Era o segundo mandato do governo Lula. Dilma Rousseff, hoje presidenta, era a chefe da Casa Civil, a ante-sala do poder. Dilma, substituindo o todo oneroso José Dirceu, com objetivo claro de atingir o governo anterior de Fernando Henrique Cardoso, resolveu dar mais uma espetadinha e divulgou dados sobre os gastos dos cartões corporativos utilizados pelo governo FHC.
Essa divulgação acertou em cheio a primeira dama, Ruth Cardoso, que foi despida e ridicularizada com seus gastos supérfluos, mais para uma dondoca que uma socióloga engajada em grandes causas nacionais, em todos os jornais do país. Era tudo verdade, mas da forma que foram apresentados os dados, estava clara a intenção de expor a senhora Ruth e colocar em dúvida sua consciência cívica. Pouco tempo depois, por certo ruminando uma mágoa civil, dona Ruth partiu, para espanto de todos.
Hoje, a situação dos cartões corporativos continua a mesma, ou seja, o mesmo mistério inviolável e insondável quanto ao seu fim e meio junto ao governo federal. A justificativa para o mal praticado: segurança nacional. Ora, a segurança não é em relação ao que se gastou, mas sim ao que se gastará. É a fome da farra anunciada pelo poder vigente com o dinheiro público. Tudo isso, sob os olhos vacilantes da presidenta, que hoje está do outro lado da artilharia.
É claro que esperávamos da presidenta, depois da iniciativa inédita da divulgação dos gastos com o cartão corporativo, uma postura mais austera de seu governo em relação aos cartões, mais próxima do que ela hoje apregoa e cobra de seus ministros, como transparência total de cada ministério e seus gastos com o cartão corporativo. O exercício do poder exige, naturalmente, lisura e transparência, e isso a presidenta Dilma tem a clara visão, falta apenas ter a prática.
O grande problema é que poucos estão à altura de seu cargo em nosso país. Há sempre uma necessidade freudiana de aproveitar, de lesar o erário, de se beneficiar. São ministros com uma consciência cívica bem baratinha, bem sem vergonha, com uma mentalidade tapioca do poder.
Enquanto isso, estamos nós, com nosso salário mínimo, pagando o cartão de crédito com juros máximos, diariamente. A presidenta até hoje não deu uma palavra sequer sobre isso, sobre a farra permanente dos bancos em nosso país na cobrança dos juros, os mais altos do mundo. Para um governo que se diz comprometido com o social, era bom saber que a família brasileira incorporou, há muito, o cheque especial ao orçamento mensal. Ainda assim, estamos condenados a economizar na poupança a juros de 0,6% ao mês, pagando os juros dos cartões de crédito a 160% ao ano. Um verdadeiro disparate. Ou seja, os bancos têm 160 vezes mais influência no governo brasileiro que o povo.
Essa é a triste realidade brasileira, a vida de quem vive sem as benesses dos cartões corporativos, a vida de quem vive distante e ignorado pelo poder.