Segundo a OMS, a cárie é a condição de saúde bucal mais comum no mundo; especialistas explicam as principais estratégias de prevenção e tratamento
Por Fernanda Bassette/Agência Einstein
As doenças bucais, embora amplamente preveníveis, ainda representam um grande problema de saúde pública: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que as condições orais afetem cerca de 3,5 bilhões de pessoas no mundo. As lesões de cáries não tratadas, por exemplo, são as mais comuns, de acordo com o Relatório Global de Status de Saúde Oral da OMS.
Publicado em 2022, o documento aponta que a prevalência das doenças orais continua crescendo globalmente, sobretudo devido à exposição insuficiente ao flúor (no abastecimento de água e nos produtos de higiene oral, como cremes dentais), além do acesso precário a serviços de saúde bucal e maior consumo de alimentos com alto teor de açúcar.
“As lesões de cárie acontecem através do biofilme que se forma pela adesão de bactérias na superfície dos dentes”, explica a cirurgiã-dentista Bruna Fronza, professora doutora da disciplina de Odontologia Preventiva e Restauradora aplicada à Dentística e Cariologia, do curso de Odontologia da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (FICSAE). “Conforme o paciente ingere bebidas e alimentos que contêm açúcares e carboidratos, as bactérias do biofilme convertem esses alimentos em ácidos que levam à dissolução das estruturas dentais, podendo formar cavidades nos dentes.”
A boa notícia é que a cárie é uma doença prevenível e tratável. A seguir, conheça os principais mitos e verdades sobre o assunto:
1. A cárie é uma doença
VERDADE. A cárie é uma doença crônica e multifatorial, dependente da ingestão de açúcar e de outros fatores – entre eles, alimentação rica em carboidratos e higienização inadequada. Considerar a cárie uma doença é importante para entender que ela pode ser controlada.
2. O açúcar é o único causador da cárie
MITO. O açúcar é o principal combustível para que as bactérias envolvidas no desenvolvimento da cárie façam com que a doença progrida. “Ele ajuda na formação do biofilme dental, que nada mais é do que a agregação das bactérias aderidas à superfície do dente, formando uma placa. Com a ação do açúcar, essas bactérias excretam ácidos que desmineralizam a estrutura do dente e levam à formação de cavidades ou lesões de cárie”, explica Fronza.
E o vilão não é apenas o açúcar usado para adoçar comidas e bebidas, mas sim qualquer alimento rico em carboidrato, que vai ser metabolizado na boca e virar açúcar. Além disso, a qualidade e a frequência da higiene bucal também podem contribuir para a formação das lesões, uma vez que a escovação atua na desorganização dessas bactérias.
3. A saliva ajuda a evitar cárie
VERDADE. A nossa saliva tem um papel importante no equilíbrio fisiológico da boca e no controle da progressão da cárie. Suas funções são: fazer a limpeza mecânica e desorganizar o biofilme (que é o acúmulo de bactérias) nos dentes; e manter o pH da boca em um nível neutro.
“Toda vez que nos alimentamos de carboidratos e açúcares, o pH da cavidade bucal diminui, fica mais ácido. A saliva é a responsável por trazer esse pH para o básico novamente. Além disso, os sais minerais presentes na saliva são responsáveis por remineralizar o dente, que pode estar passando por um processo de desmineralização e, com isso, impedir a formação de uma lesão de cárie”, explica Bruna Fronza.
4. Idosos tendem a ter mais cáries
MITO. Pessoas idosas naturalmente têm uma diminuição do fluxo salivar, mas isso não significa mais facilidade para desenvolver lesões de cárie. “Para um idoso ter cárie vai depender dos mesmos fatores de risco: ingestão do açúcar, a frequência de escovação e a qualidade dessa escovação”, observa a cirurgiã-dentista Aline Moreno Ferreira Campos, professora do curso de especialização Odontologia em Saúde Coletiva: Ênfase em Saúde da Família e Comunidade, do Ensino Einstein.
5. Toda cárie provoca dor
MITO. A lesão começa bem pequena, como uma manchinha branca, muitas vezes imperceptível, que vai evoluir e abrir uma cavidade. Enquanto essa lesão está na parte mais externa do dente (que é o esmalte), em geral, a pessoa não sente nada. “Esse é o estágio em que consideramos que a lesão é reversível, onde não seria necessário fazer uma restauração, por exemplo”, conta Bruna Fronza.
Quando a cárie progride e começa a atingir os tecidos mais profundos do dente (a dentina), chegando mais perto da polpa, a pessoa começa a ter algum tipo de sintoma. “Mas isso não é regra. Tem paciente que chega com uma lesão de cárie e nunca sentiu nada. Por isso, são importantes as consultas frequentes ao dentista para acompanhamento da condição de saúde bucal”, alerta Aline Campos.
6. O tratamento da cárie sempre envolve fazer restauração
MITO. Nem sempre um paciente com cárie terá de fazer uma restauração. A cárie pode paralisar e parar de avançar se a pessoa passar a escovar corretamente os dentes, usar o fio dental e manter uma alimentação adequada, com higienização bucal frequente. “É o que chamamos de cárie crônica. É uma doença que para de progredir, fica estável, controlada”, explica Campos.
Nesses casos, em que a cárie ainda está no começo, um dos tratamentos indicados é a fluorterapia – que pode ser por meio de um creme dental ou de um tratamento no consultório para conseguir remineralizar aquela mancha. “A pessoa pode alterar o percurso da doença se mudar seus hábitos de ingestão de alimentos açucarados e de higienização. A cárie pode ser controlada”, destaca Aline.
7. Quem usa aparelho vai ter cárie
MITO. O que acontece é que o fato de uma pessoa usar aparelho nos dentes torna mais difícil a higienização adequada da região. O próprio aparelho acaba retendo mais alimentos em locais que as bactérias conseguem ficar depositadas para proliferar e formar o biofilme.
“Não é porque usa aparelho que vai ter cárie. Mas esses pacientes precisam de cuidados redobrados porque eles têm um risco maior de desenvolver a doença por conta da dificuldade de higienização”, ressalta Bruna Fronza, ao acrescentar que existem escovas especiais que podem ser usadas além do modelo convencional e do fio dental para conseguir limpar melhor essas regiões.
8. A menopausa é fator de risco para o surgimento da cárie
MITO. O desenvolvimento da cárie não tem nenhuma relação com alterações hormonais, sejam elas da menopausa, da gestação ou qualquer outra. Os cuidados para evitar o surgimento da lesão são os mesmos, sejam em uma mulher jovem, na menopausa ou idosa.
9. Todo mundo vai ter cárie pelo menos uma vez
MITO. Apesar de ser muito frequente, nem todo mundo vai desenvolver o problema. “Hoje em dia está aumentando a proporção de pessoas que não têm, nunca tiveram e provavelmente nunca vão ter lesão de cárie. A questão da fluoretação da água, por exemplo, foi uma das estratégias de saúde pública que ajudaram nessa redução no Brasil e no mundo”, afirma Aline Campos.
Além disso, a oferta de produtos de higiene bucal nos postos de saúde e a inclusão das equipes de saúde bucal na estratégia de Saúde da Família no Sistema Único de Saúde (SUS) são medidas essenciais para ampliar o acesso ao dentista. “Também temos no mercado a disponibilidade de diversas marcas e valores de produtos de higiene bucal, o que é positivo como medida de prevenção para que muita gente não tenha cárie na vida”, reforça.
10. A cárie tem cura
VERDADE. A doença de cárie tem cura a partir do momento em que o paciente trata as lesões e consegue de forma efetiva mudar os hábitos de higiene e alimentares.
11. Após ser tratada, a cárie não volta
MITO. A cárie é uma doença crônica e controlável, e é possível evitar que apareçam novas lesões. Mas, se em algum momento o paciente parar de higienizar os dentes corretamente e tiver alguma alteração, pode ser que ela volte.
12. O flúor ajuda a prevenir a cárie
VERDADE. O flúor tem um papel protetor para os dentes. “Uma vez que ingerimos água fluoretada e utilizamos creme dental fluoretado, os íons de flúor ficam disponíveis na saliva. Dessa forma, o flúor consegue se incorporar à estrutura dental, deixando-a mais resistente à desmineralização. Ele age como um reforço para que a desmineralização não aconteça tão fácil”, explica Bruna.
13. O uso de pasta com flúor faz mal para a saúde
MITO. Vários estudos e evidências científicas comprovam os benefícios do flúor para a saúde dos dentes, desde que ele seja usado nas doses recomendadas: para uma criança com até 4 anos, a quantidade de creme na pasta deve ser do tamanho de um grão de arroz; para quem tem mais de 4 anos, do tamanho de uma ervilha. A concentração de flúor no creme dental deve ser de pelo menos 1.000 partes por milhão (ppm).
O flúor, principalmente aquele presente na pasta de dente, pode ser prejudicial somente se for ingerido em excesso — o que não é comum. “É importante um responsável sempre acompanhar a criança durante a escovação para garantir que a quantidade de pasta colocada esteja de acordo com o recomendado e evitar que a criança engula pasta de dente em excesso”, alerta Campos.
Um dos possíveis prejuízos que existe – apenas para as crianças – é o desenvolvimento da fluorose, que são manchas brancas estriadas nos dentes, que se desenvolvem no período em que eles estão erupcionando. “Adultos não desenvolvem fluorose, somente crianças, pois é justamente no período da formação dos dentes que ocorre sua formação”, explica Aline.
Segundo ela, essas manchas não causam nenhum outro tipo de prejuízo à saúde, é apenas uma questão estética. Entre as estratégias de tratamento estão clareamento dental, microabrasão ou restaurações.
14. Escovar os dentes previne cárie
VERDADE. Essa é uma das principais estratégias de prevenção para o desenvolvimento da cárie: fazer uma boa escovação, de maneira eficiente, pelo menos duas vezes por dia, com a pasta fluoretada, é o suficiente para garantir a proteção dos dentes contra a cárie.
O movimento da escovação tem que ser suave, a ponto de não causar nenhum tipo de trauma na gengiva – por isso, a escova precisa ter cerdas macias. “Não precisa colocar força no movimento, apenas fazer o suficiente para desorganizar as bactérias do biofilme. A pasta de dente é um coadjuvante nesse processo, um auxiliar devido à sua composição fluoretada. Mas o mais importante é como é feita a escovação”, destaca Campos.
15. Usar enxaguante bucal regularmente previne cárie
MITO. Se a pessoa já usa um creme dental fluoretado, não tem necessidade de usar um enxaguante bucal de rotina para prevenção da cárie. “Em alguns casos, prescrevemos o uso de enxaguantes bucais com um princípio ativo específico (como a clorexidina), para o tratamento de doenças gengivais, e não da cárie. O uso é limitado, em torno de 15 dias, e ele atua como remédio”, diz Campos.
A professora Bruna Fronza diz que não há problemas em usar enxaguantes regularmente, desde que sejam sem álcool, já que essa substância resseca a mucosa da boca. “Mas eles não previnem a cárie”, frisa. Campos concorda: “Não tem problema usar, mas não adianta achar que vai substituir a escovação pelo enxaguante bucal, porque não vai funcionar. “
16. A cárie é um problema de saúde pública
VERDADE. A cárie é considerada um problema de saúde pública por ser uma doença multifatorial e social – estudos apontam que, além dos fatores de risco convencionais (como açúcar e higienização), ela tem relação também com as condições socioeconômicas da família, grau de escolaridade da mãe, cultura, comportamentos, conhecimento, entre outros. Dessa forma, o acesso ao serviço de saúde é fundamental para a prevenção e o controle da doença.
“A cárie é uma doença muito complexa e é difícil de erradicar, mas temos que ampliar as estratégias para minimizar os riscos e conseguir garantir que todos esses fatores interfiram o mínimo possível no desenvolvimento dessa doença”, comenta Campos.
17. Antibiótico causa cárieMITO. É muito comum a crença de que crianças que tomam antibiótico têm dentes mais fracos e com mais lesões de cárie. “Isso não é verdade. Se uma criança tomou muito antibiótico, é porque ficou muito doente. O que pode acontecer é que, nesse período da doença, os cuidados com os dentes podem ter sido deixados de lado. Além disso, o antibiótico é açucarado e sua ingestão por um período prolongado acaba aumentando o risco. Mas isso não tem a ver com o produto antibiótico, e sim uma possível falta de cuidados na higienização”, observa Campos.
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