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O sol está ali

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Nada como ter para onde olhar…

Saber exatamente onde descansar os olhos, pés, corpo exausto, coração.

Ter certeza de que, onde estivesse, em seus momentos de alegria, poderia encontrar sua cor mutante para comemorar suas vitórias.

Durante toda sua vida Ela olhara para o céu.

Gostava de ver o balé das nuvens, observar a festa que faziam os pássaros na imensidão azul.

Não perdia a chance de observar um pôr do sol nem admirar a lua e suas encantadoras fases.

Cada dia, de sua janela ou onde quer que estivesse, tinha a chance, a qualquer hora, de contemplar um espetáculo que parecia estar sendo feito somente para Ela.

E gostava, sentia-se privilegiada e feliz por isso.

Era um hábito.

Os hábitos são coisas interessantes de se observarem.

Você nunca na vida fez alguma coisa, de repente, sem ter nem pra que começa a fazer e, quando se dá conta, faz aquilo todo dia sem nem notar, automaticamente.

Estou falando de hábitos “não tão bons”, como, por exemplo, tomar refrigerante durante as refeições.

Você que passou a infância e adolescência inteira encontrando refrigerante só em festa e fim de semana agora quando ouve a frase:

“A senhora bebe alguma coisa?”

Responde sem nem pensar:

– Coca cola com gelo. Sem limão.

E, aí, em pouco tempo, vê suas contas de restaurante aumentando e seu buchinho se multiplicando.

Adquiriu o hábito de beber durante as refeições e não notou.

Agora, quando se trata de hábito saudável como praticar exercícios, usar protetor solar, beber água em quantidade adequada, é uma luta.

Cadê que vira um hábito sem você nem notar?

Tem de deixar bilhetinho em tudo que é lado, colocar despertador para gritar o dia inteiro, baixar aplicativo, um verdadeiro perrengue.

Mas, se lutar com vontade, um dia vira hábito.

Ela tinha por hábito, de verdade, olhar para cima e apreciar cada um dos espetáculos que lá aconteciam.

Mas o melhor de todos eles, o que mais aquecia seu coração, era saber que não havia noite escura que impedisse o sol de voltar a cada manhã.

Um dia, sua vida certinha e feliz começou a desmontar.

Coisas que Ela não tinha como impedir começaram a acontecer.

Seus olhos quase não se abriam de tantas lágrimas.

Em menos de uma semana, foram duas tragédias.

Antes que Ela pudesse entender a primeira, a outra aconteceu.

Não sabia por qual chorava, não sabia o que esperar do futuro, não sabia o que fazer.

Só chorava.

E Ela, pela primeira vez, se esqueceu de olhar para cima.

Esqueceu completamente que olhar para cima confortava seu coração, acalmava seu espírito, esqueceu que, depois da tempestade, por pior que ela fosse, vem o sol para aquecer, o vento para secar e que tudo passa.

Esqueceu que vidas podem ser refeitas depois das grandes tragédias.

Não havia como racionalizar nada, a dor era muito grande, Ela só conseguia lamentar e sofrer.

E chorou.

Chorou como se não houvesse amanhã, como se não existisse mais sol ou possibilidades de recomeço.

Até que, um dia, esqueceu uma fresta da cortina aberta.

Dormiu chorando e acordou com um pouquinho de sol fazendo graça em seus olhos.

Virou para o outro lado.

Foi quando ouviu um passarinho solitário cantando.

Ele cantava tão lindo, tão despreocupado que deu até vontade de levantar, ver onde ele estava.

Lembrou-se de um ninho que tinha visto na direção da sua janela dias antes de tudo desabar em sua vida.

Abriu a janela como há dias não fazia e viu que tinha chovido durante a noite.

Pela quantidade de folhas no chão e poças de água, viu que a chuva tinha sido muita e forte.

Procurou pelo ninho.

Estava no chão, completamente destruído.

Em seu lugar, o antigo dono, cantava alto e imponente, com o biquinho na direção do sol.

Nessa hora, ao ver o bichinho que naquela noite tivera sua casa destruída cantando, Ela sentou e chorou.

Em meio às lágrimas, Ela esquecera que o sol sempre volta e que há chances de recomeçar.

Ainda chorando e com o coração em pedaços, olhou para o céu e viu que ele estava limpo, azul.

O sol?

O sol brilhava e os passarinhos, mesmo com os ninhos destruídos, ainda cantavam.

E Ela resolveu levantar.

Sua dor não passou, a devastação causada pelas tragédias em sua vida continuava ali.

O que mudou foi o seu olhar: Ela agora olhava novamente para cima, para o céu, e via, mesmo entre suas lágrimas, que o sol estava ali para iluminar seu recomeço.

E, com a dor que sentia, as lágrimas que derramava e a esperança que tinha em seu coração, resolveu, ao menos nos próximos cinco minutos, permanecer ali, olhando para o sol e sentindo seus efeitos.

Foi só o começo, mas Ela sabia que, se continuasse o hábito, voltaria e tudo daria certo, ficaria bem.

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 744