redacao@jornaldosudoeste.com

O topetudo

Publicado em

Em uma bela manhã do dia 15 em um mês de 30 dias, Ela acorda e se dá conta de que dormiu com o Bamba Leão.

Caro leitor, se você, assim como eu, foi criança na década de 80, assistiu ao  Bambalalão e conheceu o Bamba Leão, conte para a minha pessoa, por favor!

É que tem hora em que eu falo da Juma Marruá e ninguém lembra, aí fico arrasada.

Voltemos à bela manhã do 15º dia de um mês de 30 dias.

Ela abriu os olhos e começou a passar a mão nos cabelos do marido que dormia tranquilamente:

“Está na hora de cortar o cabelo, gato. Tá começando a ficar parecido com Bamba Leão.”

Ele, sem abrir os olhos:

– Vou cortar quando tiver vontade – falou e virou para a parede.

Ela ficou indignada, sentou-se na cama e jogou as cobertas longe:

“Misericórdia! Tá mais para um javali desembestado. Estou só tentando cuidar de você, não precisa comer minha mão antes de ver o sol da manhã. Fica andando todo desgrenhado, parecendo menino abandonado.”

Ele, calado e quieto estava, continuou como se nunca houvesse acordado.

E Ela, que tivera seu falador estimulado nos primeiros quinze minutos de consciência do dia, continuou:

“Menino abandonado não, porque você é homem velho, anda feio até a hora que quiser. O que eu acho triste é que o povo vê o cara largado desse jeito e sai falando que a mulher é que não cuida. Mas, senhoras e senhores, seres celestes que nos observam nesse momento em que o sol começa a espalhar sua luz nessa parte do planeta Terra, escutai-me: estou tentando manter esse moço alinhado, mas ele, além de não me atender, ainda está sendo mal educado. E olha que eu tenho certeza que a mãe dele fez um bom trabalho e…”

E chega, né, minha audiência?

Se eu continuar contando detalhadamente tudo que Ela falou nessa primeira hora de consciência, depois que Ele disse que iria cortar o cabelo somente quando tivesse vontade, você não fará outra coisa nesse dia, só ler esse texto. Ou, quem sabe irá abandoná-lo antes de saber o desfecho dessa história.

Por esse motivo, vamos em frente:

Lá pelas tantas, quando Ela falava que, talvez, a culpa de ele querer cultivar aquela cabeleira seja porque, na infância, morou dois anos com um tio que era hippie e seus cabelos passaram 24 meses sem chegar perto de tesoura, Ele resolveu reagir:

Disse o mais sonoro dos palavrões e se colocou em pé:

– O único dia em que eu posso dormir até mais tarde na semana, o único dia em que tenho a chance, o privilégio, de levantar depois do sol, você tem que me acordar falando como uma metralhadora giratória! Para que isso?

Ela parou o que estava fazendo e, levantando o dedinho fino, decretou:

“Eu acordei  fazendo um carinho e você, ogro mais que tudo, veio ser mal educado comigo. Mas, pode deixar, por mim você pode virar o Capitão Caverna, nunca mais falo nada!”

Ei, você! Do Capitão Caverna você se lembra, né? Aliás, tem alguém aí que não se lembra do Capitão Caverna?

Ela falou, virou as costas e saiu.

Ele tentou argumentar alguma coisa, mas Ela já estava em outro lugar da casa, fazendo barulho e cantando como se nada tivesse acontecido.

O mês que estava no meio acabou e ele “não teve vontade”.

De vez em quando, enquanto namoravam, Ela passava a mão pelo cabelo dele e dava umas puxadas assim mais enérgicas, como quem quer arrancar pedaço e pensava entre um beijo e outro:

“Ai se eu desse conta de arrancar uns pedaços desse cabelo na mão, se eu tivesse coragem de raspar enquanto Ele dorme…”

E Ele, entre um amasso e outro, ao sentir o puxão de cabelo:

– Tá empolgada a minha gostosa, como tá empolgada.

Ela nunca mais tocou no assunto.

Que fique claro, aliás, muito claro, claríssimo:

O fato de Ela nunca mais ter falado nada sobre seu cabelo não é que tenha esquecido ou deixado de se incomodar. Seu silêncio simplesmente persistia porque Ela tinha dito a fatídica frase:          “Nunca mais falo nada” e, quando essa sentença era proferida a moça podia morrer, mas morria calada.

Até que um dia…

– Vamos sair para comer?

Não sei se para você é assim, mas para Ela, chamar pra comer é um convite e tanto. Se for para comer sanduíche com batata frita grande e refrigerante aí que não tem programa melhor mesmo.

E esse foi o caso.

Ele chamou e Ela aceitou sem nem piscar.

Depois deu uma olhada para dentro do bucho e viu que ele nem estava tão vazio assim, mas, como já tinha aceitado o convite, não podia fazer desfeita.

Em dois minutos, estava pronta.

Foi ao banheiro só para pentear o cabelo, quando se deparou com a seguinte cena:

Ele molhando o cabelo, pegando uma escova e penteando tudo que tinha na cabeça pra frente:

– Está passando da hora de cortar esse cabelo.

Ela se encostou à parede atrás dele, cruzou os braços e ficou segurando o riso.

Ele jogava o cabelo para um lado e nada de ajeitar.

Jogava para o outro e não tinha jeito.

E Ela ali: parada, calada, faltando explodir para não rir.

– Nessa casa não tem creme de cabelo – falou e foi logo pegando o primeiro hidratante corporal que estava sobre a pia.

E Ela a postos acudiu:

“Tem, tem sim”  –  falou abrindo uma gaveta e entregando a Ele o creme para pentear.

Nessa hora, Ela já estava rindo, baixinho, o mais controladamente possível, mas rindo da cara do moço.

Foi quando Ele se enfureceu:

– Você vai fazer xixi?

E Ela, que já estava nas últimas, respondeu baixinho:

“Não!”

– Então, vai embora, vai. Vai embora, por favor.” – Ele falou e foi empurrando a moça porta afora e batendo a porta com toda a força que tinha.

Quando se viu longe do seu olhar descabelado, Ela deixou que o riso fosse para onde quisesse e, aí, pronto, tomou conta foi da casa inteira!

Ela ria com gosto.

Ria, mas ria tanto que as lágrimas quiseram participar.

E não tinha como disfarçar, segurar, nada!

Ficou rindo ali mesmo, na porta do banheiro.

Como dizem, riu tanto que desopilou o fígado.

E Ele, lá dentro, se penteado ao som de suas gargalhadas.

Quando saiu, era o Neymar em seus tempos de topete.

“Misericórdia, o que é isso?” – disse Ela parando de rir imediatamente.

– Vou de Neymar! – falou como se fosse o próprio dono do mundo.

Ela ainda tentou argumentar:

“Faz isso não, amorzinho. Tá feio demais.”

Estava realmente medonho: um topete super mal feito e cacheado quando chegava ao alto. O restante do cabelo todo desalinhado.

Um horror!

Mas Ele, como se pudesse justificar tudo com meia dúzia de palavras:

“Eu nem ia pentear os cabelos, fui tentar dar um jeito para sair com você, mas você, sem dó nem piedade, nem tentou me ajudar, ficou me zoando, então, em sua homenagem, vou de topete.”

 Ela tentou argumentar, falou que estava feio, muito feio, mas nada deu jeito.

Quando entraram no elevador, pensou que ia vencer quando Ele se viu no espelho:

– Eita! Tá mesmo muito feio. – falou e virou o corpo como se fosse voltar a casa.

Nessa hora, Ela estendeu a chave da porta, mas recomeçou a rir.

Ele voltou:

– Vou assim mesmo.

Ela ficou indignada, é fato, afinal, estava saindo com um marido topetudo e com o topete mais mal feito e desenjambrado do mundo.

Deu uma emburradinha de leve, mas, quando se lembrou da cena em que Ele estava com o cabelo todo penteado para frente e do alívio que sentiu por Ele ter mudado o penteado ,ficou feliz:

“Ainda bem que você é grande. Assim, pouca gente vai reparar esse cabelo encantador.”

É certo que Ela tentou andar de braços cruzados, não pegar na mão, mas não teve jeito:

– Dá a mão aqui, tá pensando o quê? Nessa vizinhança todo mundo sabe que você é minha mulher. E olha ali: Oi Dudu, oi Fernandinha – cumprimentou uns amigos que passavam – tem jeito não, minha Nega, dá a mão.

Ela deu um suspiro:

“ Vem cá, meu gato de topete! É descabeludo, mas é meu amor!” – Deu uma risadinha, segurou a mão do moço e foi toda satisfeita ao encontro do sanduiche com batatas fritas!

Deixe um comentário