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O cheiro da poesia ou como ser bocó

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A minha amiga poeta  – poetisa, eu sei – Rita Marilia, recentemente me fez redescobrir o nosso grande, incomensurável poeta Manoel de Barros. Fazia um tempo que eu não lia o poeta e Rita me trouxe de novo todo o encamentamento que é mergulhar na poesia lúdica e ao mesmo tempo tão densa e profunda, tão verdadeira e original, tão lírica e tão sensível desse poeta tão poeta. Ela me ensinou a recriar a poesia do poeta com coração e alma de criança e eu então, descobri toda a plenitude, toda a completude da poesia de Barros. E eu agradeço muito, muito, por isso.

E Rita, que de tanto amar a poesia e o poeta, acabou estabelecendo uma ligação extradimensional com ele, e eis que nos encanta com um texto que parece quase brotar dos dedos e da sensibilidade de Manoel de Barros. Essa comunhão, como diria ela mesma, me arrepia.

O poeta diz tudo, diz além de tudo, transcende a palavra e dá-lhe significados novos, inusitados, veste-a de  sentimentos maiores e de emoções mais fortes. Tipo assim: “No descomeço era o verbo. / Só depois é que veio o delírio do verbo. / O delírio do verbo estava no começo, lá / onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. ” Quem mais escutaria o som da cor dos passarinhos, a não ser o poeta-criança? Quem, quem?

Ou então: “Eu penso / renovar o homem / usando borboletas.”  Quintana, também, poeta. Acho que vocês dois andam fazendo poesia juntos, no céu dos poetas. Dêem um abraço em Júlio de Queiroz por mim.

Ou “Hoje eu desenho o cheiro das árvores.”  E esse desenho não será nada menos que lindo. “Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio.” Ninguém mais diria isso de forma mais poética. “Poesia é quando a tarde está competente para dálias. / É quando / Ao lado de um pardal o dia dorme antes. / Quando o homem faz sua primeira lagartixa. / É quando um trevo assume a noite / E um sapo engole as auroras.” Ah, poeta, esse é o conceito supremo da poesia.

E mais, e mais, e muito mais eu dividiria, que o poeta é amplo, é interminável. E eu fico aqui, me poesiando com a poesia desse mestre. Em tempo: poesiar quer dizer “ser poesia”. Eu tento. Não sei se vou conseguir, algum dia, pois a poesia já é Manoel de Barros, Pessoa, Quintana, Coralina, Júlio de Queiroz… Então, como me atrevo?

E eis que a poeta Rita vem e se transmuta, sem deixar de ser ela mesma, e se poesia. Seu texto “Ser bocó” começa assim: “Quando me escondo na lua de lata e o vento me empina como pandorga, minha cabeça salta de estrela em estrela para pegar uma e amarrar na cabeleira do cometa.” Preciso dizer alguma coisa? E nessa vibe, como diria Gabriel, vai nos encantando: “Quem é bocó corre atrás dos versos e salta por cima dos números ímpares. Quem não é, sabe contar até dez.” E termina assim: “Minha trisavó é vizinha d’um tal homem de barro chamado Manuel. Ela disse que ele disse que eu sou bocó porque minha alma não expandiu ainda.” 

E eu, ah, eu me calo.Só pra sentir a poesia e a alma pulando de estrela em estrela…

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 745