“Não quebre a corrente!”
– O que, criatura?
“Não quebre a corrente!”
– Qual corrente? Onde está essa bendita corrente que você anda pela casa avisando a todo mundo que não deve quebra-la?
“Não quebre a corrente!”
– Você está ficando louca é? Conta pra mim: que corrente é essa?
Sem ouvir qualquer explicação Ela viu a moça calçar os tênis, repetindo sem parar aquilo que parecia um mantra, e sair correndo porta a fora.
Hora e meia depois voltou como se nada tivesse acontecido.
Sorridente, feliz e suada.
Ela que havia ficado com aquele “mantra” na cabeça foi logo perguntando:
– Cadê a corrente?
“Corrente? Que corrente?”
– A corrente que você levanta todo dia, feito zumbi, falando: “Não quebre a corrente, não quebre a corrente.” Parece que está ficando doida e quer me enlouquecer também. Cadê a corrente?
A essa hora a moça já estava pronta para sair outra vez e antes que Ela entendesse de fato o que se passava ganhou um beijo estalado na testa e escutou:
“Um dia te explico, mas o que vale pra hoje, só pra hoje é uma coisa: não quebre a corrente.”
Falou e saiu sorridente.
Todos os dias era a mesma coisa, a Moça acordava cedo falando como quem reza: “Não quebre a corrente, não quebre a corrente”, e saia para correr.
Sem quebrar nenhum elo da corrente durante aquela semana, aquele mês e aquele ano, a Moça se exercitou cinco dias a cada semana.
Nos dias de frio, calor, preguiça e tempestade.
Sem deixar passar um dia, um só dia.
Quando a preguiça parecia ter braços fortes e estar deitada com ela surgia lá no fundo, meio que sonolenta a vozinha que dizia: Não quebre a corrente.
Ela ia se tornando cada vez mais audível até que de uma minuto para o outro já estava saindo de seus lábios e a rua passando sob seus pés: não quebre a corrente.
Tinha certeza que se deixasse de correr uma vez, colocaria tudo a perder.
“Não quebre a corrente.”
E assim, um ano após a primeira corridinha despretensiosa, estava correndo maratonas, pois decidira, um dia por vez, não quebrar a corrente.
Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.wordpress.com