Em 2002 fui visitar um amigo de infância em Tobias Barreto, Sergipe, e como ele estava na roça, fui passar o dia com ele. À tarde, de volta para a cidade, estranhei por ele ter deixado as portas da casa abertas. Eu disse que era bom saber que ainda havia lugares seguros. A resposta, rápida e taxativa: “deixo abertas para não perder as fechaduras”.
Depois de 22 anos dessa constatação de que a violência estava generalizada, com os índices de violência nas alturas ainda mais, resolvi escrever novamente sobre a violência. Percebi, entretanto, que tudo que eu disser sobre a violência será café requentado. Demasiadamente requentado.
Sobre armas “exclusivas” das Forças de Segurança nas mãos de bandidos, já escrevi. Sobre assaltos do “novo cangaço”, também. Sobre as várias passagens de bandidos pela polícia; sobre policiais levantarem a cabeça dos detidos para o esculacho de repórteres policiais; sobre a polícia saber quem são os chefes de organizações criminosas e de milícias e eles continuarem livres nas ruas; sobre sentenças duvidosas de soltura de bandidos perigosos…
Sobre a demora nos julgamentos e a baixa elucidação dos crimes graves, como homicídios e estupros, várias vezes já mencionei. Sobre falhas propositadas na preservação dos locais de crimes e a possibilidade de os inquéritos serem malconduzidos para gerar absolvição, já citei algumas vezes.
Sobre os diagnósticos de especialistas apontando as carências sociais como um dos principais motivos causadores da violência, já escrevi. E sobre as medidas e explicações de autoridades, escrevi alguns textos exclusivos e noutros fiz várias citações. Cheguei a denominar a gestão de Fernando Henrique Cardoso como governo dos pacotes antiviolência. Foi uma série de boas intenções colocadas no papel e nunca passou disso.
Também já escrevi sobre a falta de resultados no combate à criminalidade e clichês de autoridades com suas notas de reforço do policiamento em locais apontados pelos altos índices de criminalidade, sem a contratação de nenhum agente a mais. Escrevi referente às estatísticas apontando diminuição de determinados crimes, ou em determinados bairros. Por exemplo, citam que “em nosso estado, houve uma queda acentuada de cem por cento de homicídios sobre pessoas acima de130 anos”.
Não se sabe há quanto tempo a violência só tem crescido, sem nenhuma diferença de que posição ideológica seja o governo do momento.
Falta policiamento ostensivo, as investigações não têm eficácia na elucidação das autorias, os julgamentos só ocorrem depois de décadas e a indústria da prescrição se encarrega de deixar o andar de cima das leis e totalmente impune. Até hoje não se sabe com clareza o desfecho sobre o massacre do Carandiru. Mais recentemente Boate Kiss, Mariana e Sobradinho são exemplos acabados da ineficiência do Estado.
Os naufrágios reiterados no Norte, as queimadas recorrentes dos biomas brasileiros, os tiroteios nos morros do Rio de Janeiro e tantas outras são a cereja dessa tragédia permanente.
Em 1997, o Brasil ultrapassou os 40 mil homicídios por ano e continuou ininterruptamente até 2022, último ano dos dados apurados. Nem as próprias autoridades acreditam, mas continuam com argumentos repetitivos, ineficazes e inconfiáveis. E o crime só cresce porque o Estado se rendeu literalmente.
Quando o Estado precisa ser Estado, jamais alguma milícia ou bando pode poder com o Estado.