A escalada de tensões entre os Três poderes, uma economia rota e sem horizontes definidos, reformas encalhadas no Congresso e um presidente que insiste no confronto com ministros do STF e outros ingredientes incandescentes deixam a maioria da sociedade brasileira atônita. Seriam sinais de um golpe à vista para manter Bolsonaro e seus militares amigos no centro do poder, a exemplo de um Hugo Chávez?
Esses sinais são cada vez mais intensos depois da narrativa dos mais altos assessores do presidente, principalmente aqueles com história nas Forças Armadas. O general Heleno é um exímio mensageiro de sinais. Pois acaba de dizer que um golpe não está fora dos horizontes, claro, sob a ressalva de que um evento inusitado como esse carece do manto de alta gravidade. Bolsonaro é recorrente na lembrança da tese.
Falar, lembrar, referir-se ao golpe, sob a alegação de que, em momento como esse, as Forças Armadas estariam cumprindo papel moderador, nos termos que defende o jurista Ives Gandra Martins, ao examinar a letra constitucional em caso de impasse e tensão entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é mais que um simples ensaio interpretativo. É dar voz a um sentimento que corre nas veias de alguns núcleos. Impasse institucional?
Tensão entre os poderes é o que não falta para apimentar o caldo golpista. Mas a pimenta vem da sementeira do presidente. Apesar de se prever arrefecimento em suas investidas, os sinais são de que Bolsonaro pode recuar agora para voltar mais adiante. Há cinco investigações sobre ele em curso.
Difícil é sustentar um duelo verbal até o próximo ano. Bolsonaro vai precisar do Senado e da Câmara para fazer passar sua pauta. Sob esse terreno de dúvidas, entraremos no fim do ano com as pautas reformistas aprovadas parcialmente e todos com o olho (e o bolso) voltados para a economia. Que condição se apontaria para um golpe? Uma estrondosa vitória de Lula e ruas tomadas por grupelhos gritando palavras de ordem não aceitáveis pelas Forças Armadas? Clima de convulsão social ou apenas argumento para pôr tropas nas ruas? O Legislativo daria guarida a uma armação como essa? E o Judiciário ficaria apenas na observação?
Os talibãs do petismo, agora restritos, não teriam condições de voltar com suas bandeiras adornadas com os apetrechos do socialismo clássico. As classes médias têm, sim, condição de sustar um posicionamento radical que implique a tentativa de golpe – profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos e médios proprietários, prestadores de serviços, autônomos, setores organizados. As margens carentes não se envolveriam diretamente em mobilizações, mas poderiam engrossar o caldo bolsonarista se o apelo maior for o assistencialismo.
No Brasil, o passado é sempre revisitado, com direito a reviver até seus hábitos pérfidos. É o caso do coronelismo do ciclo agrícola, que castigava o livre exercício dos direitos políticos. A autoridade constituída esbarrava na porteira das fazendas. Agora, neste país urbano, o poder público tem de pedir licença para subir o morro. O império coronelista do princípio do século passado finca raízes no roçado do Rio de Janeiro nas comunidades dominadas por milícias.
Por tudo isso, estamos diante de um novo coronelismo? Os currais eleitorais são comunidades miseráveis, comprimidas em morros, favelas e bairros degradados, onde o poder bandido monta formidável aparato.
Um caldo golpista está cada vez mais claro nas palavras de Bolsonaro. Mas um alento vem com o muro da resistência cada vez mais forte contra esta ameaça, a partir do Judiciário (de ministros que não se curvam aos impropérios do presidente), e de parte da sociedade organizada, como se viu no manifesto de mais de cinco mil empresários, economistas, intelectuais e outros contingentes formadores de opinião.
O fato é que a popularidade de Bolsonaro vai desabando ao longo do tempo. Resta saber se restará força para um segundo mandato em outubro de 2022. Ou então o muro da resistência vai assegurar uma era de paz e prosperidade, sem a participação dos extremistas de esquerda e de direita.