Ante as impressionantes manifestações do dia de hoje, não há como deixar de registrar uma verificação que parece ser definitiva: terminou o Governo Dilma, apenas 74 dias após a sua posse. Caso único na República, entrará para a história política do país, rivalizando com outros momentos inglórios, como o Governo Jânio e outros menos lembrados. A partir de agora, experimentaremos apenas a persistência da agonia política, cujo desenlace não ouso prever, se será breve ou iremos prosseguir como se fosse uma doença sangrando a cena política, a economia e a vida social, até o final de seu mandato.
Em política, a lógica cartesiana não é a ferramenta mais apropriada para analisar as tendências e os desenvolvimentos. Mas, nesse momento, parecem existir alguns encaminhamentos férreos, quase matemáticos e lineares.
Sobre a economia: existiria um quase consenso sobre o completo desarranjo macroeconômico atual e sobre a receita a ser seguida, encarnada na proposta do Ministro Levy. Se é certa, apenas o tempo dirá, mas se implantada em sua inteireza, pelo menos poderia restaurar a confiança entre os agentes econômicos e nem mesmo o dólar dispararia. Mas dificilmente esse caminho será aplicado como deveria ser, pois nem a própria Presidente acredita nas mudanças propostas e, além disso, setores importantes de seu partido se opõem às medidas. Duas prováveis consequências: as medidas serão aplicadas apenas em parte, o que será insuficiente para reorganizar a economia, que se manterá instável e com indicadores de pobre desempenho. Segundo efeito provável: o Ministro da Economia irá durar quantos meses? Sua gestão passará de um ano? Em síntese: é muito improvável que no campo da administração macroeconômica iremos observar algum progresso suficientemente forte para amenizar o desconforto geral e as dificuldades ora existentes, do aumento do desemprego à destruição da indústria brasileira. Continuaremos definhando em termos econômicos, o que servirá de mais combustível para a crise.
Um adendo: lembrando que mesmo se fosse aplicada a receita em sua inteireza, ainda assim o Brasil atrairia menos investimentos externos, pois a economia dos Estados Unidos está se recuperando e, gradualmente, atua como o sifão do capital mundial, reduzindo as chances de outras economias.
Sobre a política: as manifestações sociais indicam que mudou a correlação de forças políticas a favor de um campo vagamente intitulado de "sou contra o que está aí", não significando apoio aos partidos oposicionistas. Especialmente entre o eleitorado mais jovem, hoje muito mais despolitizado do que no passado, esse sentimento pode significar adesão a qualquer coisa, inclusive posições mais extremas. As relações do Governo com o Congresso devem se deteriorar mais rapidamente, particularmente em função do comportamento do partido que atualmente comanda o Legislativo – o PMDB. Percebendo o "cheiro de mudança", esse partido irá caminhar em outra direção (como sempre fez), já mirando as eleições do ano que vem e, também, aquelas de 2018. O PT será ainda mais encurralado, devem acentuar-se suas disputas internas e, provavelmente, deverá se formar alguma outra coalizão, visando as próximas disputas eleitorais. Podemos esperar mais ações radicalizadas, especialmente dos setores sindicais beneficiados com a chegada do PT ao poder e mais conflitos políticos em todos o restante da sociedade. Se a inflação não for rapidamente domada, logo virão os protestos para aumentos salariais e um ciclo vicioso logo se instalará. Todos aqueles que se lembram dos períodos de inflação alta antes do Plano Real sentem, aterrorizados, um cheiro de "déjà vu" no ar. Sob esse foco observaremos a maior contribuição para o aprofundamento da crise.
Um adendo: não podemos também menosprezar a possibilidade de acirramento e até truculência, pois o campo petista comanda a maior parte dos sindicatos e organizações políticas, a partir dos quais é possível mobilizar militantes semi-profissionais dispostos a tudo. A possibilidade de violência não pode ser descartada, ainda que confinada a momentos e situações específicas.
Sobre as reações sociais e o futuro próximo: é uma grande incógnita, mas nenhum movimento social de protesto prospera sem liderança e coordenação. Se não são os partidos de oposição, quem irá liderar essa onda mudancista? As pressões políticas irão ser canalizadas sob quais mecanismos políticos? Não existe ninguém no horizonte para exercer esse papel e nem são claros os caminhos. Desta forma, se os partidos de oposição não tiverem a humildade de se articularem com os setores sociais que se tornarem mais visíveis, são protestos que irão lentamente murchar e poucos resultados práticos serão produzidos. Será preciso sabedoria política nessa construção, um atributo hoje raríssimo na política brasileira, pois nossas principais lideranças políticas são fracas e sem legitimidade significativa.
Fatores agravantes: são os conhecidos, começando pelos desdobramentos da Lava-jato e suas implicações na "classe política" e o Congresso e, sobretudo, as repercussões na dinâmica econômica, com a semi-paralização de grandes empresas (contratantes de largos contingentes de força de trabalho, diga-se de passagem). Com a economia em marcha lenta, até mesmo a distribuição orçamentária se tornará problemática, afetando, inclusive, os chamados programas sociais.
O que estamos observando, genericamente, é a culminação de todas as excentricidades políticas e equívocos do campo petista no poder. Enquanto a economia cresceu em taxas mais altas, foram toleradas. Quando chegamos à estagnação, foram aspectos que relativamente assumiram a cena política e passaram a ser crescentemente recusados pela sociedade. Enquanto o mensalão acabou sendo engolido, com algum constrangimento, a ruína da Petrobrás, sob o mesmo esquema, passou dos limites do razoável. É o preço que o campo petista começa a pagar: não soube manter a compostura e ficar sob os limites do razoável. A história política brasileira mostra um povo que sabe que está sendo enganado, mas não reage. O PT no poder não soube ficar dentro dessa tolerância histórica, julgou que tudo podia.
Somados os fatos, é impossível supor que uma presidente de escassos recursos analíticos, provincianíssima e sem nenhuma influência, nem mesmo em seu partido, como Dilma, poderá construir uma "estratégia de êxito", ainda que no médio prazo. Cercada de mediocridades, como se construirá essa estratégia? Por tudo isso, esse é Governo que acabou. Foi vencido pela voz das ruas e o descontentamento social. Agora é esperar pelas características da agonia política que teremos à frente e tentar identificar quais serão os desdobramentos futuros.