Publicado em 1890, pelo grande introdutor do Naturalismo no Brasil, Aluísio Azevedo, e lido com toda a impetuosidade um jovem de 17 anos. O Cortiço não apenas serviu para estudar para a avaliação e aprovação no então temido concurso vestibular classificatório, mas deixou inúmeras e fortes impressões n’alma daquele estudante secundarista.
Apesar de publicado há exatos 131 anos, a problemática tratada por Aluísio Azevedo é de uma atualidade sem igual: relação de explorador/explorado, crítica social, preconceitos, degradação que é submetida a classe que fica à margem da sociedade, sem gozar dos seus avanços tecnológicos, científicos e, até mesmo, das condições mínimas que tornam um habitante, cidadão: saúde, educação, moradia, segurança e lazer.
Não há como esquecer as personagens d’O Cortiço: de João Romão, português dono do cortiço, onde se passaa a trama à sedutora mulata Rita Baiana, que assim será responsável prla separação do casal Jerônimo e Piedade, além de dar causa à morte do amante Firmo, encomendada e presenciada pelo ex-marido de Piedade. A prostituta Léonie e sua relação com a então, pura e angelical, Pombinha, apenas para citar algumas situações.
Pode-se dizer que nas grandes cidades brasileiros, fatos descritos n’O Cortiço não acontecem mais? Será? Basta abrir as páginas policiais dos matutinos que se observará: O Cortiço não deixou de existir e, aquelas pessoas eu ali estão, sabem que são, no mínimo, cidadãos de segunda categoria – ainda que essa afirmação venha de encontro à Constituição Federal (CF), que o saudoso Ulisses Guimarães denominou-a de “Constituição Cidadã” -, pois quando precisam da prestação estatal via hospitais púbicos e não conseguem vagas, mas apenas marcação de consultas para muitos dias após, se ainda estiverem vivas, se o médico não faltar, se não houver greve…sabem disso quando buscam matricular seus filhos nas escolas públicas e precisam dormir nas filas, para ter acesso ao que o próprio Estado, através da CF/1988, declarou ser um direito público subjetivo…sabem disso quando as polícias invadem suas casas, a pretexto de reprimir o tráfico de drogas e outros crimes, como se fossem bandidos, porque são pobres, miseráveis e, desse modo, tem até medo de precisar da segurança oferecida pelo Estado.
Além disso, não esqueceu Aluísio de Azevedo das relações familiares, dos preconceitos, da prostituição que hoje ganha ares de modernidades, via meios de comunicação de massa e modernas tecnologias, como a Internet.
Pode-se argumentar que O Cortiço traz parte do drama sentido pelo escritor: os preconceitos que sua família sofreu por abalar a sociedade maranhense; mas o quê não se pode deixar de fazer é reconhecera atualidade desta Obra, afinal, o Brasil nesses exatos 131 anos atingiu um extraordinário crescimento econômico, sendo inclusive. A 12ª economia mundial, mas não logrou a mesma sorte para todos os seus habitantes: aprofundou-se, aqui, a distinção entre os moradores do cortiço e da casa, dos morros e favelas e das mansões, do centro e da periferia, enfim, criou-se um país bem definido, onde poucos têm muito e muitos têm pouco. O “bolo” que o ministro tanto falava cresceu, mas a fatia de cada um não foi proporcional; parodiando George Orwell: “Todos os brasileiros são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”…
Como não reconhecer a atualidade d’O Cortiço? Como esquecê-lo, se a a cada dia torna-se mais presente na sociedade brasileira? Melhor seria se a situação vivida n’O Cortiço não passasse da veia literária de Aluísio de Azevedo, de ficção, mas não é isso que as Ritas Baianas, Pombinhas, Piedades e Bertolezas sentem nos seus dia-a-dia.