Projeto de Lei segue para a próxima etapa após aprovação em comissão, gerando debates acerca do marco temporal e seus impactos
Por Comunicação/ APIB
Em uma votação que dividiu opiniões, o Projeto de Lei 2903, que estabelece o marco temporal como lei, foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado com 13 votos a favor e 3 contra. A decisão ocorreu na tarde desta quarta-feira (23/08) em Brasília (DF), e o PL agora avança para análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Antecedendo a votação, uma audiência pública foi realizada, contando com a presença de Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), e outras lideranças indígenas. Durante a audiência, Karipuna destacou que o debate não havia sido aprofundado e criticou a celeridade do processo no Senado. “Essa audiência não se compara nem um pouco com o processo de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, conforme prevê a Convenção 169 da OIT. É necessário ampliar a discussão, pois somos os mais afetados! Votar às pressas um relatório que é um mero copia e cola da Câmara dos Deputados não é debater o processo. Que tipo de debate está sendo conduzido, excelências?”, questionou Karipuna.
A Apib e suas organizações regionais têm acompanhado de perto o andamento do PL 2903 no Senado e enfatizam a necessidade de uma maior articulação do Governo Federal no Congresso Nacional para garantir uma tramitação participativa. A organização também ressalta a importância de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, cumprir sua promessa de não permitir a votação do Projeto de Lei antes do julgamento da tese no Supremo Tribunal Federal (STF), conforme acordado em reunião com lideranças indígenas em 31 de maio.
Além da questão do marco temporal, o PL 2903 (anteriormente conhecido como PL 490) engloba outros oito pontos que representam retrocessos nos direitos dos povos indígenas. De acordo com uma nota técnica do departamento jurídico da Apib, o projeto propõe a transferência da competência de demarcação de terras indígenas do poder executivo para o legislativo, viabiliza a construção de rodovias e hidrelétricas em territórios indígenas sem a consulta prévia das comunidades afetadas, e diminui a diferença entre a posse tradicional indígena e a posse privada. Isso permite que fazendeiros firmem contratos de produção com indígenas, violando o direito exclusivo dos povos originários sobre seus territórios demarcados.
O PL também autoriza qualquer pessoa a questionar o processo de demarcação, inclusive em terras já demarcadas, e favorece a grilagem de terras ao reconhecer títulos de propriedade em áreas tradicionalmente ocupadas. Além disso, traz de volta o regime de tutela e assimilação, abordagens superadas pela Constituição de 1988, que negam a identidade indígena e flexibilizam a política de não contato com povos em isolamento voluntário. O projeto também reconfigura conceitos constitucionais como a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo.
Na Comissão de Agricultura, a relatora do PL, a senadora Soraya Thronicke, apresentou parecer favorável à aprovação, mantendo o texto aprovado pelos deputados. Essa decisão ignora os alertas da Apib e parlamentares da Bancada do Cocar, bem como as recomendações do Conselho de Direitos Humanos (CDH) e organizações internacionais de direitos humanos.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), o marco temporal é uma tese que argumenta que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras se estivessem em posse delas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A questão é tratada no mérito em uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão do STF nesse caso estabelecerá uma diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.
O julgamento no STF foi retomado em junho, após um período de paralisação de quase dois anos. No entanto, foi novamente suspenso com o pedido de vista de André Mendonça. O ministro Alexandre de Moraes votou contra o marco temporal, apresentando uma “proposta alternativa” ao caso.