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O dia que a Menininha virou cofrinho

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Duas pequenas.

“Eu tenho um chiclete.”

-Serio? Dá um pedaço pra mim.

“Dou não, é pequenininho.”

– Só um pedacinho.

“É pequenininho, eu te dou um pedacinho nós duas ficamos quase sem nada.”

– Duvido que você tenha. Tira aí da boca pra eu ver.

“Não!”

– O que foi?

“Engoli.”

– Bem feito! Nem sentiu o gosto!

“Pior que não tinha gosto de nada mesmo.”

– Chiclete sem gosto de nada?

“Não era chiclete. Era uma moeda.”

– Moeda? Sua doida, como você engoliu uma moeda?

“Foi sem querer. E agora?”

– Agora a mamãe vai te matar.

“Não tenho coragem de contar pra ela. Tô com medo.”

– Ué, tem que contar, ou você vai morrer entalada.

“Eu não quero morrer.”

– Tudo porque não quis me dar um pedaço do chiclete.

“Já disse que não era chiclete.”

– Mãe, a Menininha engoliu uma moeda.

*Vamos rápido, andem logo. Sua tia está esperando e eu não posso me atrasar. Esse é o concurso da minha vida. A chance que tenho de ter dinheiro para comprar pra vocês todas as bonecas do mundo. Entrem logo nesse carro.

– Ela não escutou.

“E eu vou morrer?”

– Acho melhor não. Depois dessa prova mamãe vai ter dinheiro pra comprar todas as bonecas do mundo e se você morrer todas ficarão só pra mim.

“Então como faço pra desengolir essa moeda?

-Não sei.

*Andem logo meninas.

– Você tá conseguindo respirar?

“Tô sim.”

*Vocês se comportem. Obedeçam seus tios. Nada de meter a mão onde não deve, nada de chegar perto da janela. E se virem alguma coisa na rua que tiverem vontade façam de conta que nem viram. Não quero saber de menina pidona. Menininha, você por favor, não vá colocar porcaria na boca! Olhem lá eles.

#Oi, irmã.

*Mirmã do céu, muito obrigada por cuidar das meninas pra mim. Minha sogra, coitadinha, adoeceu. Ligou desesperada falando que amanheceu sem dar conta de levantar. Muito obrigada por cuidar delas pra mim.

#O que é isso, criatura? Cuido com a maior alegria.

*Então, vou nessa.

# Deus te abençoe. Boa prova. Vamos meninas.

– Oi, tio. Oi, prima.

% Oi.

@ Oi.

“Oi, tio. Oi, prima.”

%Oi.

@Oi.

# Meninas, vocês colocaram o cinto? Nós vamos para casa, esperar o sol baixar um pouco e depois vamos para o parque. Tudo bem?

“Tudo.”

– Tudo.

# Posso saber sobre o que estão cochichando?

– Foi a Menininha.

“Não conta. Não conta!”

# Não conta o quê, Menininha?

“Não conta.”

– Uai, eu tenho que contar. Vai que eu não conto e você morre!

# Morre quem, fia de Deus? Conte logo!

– A Menininha, tia. Ela engoliu uma moeda.

# Engoliu o quê, criatura?

@Repete, por favor. Engoliu o quê?

– Ela engoliu uma moeda! E foi de R$ 0,50, dava pra comprar um dim dim.

# Menininha, onde você estava com a cabeça? Que ideia foi essa de engolir moeda? Tá pensando que é um cofre?

@ Não é conversa de vocês isso não? Diz pra mim que ela está brincando, Menininha. Fala para o tio que brincadeira da sua irmã.

“É não, tio. Eu engoli mesmo.”

@ Minha flor, você queria ter a certeza de que ninguém ia tomar sua moedinha, é? Agora ela está muito bem guardada. Mesmo assim vamos para o hospital, não dá pra ela ficar aí pra sempre.

#Sua mãe ficou sabendo disso, Menininha? Você contou pra ela?

– Eu tentei contar, mas ela começou a falar que se passar nessa prova de hoje vai ter dinheiro para comprar todas as bonecas do mundo e não sei o quê, aí parei. E essa daqui tá tão assustada com a ideia de morrer que não falou uma palavra.

#Morrer ninguém morre por virar cofre não, Menininha. Mas vai dar um trabalho pra tirar essa bendita moeda do seu bucho.

“E vai doer, tia?”

#Não sei, amor. Vamos ao médico ele vai falar.

) Então quer dizer que você engoliu uma moeda, mulherzinha? Por que não comprou balinha com esse dinheirinho?

– Dava pra comprar um dim dim de groselha, seu médico.

)Ou um dim dim de groselha?

“Eu não queria engolir não. Mas escorregou.”

) Escorregou, mulherzinha? Que judiação. Vai ali com aquele tio que ele vai tirar uma fotografia de dentro de você para ver onde essa moeda está passeando.

# Meu cofrinho, vamos lá. Só vou acreditar depois que o moço tirar essa fotografia do seu bucho.

“Não me chama de cofrinho não, tia.”

#Ué, e quem é que guarda moeda dentro? Não é o cofre? Você engoliu uma moeda, então agora é o meu cofrinho.

¨ Deixa eu ver aqui. Olha só, a moedinha aqui!

# Misericórdia! Eu estava pensando que era brincadeira sua, Menininha.

“Tia, eu não minto.”

# Minha princesa. Só engole moeda, mas mentir você não mente, né?

“Foi só dessa vez. Nunca mais vou engolir outra.”

¨ Essa daqui vai fazer o caminho da comida e depois sair naturalmente, não tem com o que se preocupar.  Viu, cofrinho?

“Eu não sou um cofrinho.”

¨ Desculpe, Menininha. Mas fique tranquila, você vai ficar bem.

# Obrigada.

)Olha lá ela! Brilhando dentro de você. Você agora tem um ponto de luz aí dentro. Olha que charme!

“Mas vai apagar?”

)Vai, vai sim. Um belo dia você vai ao banheiro fazer o número dois e ela vai sair junto.

“E vai doer?”

) Acho que não. Ou só um pouquinho. Mãe, traga ela aqui depois de amanhã para tirarmos outra radiografia e faça o monitoramento das fezes.

# Tudo bem. Obrigada.

) Tchau, cofrinho.

“Eu não sou cofrinho.”

O acontecido já tem uma semana.

Cofrinho está indo periodicamente ao hospital acompanhando o caminho da moeda.

E a mãe, pobrezinha, fazendo o monitoramento daquele jeito.

De acordo com a última radiografia a moedinha estava chegando ao fim do caminho.

Cofrinho, ou melhor, Menininha passa bem.

 

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 744