteurização, não há risco nenhum para o consumo. Reforço: até o momento, não há pesquisas que comprovem a transmissão dessa doença via alimento”, diz.
Isolamento
Entre as medidas de segurança recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar a disseminação do novo coronavírus, em especial no meio produtor de alimentos, estão a de lavar bem as mãos com água e sabão e manter o isolamento. As recomendações são encorajadas pelo pesquisador da Embrapa Marcio Roberto Silva, que defende, em especial, a manutenção desse período de distanciamento.
“O Brasil está enfrentando uma situação atípica. Mas isso talvez já fosse esperado, mais pelo relaxamento e afrouxamento das medidas e da forma como as pessoas estão levando isso no País. Mesmo nas cidades, acredito que não seria ainda hora do afrouxamento das regras, outros países demoraram muito mais tempo para fazer isso. A doença já estava muito mais controlada nesses países quando eles começaram a fazer esses movimentos de reabertura. Aqui, no Brasil, acho que essas medidas de relaxamento estão sendo precipitadas”, opina.
Ele acredita que essa precipitação no retorno das atividades no Brasil pode levar a sérios problemas e riscos futuros. “Acho que precisamos repensar muito essa questão da reabertura das atividades por aqui, fazê-la de forma mais gradual, cuidadosa, seguindo as recomendações das autoridades sanitárias mundiais.”
Mesmo com dificuldades, o produtor paranaense Lucas Reinaldo de Souza concorda com o pesquisador. Ele garante que toma todos os cuidados em sua propriedade, com a higienização de equipamentos e ferramentas, mas lembra que não depende só dele. “Um amigo foi contaminado, mas se recuperou porque se manteve em quarentena. A gente não tem estrutura se esse vírus pegar a gente, se liberarem as atividades. O Brasil não tem estrutura.”
Marcio Roberto reforça que cuidar da saúde dos trabalhadores no campo vai refletir não só no meio rural, mas especialmente no urbano. “Esses cuidados redobrados não são só em relação à qualidade e segurança do leite que o consumidor vai adquirir, mas também para prevenir a própria saúde das pessoas que estão lidando com essa atividade”, diz.
Desabastecimento
O pesquisador Marcio Roberto Silva acredita que não há risco de desabastecimento de alimentos por conta da pandemia. “Para isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que há uma urgência de introduzir medidas adicionais nas propriedades leiteiras e proteger os trabalhadores de contrair a covid-19”, adianta.
Na opinião do diretor de Pecuária de Leite da Sociedade Rural do Paraná, Bernardo Garcia de Araújo Jorge, não é o desabastecimento que preocupa, mas a queda no consumo, já que boa parte da população foi afetada pela crise e tem comprado menos. “As respostas às medidas do governo em relação à recuperação econômica serão fundamentais para manter o mercado e o preço de laticínios ligados intimamente ao consumidor final.”
Em março, o diretor da Sociedade Rural do Paraná recorda-se da corrida aos supermercados para estocar alimentos. “Houve uma grande demanda por leite longa vida e o preço do leite subiu. Logo depois, por outros problemas no mercado de laticínios, o preço do leite deu uma ‘barrigada’ e houve diminuição na produção do leite”, conta.
Bernardo observa, porém, que o Brasil se recuperou nesse sentido, diferente do mercado europeu. “Isso por termos boa parte do nosso leite em formato longa vida nas prateleiras, então o tempo de vida do leite é maior. Nesse sentido, o produtor não sentiu.”
O pesquisador Marcio Roberto, da Embrapa, tranquiliza em relação à produção leiteira. “Acredito que a produção de leite ainda não está afetada. Assim como a produção de alimentos de forma geral no Brasil, pelos dados, a gente acredita que o setor não sofreu impactos. Mas devemos seguir as recomendações da OMS para preservar a vida dos trabalhadores e, assim, evitar o desabastecimento.”
Produção: Ana Lutosa.
Edição: Luciana Bueno.