Estamos vivendo, no Brasil, um tipo de impasse do tipo clássico, previamente programado e configurado no modelo institucional que adotamos. Brigas de crianças se resolvem com mais facilidade do que a rinha entre cavalheiros. O governo quer algo; o Parlamento diz não; e nada acontece, seja no governo, seja no Parlamento.
Essa é uma das muitas disfunções e irracionalidades inerentes ao nosso modelo institucional e ao modo como vemos e fazemos democracia, temas sobre os quais muito já tenho escrito.
Estamos assistindo, nestes dias, a um confronto de opiniões que tem tudo a ver com isso. As eleições de outubro do ano passado refletiram a indignação da maioria dos cidadãos com as consequências de vícios institucionais que impulsionam condutas criminosas ou de moralidade imprópria. Multidões foram às ruas e muitos mandatos foram cassados pelo voto soberano do eleitor. No entanto, os males do modelo persistem e, como não poderia deixar de ser, continuam produzindo consequências.
A sociedade se sentiu frustrada e ameaçada ao ver o Presidente chantageado por congressistas que explicitavam seu desejo de estabelecer “negociações” cuja consequência seria o retorno ao velho regime e a vitória dos derrotados nas urnas. Se os projetos são de elevado interesse nacional, como justificar moralmente que uma oposição inicial seja revertida mediante favores políticos concedidos pela BIC presidencial?
É óbvio que congressistas podem divergir do Presidente. O poder lhes é dado para isso. O que esse poder não pode e a sociedade não mais admite é que as mesmas convicções mudem se o governo distribuir cargos, espaços de influência ou atender “interesses” municipais ou regionais. É tão evidente o desvio ético dessa conduta que explicações se tornam supérfluas. Para tais práticas, que acabam em delação premiada, o eleitor disse sonoro não nos pleitos do último mês de outubro.
Recentemente, a professora e deputada estadual paulista Janaína Paschoal saiu em defesa do Congresso Nacional, disparando repreensões à mobilização prevista para o dia 26 de maio e acusando o Presidente de imobilismo. Segundo ela, negociações são inerentes à vida dos parlamentos e não há qualquer mal no fato de um parlamentar atender interesses de suas próprias bases. Horas depois, ela mesma desistiu de negociar e de formar opinião dentro de seu partido e rompeu com a bancada.
Quem tão bem lutou contra a corrupção durante o processo de Impeachment, como Janaína Paschoal, formando nesse embate e em cima dos carros de som suas bases eleitorais, surpreende ao atenuar, aparentemente ao menos, a rotina da formação de maiorias parlamentares. De fato, o que ela chama de imobilismo tem solução expedita. Basta seguir a velha receita. Mas aí estaríamos nos curvando ao modelo político ficha suja que tem regido as relações entre os governos e o Congresso Nacional, com apoio doestablishment partidário. Bem preferível seria se suficiente maioria do Congresso entendesse e se posicionasse em conformidade com o bem do país.
Com menos de cinco meses de mandato, as raposas de ofício já falam em impeachment de Bolsonaro. Negar à opinião pública o direito de se manifestar a respeito, de apoiar o Presidente que vem sendo responsabilizado pelas dificuldades que enfrenta no Congresso, é abonar o modelo corrupto e corruptor. É fragilizar a coragem moral que, teimosamente, insiste em ter voz nas ruas.