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Pesquisa arqueológica busca desvendar características dos índigenas que habitaram a região de Boquira

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Professora e estudantes do curso de Arqueologia da Uneb realizam trabalho de resgate da cultura e modo de vida de povos pré-históricos que habitavam o território boquirense

 

Por Cássio Bastos

A maior pintura rupestre identificada em Boquira até o momento trata-se de um antropomorfo de cerca de 2 metros de altura, que recebe esse nome por representar uma figura humana. Foto: Cássio Bastos.

O território do município de Boquira e seu entorno contam com um extenso registro de sítios arqueológicos e uma rica rede de vestígios rupestres, a partir dos quais é possível descobrir e compreender a natureza ancestral do lugar.

Durante o período de duas semanas deste mês de novembro, seis alunos do curso de Bacharelado em Arqueologia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Campus VII, sediado em Paulo Afonso, sob a coordenação e orientação da professora e arqueóloga Fátima Cristina da Silva Oliveira, estiveram no Complexo Arqueológico Serra do Caldeirão, em Boquira, para iniciar um projeto de pesquisa na região, mais especificamente no Sítio Arqueológico Loca do Caldeirão.

De acordo com a professora Fátima Oliveira, que neste semestre está lecionando as disciplinas de Teoria Arqueológica I e II, Teoria Antropológica e Comportamento Simbólico na Pré-História, o objetivo do projeto é resgatar a cultura material do lugar, por meio da escavação arqueológica. “A escavação arqueológica consiste em coletarmos alguns artefatos que as comunidades que viveram aqui nesse local, no passado, deixaram. É o que a gente chama de cultura material. A gente veio em busca dessa cultura para tentar recontar a forma como essas pessoas viveram. Recontar todo o processo de assentamento, o processo de formação do sítio arqueológico”, explicou a arqueóloga.

Ainda segundo a professora carioca, que morou entre os anos de 2014 e 2018 no município de Boquira, durante cerca de duas semanas de trabalho de pesquisa foram encontrados quatro tipologias de artefatos resultantes de atividades de grupos indígenas que viveram no local que hoje integra o território boquirense: carvão, ossos de animais, cerâmica e lítio. “Nós encontramos cerca de quatro remanescentes de fogueiras e todas as fogueiras com restos de ossos de animais, que seriam restos de alimentação dos indígenas que viveram aqui. Encontramos muito carvão para gente fazer hidratação de Carbono 14, para saber em que período essas pessoas fizeram essas atividades. Alguns fragmentos de cerâmica, que o pessoal chama de panela de barro. A gente encontrou também muito material lítico. Material lítico seriam ferramentas de pedra, que eles utilizavam para lascar, restos de lascamentos, refugo, e as próprias lascas ainda, porque eles faziam pontas de lascas, raspadores, artefatos para cortar”, relatou.

Painéis e registros isolados de pinturas rupestres revelam a riqueza do potencial arqueológico da região de Boquira. Foto: Cássio Bastos.

Contudo, conforme explicou a professora Fátima Oliveira, ainda não é possível afirmar, com certeza, por quais povos os artefatos encontrados foram utilizados, já que os materiais coletados ainda são insuficientes e muito fragmentados e não há pesquisas arqueológicas de cunho acadêmico no Vale do Paramirim, região onde o município de Boquira está inserido, que possam servir de referência.

De acordo com a arqueóloga, a pesquisa arqueológica de cunho acadêmico mais próxima que se tem registro foi realizada na região de Piragiba, no município de Muquém do São Francisco, que fica a 160 Km de Boquira. “O professor Luydy Fernandes, que atualmente leciona na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), que coordenou essa pesquisa e analisou esse material. Lá foram encontradas mais de cem urnas de cerâmica, urnas Aratu. A cerâmica Aratu está associada aos povos falantes de língua Jê. Essa referência de Piragiba pode ser a que, talvez, a gente possa utilizar. Mas, a gente só vai poder falar com mais propriedade quando as pesquisas aqui avançarem”, disse Fátima.

Como uma pesquisa de cunho acadêmico pioneira na região, mais do que conhecer as pessoas que viveram naquele lugar no passado e os antepassados dos boquirenses, colaborando com a Arqueologia Pré-Histórica como um todo, tanto da Bahia quanto do Nordeste, a importância do trabalho que estão realizando, para a professora Fátima Oliveira, também reside na sensibilização dos moradores do entorno do sítio arqueológico quanto à relevância do patrimônio cultural e arqueológico, do conhecimento sobre as suas raízes e da valorização desses saberes.

“Essa pesquisa é importante para a comunidade no sentido de fortalecer, instrumentalizar as pessoas para que elas compreendam o passado delas, tenham orgulho, valorizem as suas raízes, os seus antepassados. Eu acredito que aqui nessa região do sertão esse aspecto ainda é muito fragilizado, as pessoas sempre se espelham em culturas de outros locais por conta dessa questão do êxodo, e aí acaba sofrendo muita influência dessas culturas, como se aqui não tivesse valor, como se a cultura daqui não precisasse ser valorizada.”, declarou a professora do curso de Arqueologia da Uneb, campus Paulo Afonso.

Professora do curso de Bacharelado em Arqueologia da Uneb, Campus VII, em Paulo Afonso, e responsável pela pesquisa no Complexo Arqueológico Serra do Caldeirão, em Boquira, arqueóloga Fátima Cristina da Silva Oliveira. Foto: Cássio Bastos.

Apesar da grande importância de um trabalho como esse, o grupo tem se deparado com dificuldades em termos de financiamento para a pesquisa. Situação que, segundo a professora Fátima, é um reflexo do momento pelo qual passa o pesquisador no Brasil. Contudo, o suporte da Universidade e o entusiasmo e esforço dela e dos alunos fizeram a diferença para que fosse possível realizar essa primeira etapa de trabalho.

“O cenário político e social que a gente está vivendo atualmente, infelizmente está muito difícil para quem é pesquisador. Mas, a Uneb, campus Paulo Afonso, abraçou realmente a causa e dentro das limitações financeiras da Instituição, a gente conseguiu alguns financiamentos, questões básicas como a passagem dos alunos e o material gráfico, impresso. E o restante, as ferramentas, a gente acabou fazendo do próprio bolso, e a questão da alimentação também. Os alunos estão muito encantados com o trabalho. Então, a gente se ajuda muito, faz vaquinha”, revelou a professora responsável pelo projeto, que aproveitou para fazer um agradecimento especial ao coordenador e secretária do Colegiado do curso de Bacharelado em Arqueologia da Uneb, e à diretora do campus Paulo Afonso, respectivamente professor Bruno Barbosa Heim e Cláudia Mota, e professora Suzana Menezes Luz, sem os quais, de acordo com ela, a realização do trabalho não seria possível.

Todos os artefatos coletados até então estarão sob a guarda do Centro de Arqueologia e Antropologia de Paulo Afonso (Caapa), que é um dos laboratórios de Arqueologia pertencentes a Uneb. Agora, a pretensão da professora Fátima Oliveira e dos alunos é realizarem uma nova visita ao Complexo Arqueológico Serra do Caldeirão em janeiro de 2020 para que possam avançar com a pesquisa. O objetivo é saber quais eram as características dos povos que viveram naquela região no passado, de quê que essas pessoas se alimentavam, que tipo de matéria-prima utilizavam para confeccionar as ferramentas, o tipo de cerâmica que era produzida, as características dos sítios arqueológicos e o processo de formação desses sítios. “A gente não tem dados a respeito da dinâmica da ocupação desse território na pré-história e vamos nos debruçar justamente sobre isso”, afirmou a professora Fátima Oliveira.

Um dos estudantes envolvido na pesquisa, Jefferson Oliveira dos Santos, aluno do terceiro semestre do curso de Bacharelado em Arqueologia da Uneb, Campus VIII, em Paulo Afonso, conta que a professora Fátima Oliveira sempre incentivou que seus alunos buscassem atividades de pesquisa e extensão, onde pudessem aplicar, de forma prática, os ensinamentos teóricos aprendidos em sala de aula. Foi por conta disso que se prontificou em participar do projeto de escavação no Complexo Arqueológico Serra do Caldeirão, em Boquira.

A professora Fátima Oliveira e seus alunos durante o processo de escavação no sítio arqueológico Loca do Caldeirão, no Complexo Arqueológico Serra do Caldeirão, em Boquira. Foto: Cássio Bastos.

Sobre as duas semanas de trabalho de escavação, Jefferson refletiu: “Foi uma experiência incrível, mesclamos todos os processos que a escavação exige. Alto ganho de conhecimento e de análise de contexto. E tem a questão da respeitabilidade com os povos ancestrais e a importância disso para a sociedade hoje em dia”.

Para o estudante, o fruto desse trabalho de pesquisa arqueológica na região de Boquira será trazer à tona a história e ancestralidade de um povo que realmente já pertencia a essa região, sem que o foco do que se conhece sobre a história dos antepassados dos boquirenses fique somente nos povos que migraram para aquela localidade em busca da exploração de minério.

Já do ponto de vista de Emile Rayane de Souza Correia, que também está no terceiro semestre do curso de Bacharelado em Arqueologia da Uneb, campus Paulo Afonso, a experiência dessa primeira etapa de trabalho em Boquira agregou não só no aspecto do conhecimento arqueológico como também antropológico. “Acho que com a valorização desse trabalho, a conservação do patrimônio pode ser aumentada, trazendo benefícios de pertencimento para a região”, completa a estudante.

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