Por Gisele Costa
Em 14 de dezembro de 2010, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação publicava a Resolução nº 07, fixando as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos. Os Artigos 36 e 37 da Resolução já indicavam os parâmetros para a correta implementação da Educação em Tempo Integral no Brasil.
Considera-se como período integral, de acordo com o Artigo 36 da referida Resolução, a jornada escolar que se organiza em sete horas diárias, no mínimo, perfazendo uma carga horária anual de pelo menos 1.400 horas. Conforme o Artigo 37, a proposta educacional da Escola de Tempo Integral tem por objetivo promover a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar e cuidar entre os profissionais da Escola e de outras áreas, as famílias e outros atores sociais, sob a coordenação da Escola e de seus professores, visando alcançar a melhoria da qualidade da aprendizagem e da convivência social e diminuindo, por consequência, as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais, em especial entre as populações socialmente mais vulneráveis.
Além disso, o Artigo 37 da Resolução determina que o currículo da Escola de Tempo Integral deve ser concebido como um projeto educativo integrado, mediante o desenvolvimento de atividades como o acompanhamento pedagógico, o reforço e o aprofundamento da aprendizagem, a experimentação e a pesquisa científica, a cultura e as artes, o esporte e o lazer, as tecnologias da comunicação e informação, a afirmação da cultura dos Direitos Humanos, a preservação do Meio Ambiente, a promoção da Saúde, entre outras, articuladas aos componentes curriculares e às áreas de conhecimento, a vivências e práticas socioculturais.
Por fim, o documento indica que os órgãos normativos e executivos da União e dos sistemas estaduais e municipais de Educação devam assegurar que o atendimento dos alunos na Escola de Tempo Integral tenha infraestrutura adequada e pessoal qualificado, sendo esse atendimento de qualidade obrigatório e passível de avaliação em cada Escola.
A Educação em Tempo Integral também se tornou objeto de atenção do atual Plano Nacional de Educação – PNE, instaurado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que enumera metas e objetivos a serem alcançados pela Educação Pública brasileira até o ano de 2024. Uma das metas determinadas pelo PNE, especificamente a meta de número 6, é de oferecer Educação em Tempo Integral em, no mínimo, cinquenta por cento das Escolas Públicas do Território Nacional, de forma a atender, pelo menos, vinte e cinco por cento dos alunos da Educação Básica.
A referida Lei faz menção à implementação da Educação em Tempo Integral nos mesmos parâmetros da Resolução nº 07 da Câmara de Educação Básica do Conselho Municipal de Educação e enumera algumas estratégias a fim de garantir a qualidade na aplicação da Educação em Tempo Integral nas Instituições de Ensino públicas brasileiras.
Dentre as estratégias, estão a criação, em regime de colaboração, de Programa de Construção de Escolas com padrão arquitetônico e de mobiliário adequado para atendimento em tempo integral, prioritariamente em comunidades pobres ou com crianças em situação de vulnerabilidade social; a fundação e perpetuação, em regime de colaboração, de Programa Nacional de Ampliação e Reestruturação das Escolas Públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos, bem como da produção de material didático e da formação de recursos humanos para a Educação em Tempo Integral.
Sendo considerado um Plano Subnacional de Educação, o atual Plano Municipal de Educação (PME) de Brumado, promulgado por meio da Lei Nº 1.752, em 30 de junho de 2015, é um documento que contém metas e estratégias para a Educação Pública Municipal considerando a realidade do município, mas sem deixar de respeitar parâmetros determinados pelo PNE.
O atual PME de Brumado indica que a Secretaria Municipal de Educação elaborou um Programa para implantação da proposta de Educação em Tempo Integral em todas as unidades escolares da rede municipal de Ensino, começando com a Educação Infantil e as Séries Iniciais (1° ao 5° ano) até alcançar as unidades das Séries Finais (6° ao 9° ano) do Ensino Fundamental e, assim como o Plano Nacional de Educação, o referido documento determina como estratégia a ampliação da oferta da Educação em Tempo Integral de forma a atingir cinquenta por cento das Escolas da rede municipal e vinte e cinco por cento dos alunos do Ensino Fundamental até 2024, final do prazo de vigência do Plano, acrescentando a necessidade de “melhorar o atendimento do Ensino em Tempo Integral através de coordenação específica e metodológica nas Escolas já existentes”.
Apesar disso, ainda no final de 2018, faltando cinco anos para o fim do prazo que prevê, estrategicamente, a implantação da Escola em Tempo Integral em cinquenta por cento das Escolas da rede pública municipal, o prefeito Eduardo Lima Vasconcelos (PSB) anunciou que já a partir deste ano letivo de 2019 todas as Instituições de Ensino da rede municipal (Educação Infantil e Ensino Fundamental), contariam com o Programa de Educação em Tempo Integral, com a obrigatoriedade de permanência dos alunos na Escola por dez horas, entre as 7 e as 17 horas.
Durante essas dez horas de permanência na Escola, entre aulas regulares, aulas de reforço escolar e oficinas extracurriculares, os alunos da rede pública municipal de Ensino de Brumado têm acesso à quatro refeições: café da manhã, lanche, almoço e lanche da tarde. Às sextas-feiras, os estudantes são liberados mais cedo e os professores utilizam esse o tempo para Planejamento Pedagógico.
Segundo um professor da rede pública municipal de Ensino, que concordou em falar desde que tivesse a identidade preservada, alegando que poderia ser alvo de retaliações por parte do Governo Municipal, com essa medida de empregar o tempo integral em todas as Instituições da rede pública municipal e, muitas vezes, transferir parte do conteúdo regular também para o turno vespertino, a Prefeitura de Brumado está obrigando os alunos a se manterem na Escola durante todo o dia, prejudicando aqueles que ocupam ou desejam ocupar vagas disponíveis em programas profissionalizantes, a exemplo do Jovem Aprendiz.
Ainda de acordo com o educador, apesar da proposta de Educação em Tempo Integral ser boa, na teoria, foi implementada no município à revelia do debate com profissionais e a comunidade escolar (pais e alunos) e de forma impositiva, o que tem permitido que pais e alunos se posicionem contra a medida e desconfiem das intenções da Prefeitura. “Estive pesquisando sobre isso e não há uma Lei que obrigue a implementação do tempo integral em toda a rede pública municipal, como a Prefeitura costumar divulgar”, ponderou.
Para o professor, uma solução seria manter algumas Instituições no tempo regular: “A Prefeitura poderia manter as Instituições localizadas em Bairros mais afastados, na periferia da cidade, em período regular, isso atrairia mais alunos para essas Escolas, que normalmente são preteridas pelos pais quando vão matricular seus filhos na rede pública”.
Além disso, o professor ressaltou que são vários os problemas de infraestrutura e até pedagógicos que algumas Escolas em Tempo Integral da rede municipal estão enfrentando, como falta de banheiros com chuveiros, falta de bebedouros, falta de locais para descanso no intervalo de almoço e falta de instrutores com capacitação adequada em algumas ocasiões. “Eu já estive ministrando aulas no vespertino e é impressionante a desmotivação dos alunos com tudo isso”, ressaltou.
Pais e alunos divergem na avaliação, mas denunciam problemas de infraestrutura e de ordem pedagógica nas Escolas em Tempo Integral
Por Gisele Costa
Desde o início do ano letivo de 2019, muitos pais e alunos têm se posicionado e se manifestado no que diz respeito à implantação da Educação em Tempo Integral em toda a rede pública municipal de Ensino de Brumado. As manifestações contrárias à medida tem chamado a atenção e denunciam, principalmente, problemas estruturais nas Escolas.
No último dia 28 de fevereiro, pais e alunos lotaram a sessão do Legislativo Municipal para manifestar seu descontentamento com a forma como a Educação em Tempo Integral está sendo implementada na rede pública municipal de Ensino e cobrar uma atuação dos vereadores nesse sentido. Ao fazer uso da Tribuna Livre, representantes dos pais e dos estudantes ressaltaram que não são contra a proposta de Educação em Tempo Integral, mas pontuaram problemas que acreditam estar comprometendo a qualidade do aprendizado e até a convivência familiar, e defenderam a não obrigatoriedade do tempo integral.
Outro espaço que os pais e alunos ocuparam para se manifestar e demonstrar as insatisfações com a implantação da Escola em Tempo Integral em Brumado foram as redes sociais. Em um post no Facebook, no dia 20 de fevereiro, uma aluna do Centro Municipal de Educação Agamenon Santana fez um relato dos problemas estruturais com os quais se deparou nos primeiros dias de implantação do Tempo Integral na Escola. A estudante queixa-se da falta de acesso a banhos no período menstrual; alimentação insuficiente no horário do lanche, sendo servido apenas um “copo de suco”, conforme escreveu no post; longas filas no horário de almoço, com exposição ao sol; questões que, segundo ela, estariam gerando um desgaste e desmotivação nos estudos, ressaltando que a Escola em Tempo Integral “sem a infraestrutura adequada para dar aos alunos um dia que não seja cansativo, que não seja constrangedor, está muito distante do que é idealizado pela Secretaria de Educação”.
Apesar desse descontentamento de muitos pais e alunos, existe uma parcela deles, principalmente os que vivem em situações sociais mais vulneráveis ou que trabalham e precisam se ausentar de casa durante todo o dia, que enxergam com bons olhos a medida e acreditam que a permanência na Escola por mais tempo, tendo acesso à refeições e a atividades que vão além do conteúdo regular, ainda que se revelem problemas estruturais, tem sido benéfico para os alunos.
A reportagem do JS ouviu alguns pais e alunos no que se refere às suas visões sobre a proposta de Educação em Tempo Integral implantada na rede pública municipal de Ensino de Brumado. Confira os depoimentos:
Mãe de dois filhos, de 6 anos e 12 anos, estudantes de Escolas Municipais em Tempo Integral, moradora da zona rural de Brumado, que pediu para não ser identificada:
“Olha, eu não concordo com essa proposta de Tempo Integral. Primeiro, os filhos ficam muito tempo longe dos pais, saem cinco da manhã e só chegam cinco da tarde e já vão pra cama, principalmente quem mora na zona rural. Tenho um filho de seis anos, muito pequeno ainda, sem contar que meus filhos não são muito de gostar de comer fora, eles estão passando a maior parte do tempo comendo besteira, lanches que coloco pra eles levarem. A maioria das Escolas não tem estrutura para as crianças ficarem o dia todo, sem tomar banho, presos dentro de uma Escola. Os alunos da sede ainda conseguem sair, vão em casa almoçar, tomam banho e voltam. E os da zona rural? Eles não estão tendo convivência com os pais porque chegam exaustos. Sou totalmente contra, ainda mais porque moro na zona rural, meus filhos saem muito cedo e chegam muito tarde. Em relação às atividades que eles fazem à tarde, é muito cansativo, minha filha de doze anos não quer estudar mais o dia todo, todo dia chega reclamando. O meu filho também não quer ir pra escola, não quer ficar o dia todo. Não só reclamação, minha filha vive nervosa depois que está estudando o dia todo. Eu preferiria que não existisse o tempo integral. Os filhos só vêm em casa dormir e voltam, isso não tem lógica. Ou deveria ter exceção, os pais que trabalham o dia todo deixam os filhos, mas se a mãe está em casa pra cuidar, eles não deveriam ficar. Ainda mais os alunos da zona rural, é muito puxado pra eles, é muito longe. Enquanto os da cidade já chegaram em casa, já tomaram banho, jantaram, os da zona rural estão chegando ainda em casa”.
Glaciene Ferreira Barbosa Freitas, mãe de R. B. F., de 14 anos, estudante do 9º ano na Escola Municipal Professora Maria das Graças Assis Correia, moradora do Bairro Novo Brumado:
“Eu não concordo com a implantação do Tempo Integral porque não tem estrutura adequada. Não tem sido bom para minha filha, ela reclama muito e só vai porque está sendo obrigada. Como que colocam quarenta adolescentes em uma sala pequena? Não tem banheiros suficientes. Eu acho que a Prefeitura de Brumado deveria dar, no momento, outras opções de Escolas que não sejam em Tempo Integral e não obrigar a gente a concordar com eles. Para implantar em todas as Escolas, teria que ter melhorado a estrutura antes. Na atual situação, acho que os pais deveriam ter escolha. Fora que eu não notei nenhuma melhora na aprendizado da minha filha, pelo contrário, ela sempre foi uma aluna exemplar e agora ela já chega em casa muito estressada, chora muito, porque não consegue estudar na Escola à tarde por conta do barulho, já que nesse horário ela estudava em casa”.
Mãe de um estudante do 7º ano do Centro Municipal de Educação Agamenon Santana (Cmeas), de 12 anos, moradora do Bairro das Flores, que pediu para ter sua identidade preservada:
“Se fosse para implantar a Educação em Tempo Integral, que tivesse estrutura nas Escolas, como alimentação adequada, banheiros suficientes, salas para descanso e oficinas em um período separado, pois os alunos vão para as oficinas e entram nas salas para assistirem aula suados, com a roupa colada no corpo. Sem contar que em algumas Escolas têm que pegar filas para ter acesso ao banheiro, os alunos que não podem ir almoçar em casa ficam o dia todo sem tomar banho nesse calor que vivemos em Brumado. Então, este ano estamos vivendo um verdadeiro transtorno nas Escolas, são muitas reclamações, eles ficam o dia inteiro na Escola e na semana de provas não conseguem estudar lá por conta do barulho. Resumindo, os alunos que tinham bom desempenho nas notas, não tiveram bons resultados agora na Primeira Unidade. Além disso, existe o medo e a falta de segurança para deixarmos nossos filhos o dia todo na Escola. Eu não notei nenhuma melhora no desempenho escolar do meu filho, mas, sim, piora. Ele nunca precisou de reforço e não sabe o que é uma recuperação, só que agora me preocupei. Como não tem estrutura, deveria ser opcional, seria bom para aqueles que precisam ficar o dia todo na Escola e também para aqueles que têm como ficar à tarde com os pais. Vejo em outras cidades a Escola em Tempo Integral sendo implantada aos poucos e sempre tendo opção e aqui foram todas de uma só vez e sem a estrutura correta”.
V.M.B, 13 anos, estudante do 8º ano da Escola Municipal Professora Nice Públio da Silva Leite, moradora da zona rural de Brumado:
“Eu estou gostando do Tempo Integral na Escola, tem oficinas legais e eu passo mais tempo com os meus amigos e colegas. A comida também é boa. A única coisa ruim são as filas na hora do almoço, às vezes a gente fica no sol muito tempo esperando. E no Nice foram instalados ar condicionados nas salas, mas até hoje não estão funcionando, isso também é um ponto ruim porque fica muito calor à tarde.”
Isabel dos Santos Meira, mãe de K.S.M, 13 anos, estudante do 8º ano da Escola Municipal Professora Nice Públio da Silva Leite, moradora do Bairro São Jorge:
“Eu acredito que a Escola em Tempo Integral é uma boa proposta. Alguns pais estão dizendo que estão perdendo a convivência com os filhos, mas eu acho que se ficarem em casa, eles acabam ficando mais no celular do que convivendo com a família ou vão atrás ‘do que não presta’ na rua. Então, eu acho que é muito bom, sim, eles fazem atividades diferentes e tem acesso a alimentação, quatro refeições. Os problemas podem ser resolvidos, ainda está no começo. Mas, eu acho que não deveria ser obrigatório assim de cara, foi muito rápido, deveria ser feito mais aos poucos. No caso da minha filha, ela está gostando e eu também estou, quando ela ficava em casa à tarde, ficava mais no quarto, jogando no celular ou em rede social do que estudando ou convivendo com a família”.
Ministério Público instaura Inquérito Civil para apurar supostas irregularidades na implementação da Educação em Tempo Integral na rede municipal de Ensino de Brumado
Por Gisele Costa
Outra providência adotada por pais de alunos quanto à insatisfação com a maneira que está sendo executada a Educação em Tempo Integral na rede pública municipal de Ensino foi a apresentação, entre os dias 17 de fevereiro e 20 de março, de representações subscritas ao Ministério Público, por meio da 1ª Promotoria Regional de Justiça de Brumado, com queixas específicas no que diz respeito às estruturas físicas das Escolas e à alternativas pedagógicas adotadas na condução da proposta de Educação em Tempo Integral.
Considerando os parâmetros para a implantação da Educação em Tempo Integral determinados pelos Artigos 36 e 37 da Resolução nº 7 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação; complementados pela Portaria Interministerial nº 17/2017, dos Ministérios da Educação e à época dos Esportes, da Cultura e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Decreto nº 7.083/2010 que regulamentou o “Programa Mais Educação”; e pelo atual Plano Nacional de Educação, o titular da 1ª Promotoria Regional de Brumado, Promotor de Justiça Millen Castro Medeiros de Moura, resolveu, então, no último dia 2 de abril, instaurar Inquérito Civil, para apurar se há irregularidades na implementação da Educação em Tempo Integral na rede pública municipal de Ensino de Brumado, em especial aquelas que foram objeto das reclamações apresentadas pelos pais de alunos.
Dentre as supostas irregularidades, destacam-se: profissionais terceirizados estariam realizando aulas de reforço e oficinas sem a qualificação mínima para tal, inclusive ensinando matérias para as quais não teriam formação ou substituindo professores titulares; professores estariam atuando sem ter recebido formação específica para o Ensino em Tempo Integral; banheiros seriam insuficientes para a quantidade de alunos e sem a estrutura necessária para atendimento das crianças e adolescentes, sem a disponibilidade de chuveiros para a higiene dos estudantes que passam o dia inteiro na Escola; faltariam refeitórios ou mesmo áreas cobertas para alimentação dos alunos em algumas Escolas, como no Centro Municipal de Educação Agamenon Santana (Cmeas); bebedouros seriam insuficientes para atender a demanda, como na Escola Municipal Professor Clemente Gomes, no Distrito de Itaquaraí, que teria apenas um bebedouro com duas torneiras para cerca de 500 alunos; aparelhos de ar condicionado já instalados que não estariam funcionando e algumas Escolas que não dispõem nem mesmo de ventiladores; além da situação de insegurança, pois não haveria profissionais suficientes para monitorar os alunos no horário de almoço, das 11h30 às 13 horas.
Conforme diligências determinadas pela 1ª Promotoria Regional de Justiça, a Secretaria Municipal de Educação foi informada da instauração do Inquérito Civil e do teor das denúncias, sendo solicitado um posicionamento oficial no que diz respeito às queixas enumeradas no procedimento inquisitivo. O Conselho Municipal de Educação de Brumado também foi notificado, a fim de que informe se a proposta de implementação da Educação em Tempo Integral em toda a Rede Municipal de Ensino foi objeto de sua análise e se os espaços físicos das Escolas foram devidamente inspecionados quanto à adequação às especificidades da jornada ampliada.
Outro lado
A reportagem do JS tentou, insistentemente, contato com a titular da Secretaria Municipal de Educação, Ednéia dos Santos Ataíde, para que pudesse contrapor as manifestações contrárias de pais, alunos e professores à forma como está sendo implementada a Educação em Tempo Integral na rede pública municipal de Ensino de Brumado e esclarecer as supostas irregularidades nas Escolas enumeradas no Inquérito Civil instaurado pela 1ª Promotoria Regional de Brumado, através do Promotor de Justiça Millen Castro Medeiros de Moura. Informada sobre o assunto da interpelação e críticas de pais de alunos que denunciam sua falta de disposição para o diálogo, a secretária não respondeu à solicitação de entrevista e não se posicionou por meio de sua assessoria.
“O tempo pelo tempo não assegura Educação Integral”, diz articuladora do Comitê Territorial Baiano de Educação Integral
Por Gisele Costa
O Plano Nacional de Educação se refere à implementação da proposta de Educação em Tempo Integral nos termos do conceito que propõe a formação integral humana, considerando suas diversas dimensões, como a emocional, física, psíquica, artística, cognitiva, cultural, entre outras, tendo como foco a formação de sujeitos críticos, autônomos e responsáveis consigo mesmos e com o mundo. Contudo, a mera ampliação do tempo de permanência dos alunos na Escola, não garante a real execução dessa proposta. É o que afirma a articuladora do Comitê Territorial Baiano de Educação Integral e coordenadora de Educação Integral da Rede Municipal de Ensino do município de Mata de São João, tendo atuado como consultora do Ministério da Educação/Unesco no Programa Mais Educação, professora Claudia Cristina Pinto Santos, em entrevista exclusiva ao JS.
De acordo com a professora, sem dúvida nenhuma, a ampliação do tempo de permanência dos alunos na Escola, se qualificado e enriquecido com acúmulo de conhecimento, constrói oportunidades fundamentais para os estudantes da Escola Pública, principalmente para aqueles cujo histórico familiar apresenta negação de direitos, inclusive o de aprender. Mas, ainda segundo ela, decisões políticas não permitem que sejam oferecidas estruturas físicas e pedagógicas adequadas para isso. Confira os principais trechos da entrevista:
JORNAL DO SUDOESTE – O que diferencia a Educação Integral da Educação em Tempo Integral?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – O termo Educação Integral no Brasil está associado a Educação em Tempo Integral. O Plano Nacional de Educação se refere a Educação Integral em Tempo Integral. Contudo, importa compreender Educação Integral na perspectiva da formação integral humana, educar o ser humano considerando suas diversas dimensões, a saber: emocional, física, psíquica, artística, cognitiva, cultural, etc. Ampliação da jornada escolar que mantém crianças, adolescentes e jovens em espaços educativos, sem ampliar oportunidades educativas, ofertando mais do mesmo, (apenas na lógica do reforço escolar), em nada colabora para formação integral humana. O tempo pelo tempo não assegura Educação Integral.
JS – Então, a mera ampliação do tempo de estudo não garante o resultado ambicionado pela proposta de Educação em Tempo Integral no Ensino e Aprendizagem dos estudantes, conforme previsto nos Artigos 36 e 37 da Resolução nº 07 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – O Brasil é um dos poucos países do mundo a ofertar Educação escolar de 4 horas. A ampliação do tempo, se qualificado e enriquecido com acúmulo do conhecimento, historicamente, construído; sem dúvidas contribui positivamente para formação humana. Considerando as realidades dos coletivos populares que possuem histórico de negação de direitos, em que suas famílias não tiveram acesso ao saber elaborado, a Educação Integral em Tempo Integral, ou Educação Integral em jornada ampliada, em muito pode representar garantia do direito da aprender. Construindo oportunidades fundamentais para qualidade de vida dos alunos da Escola Pública.
JS – A senhora tem conhecimento de alguma experiência de Educação em Tempo Integral aplicada em uma Escola da rede pública de Ensino ou município que ofereça a devida estrutura e um currículo integrado, oferecendo atividades relacionadas a experimentação científica, cultura, artes, esporte, lazer, tecnologias de comunicação, direitos humanos, preservação do meio ambiente, saúde, entre outros? O que a senhora pode destacar que foi importante para a realização do projeto?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – Sim. Na Bahia, o município de Mata de São João, localizado na Região Metropolitana de Salvador, 80% das Escolas da rede funcionam a partir da proposta de Educação Integral em Tempo Integral, com leque de atividades. Possuem estruturas físicas dignas e um currículo diversificado. Essa é uma questão de decisão política.
JS – Em linhas gerais, o que a senhora acredita que falta em termos de estrutura física e estrutura pedagógica para que os municípios e as Escolas consigam construir uma Escola em Tempo Integral de qualidade?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – Decisão política na perspectiva das três esferas: Federal, Estadual e Municipal.
JS – A senhora acredita que a forma como a Educação em Tempo Integral está sendo aplicada nas Escolas é determinante para que muitos alunos e pais não se mostrem receptivos à proposta? O que a senhora acha que pode ser feito para que esse interesse cresça entre os estudantes?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – Não é apenas interesse dos estudantes. Passa pela construção da proposta curricular e das condições reais da Escola e da comunidade. Nossa Escola possui um modelo pouco atrativo, ampliar o tempo dessa Escola que temos é, simplesmente, insuportável!
JS – Os modelos de currículos do Ensino Superior estão contemplando essa proposta pedagógica de Educação em Tempo Integral e ensinando como ajudar a colocá-la em prática? Os professores e profissionais da Educação em formação têm acesso a esse entendimento e estão se preparando para sua aplicação de uma forma que, de fato, contribua para o avanço da Educação Pública?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – Ainda temos muito que avançar para conseguirmos uma articulação mais densa entre a Educação Básica e o Ensino Superior, nossos cursos de licenciatura não contemplam essa temática, embora, nos últimos anos este tema seja um dos mais pesquisados na área da Educação. Há um grande hiato, mais estamos evoluindo.
JS – Qual a sua avaliação sobre a mudança do Programa Mais Educação, que nasceu como uma estratégia do Ministério da Educação para construção da agenda de Educação Integral nas redes estaduais e municipais de Ensino, e passou a ser voltado exclusivamente ao reforço de Português e Matemática?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – Essa é uma questão de concepção. O Programa Mais Educação foi concebido como estratégia indutora para Educação Integral no Brasil, retomada de uma luta histórica, baseou-se nas experiências de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, inspirou-se no movimento das Cidade Educadoras, articulando Escola e Territórios. A intenção era provocar o debate, a implantação e implementação da Educação Integral para as Escolas Públicas. A concepção em pauta no Programa Mais Educação 2007/2014 era garantir o direito de aprender, transformando a Escola que temos, muitos municípios avançaram nessa perspectiva. A lógica de desmontar o Programa e ofertar apenas o reforço escolar tem como foco apenas resultados das avaliações externas. Nenhum compromisso em construir uma Escola mais prazerosa, nenhum compromisso em articular saberes populares aos saberes científicos, nenhum compromisso em transformar a Educação Pública visando o direito de todos aprenderem.
JS – A senhora gostaria de acrescentar alguma coisa?
CLAUDIA CRISTINA PINTO SANTOS – Temos uma imensa luta pela frente.