O deputado Marco Feliciano está nadando de braçada na condução da Comissão de Direitos Humanos. Ainda que responda a dois processos no Supremo Tribunal Federal, acusado de estelionato e homofobia, o pastor sente-se confortável na condução de seu rebanho de fieis e calou a boca da tropa de choque das minorias sociais ao condicionar sua renúncia ao defenestrar dos mensaleiros, deputados petistas que integram a Comissão de Constituição e Justiça. Com isso, revelou a tibieza e deu um tapa na cara do presidente da Câmara, deputado potiguar Henrique Eduardo Alves, e amordaçou até a durona presidente Dilma Rousseff.
Feliciano tornou-se um ícone do retrocesso e está lucrando alto com isso dentro e fora do parlamento. O pastor-deputado provou ao Brasil que poderia fazer aviltantes declarações racistas, homofóbicas e sexistas, esculachar os baianos e humilhar religiões e seitas diferentes da sua, excluir manifestantes contrários e permitir nas sessões apenas seus seguidores, além de esfregar no chão a cara de todos seus antecessores afirmando que estes eram guiados por Satanás, e, ainda assim, permanecer na presidência da CDHM. E mais: botou pra correr cinco deputados que lhe eram contrários: Jean Wyllys, Erika Kokay, Chico Alencar, Domingos Dutra e Luiza Erundina. Marco Feliciano é um “campeão, vencedor, Deus dá asas, faz teu voo”!
Confortável no trono, sua gestão começa a produzir pílulas de anomalias e excrescências legislativas bastante adequadas ao país das bananeiras e jabuticabas. O trâmite começou em março, quando Feliciano designou outro pastor, o deputado sergipano Anderson Ferreira, para ser relator do Projeto de Decreto Legislativo que derruba a determinação do Conselho Federal de Psicologia contra tratamentos pela cura da homossexualidade, em vigor desde 1999. O autor do projeto a favor da “Cura Gay” é o deputado federal, delegado de polícia e também pastor João Campos, do PSDB de Goiás, ligado ao governador Marconi Perillo e do partido político que pretende lançar o senador mineiro Aécio Neves candidato à Presidência da República. Fique claro: é justo e democrático dar os nomes de todos os bois dessa nauseabunda história.
Por óbvio, o parecer do pastor-deputado sergipano foi amplamente favorável ao projeto de decreto do pastor-deputado goiano, desembocando nas mãos do pastor-deputado-presidente. Imediatamente, Marco Feliciano o inseriu na pauta de votação da próxima reunião deliberativa do “neotemplo” da CDHM, prevista para a próxima quarta-feira, dia 08 de maio. Nessa toada escalafobética e anacrônica, muito em breve os homossexuais brasileiros voltarão ao rol dos doentes crônicos, excomungados por uma sociedade hipócrita e eticamente frouxa e sujeitos a intervenções medicamentosas da “Cura Gay”.
Em nome de dogmas assombrosos, os exploradores da fé alheia ignoram princípios democráticos, estudos e debates científicos e o laicismo do Estado. Querem, sob ótica autoritária e ignorante, impor suas filosofias tergiversas na contramão do mundo contemporâneo e do próprio desenvolvimento do Brasil como uma nação minimamente civilizada. Como a cor da pele ou a sexualidade alheia podem incomodar tanto? Como a cultura de respeito à diversidade pode ameaçar de forma tão expressiva quem também se beneficia dela (garantindo, de alguma forma, até a exigência das senhas dos cartões de crédito dos fieis)? Ou, justamente, serão estes os signos da ausência de convicções?
A pílula feliciana da “Cura Gay” é um sinal vermelho que se acende. Hoje, o alvo da poderosa bancada evangélica no Poder Legislativo brasileiro são os gays. Amanhã eles vão querer a cabeça dos católicos, dos macumbeiros, dos ateus, dos negros, das mulheres de cabelo curto, das moças que ousarem mostrar dois dedos acima dos joelhos e de todos aqueles que contrariarem as determinações de sua filosofia religiosa. Nunca antes na história deste país, o laicismo do Estado esteve tão ameaçado. Preparemo-nos para o pior.