A política não é um fim em si mesma. É um sistema-meio para administrar as necessidades do povo. Na visão aristotélica, política é missão, cabendo ao cidadão o dever ético de servir à polis.
Na contemporaneidade, transformou-se em profissão. Que propicia aos seus participantes fatiar o bolo e comê-lo quando tiver vontade. Virou uma escada para muitos subirem na vida.
A política deixou de ser um sistema que desenvolve a capacidade de responder aspirações, transformar expectativas em programas, coordenar comportamentos coletivos e recrutar para a vida pública quem deseja cumprir uma missão social.
No Brasil, infelizmente, o ideal político é uma quimera, mesmo que esteja na boca de participantes, principalmente em anos eleitorais como o que vivemos: “vamos melhorar as condições dos trabalhadores, facilitar o acesso ao crédito, qualificar a educação, equipar hospitais, dar segurança ao povo”.
Em suma, a política se tornou um dos maiores e melhores negócios da Federação. O empreendimento é a conquista de um mandato, seja como vereador, deputado estadual, deputado federal, senador, governador ou presidente da República.
Um dos produtos é a intermediação, o caminho que usa a burocracia pública e os mandatários para políticos obterem recursos, benefícios e vantagens. Estamos no fundo do poço, ou, para usar a terminologia lembrada por Hélio Schwartsman, em seu artiguete de quarta, 27, na FSP, estamos vivendo um jogo pesado, “constitutional hardball – jogo pesado constitucional”, na expressão de Mark Tushnet, de Harvard. Uso uma metáfora: vemos a derrubada do Muro Constitucional.
Querem o exemplo mais recente do desmoronamento dos pilares do nosso edifício democrático? O perdão concedido pelo presidente a um deputado, amigo e parceiro, condenado pela Justiça e, pasmem, a escolha desse parlamentar para integrar comissões na Câmara, entre as quais, a mais importante, a CCJ, Comissão de Constituição e Justiça. Significa escolher alguém que afronta Justiça para decidir sobre leis, ou seja, sobre justiça. O cúmulo da distorção.
O negócio da política mexe com cerca de 150 milhões de consumidores, que formam o contingente eleitoral. Para chegar até eles, um candidato gasta, em média, R$ 7 reais por eleitor, quantia que pode ser cinco a seis vezes maior, se o candidato for agraciado com recursos do polpudo orçamento partidário para a gastança eleitoral. Ou se for rico. A maioria gastará bem mais que a soma dos salários em quatro anos de mandato. A questão é: se a campanha política no Brasil é tão dispendiosa e se os candidatos gastam acima do que ganham, por que se empenham tanto em assumir a espinhosa e sacrificada missão de servir ao povo?
É arriscado inferir sobre as ações e os comportamentos do nosso corpo político, sob o reconhecimento de que parcela do Congresso tem atuado de maneira nobre na defesa de seus representados. Mas sofre críticas por conta da corrupção cometida por alguns.
Outro sistema que erode os cofres públicos é a indústria do superfaturamento. As obras públicas, nas três malhas da administração (federal, estadual e municipal), geralmente são feitas com um “plus”, um dinheiro a mais. Registra-se, até, a figura de um ex-governador de um Estado do Sudeste, que era conhecido pela alcunha de “quinzão”. Parcelas dos recursos se somam às verbas da indústria do achaque e vão para os cofres das campanhas, formando o círculo vicioso responsável pelo lamaçal. Os desvios só acontecem porque nos postos chaves estão pessoas de confiança dos políticos. Resposta da charada. A malha de dirigentes abre espaços, possibilitando contratos, facilitando negócios, costurando o tapete financeiro que cobre a sala de estar da administração. O PIB informal da política é algo escandaloso, chegando a superar a imaginação de alquimistas financeiros sofisticados.
Esse é um tapete difícil de ser lavado. Contém milhões de ácaros que se alimentam das camadas de pele do corpo político. Ninguém vê, mas todos sabem que eles estão lá. Na velha cama, suja e embolorada, dormem perfis identificados com a manutenção do status quo. O ciclo é fechado: a sujeira alimenta os ácaros – agentes e intermediários – e estes suprem sua matriz alimentícia – os patrocinadores – perpetuando e multiplicando formas de corrupção.
Não é qualquer detergente que pode limpar os porões da política.