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Pobreza afeta 60,8% das crianças na Bahia

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Por Franco Adailton

“Meu sonho é ter uma boneca para brincar”, devaneia a pequena de 7 anos, sorriso inocente no rosto, brilho nos olhos, pés descalços, cabeça nas nuvens, como quem não se deu conta do estado de miséria no qual se encontra uma família de seis pessoas com rendimento mensal de apenas R$ 390.

Na Bahia, 60,8% (mais de 2 milhões) dos cerca de 3,4 milhões crianças de 0 a 14 anos vivem sob a condição de pobreza – classificada pela renda per capita de até meio salário mínimo –, segundo o estudo Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2018, divulgado pela Fundação Abrinq.

Para chegar a esse percentual, a fundação utilizou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015, o qual identificou que, naquele ano, mais da metade das crianças baianas se encaixavam nesse perfil.

No ano de referência do levantamento, o salário mínimo de R$ 788 serviu como parâmetro para obter o coeficiente da renda per capita (individual) – que é definida pela soma de todos os rendimentos dos residentes de um domicílio dividida pelo número de membros da família.

Dentro desse universo, segundo o estudo da fundação, 24,7% das crianças de 0 a 14 anos, na Bahia, encontram-se em situação de extrema pobreza. São 515.219 pessoas que sobrevivem com um rendimento mensal de até um quarto de salário mínimo.

Indicadores

Os dados da fundação foram associados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), compromisso global também firmado pelo Brasil, sob expectativa de redução dos indicadores até 2030.

Segundo a administradora executiva da Fundação Abrinq, Heloisa Oliveira, chama a atenção o fato de a Bahia figurar na quarta posição da lista com os cinco piores estados – todos na região Nordeste – com as maiores proporções de população de até 14 anos nas faixas de pobreza e extrema pobreza.

“A pobreza é medida pela classe de renda, mas também tem outras facetas de exclusão social aos direitos básicos da criança, como falta de acesso a alimentação, saúde, educação, creches”, pontua. “Nesses quesitos, a vulnerabilidade afeta muito mais as regiões Norte e Nordeste”, completa.

O estudo da fundação compila mais de 20 indicadores sociais relacionados a crianças e adolescentes, trabalho infantil, mortalidade, gravidez na adolescência, nutrição, acesso a equipamentos de lazer e cultura, cobertura de creches e violência.

“Os poderes públicos precisam investir mais em políticas sociais, principalmente, nessas duas regiões”, opina a executiva. “Esses índices negativos destoam da média nacional. Estão diretamente ligados a situações de pobreza e desigualdade social”, conclui.

Extrema pobreza

Quando a renda da casa de Márcia Pinto, 36 anos, desempregada há oito meses, mãe da garota de 7 anos, é dividida para ela mais os cinco filhos, de 4 a 16 anos, chega-se ao resultado de R$ 65 para cada um passar o mês. O valor é três vezes menor do que um quarto do salário mínimo que classifica a extrema pobreza.

Com cinco filhos, Márcia (C) passou a depender do Bolsa Família, depois que a ex-patroa cortou gastos em casa
Com cinco filhos, Márcia (C) passou a depender do Bolsa Família, depois que a ex-patroa cortou gastos em casa.

Viúva, Márcia vive com os rebentos na rua Juracy Trindade, bairro de Jardim Cajazeiras, na divisa de um bosque com a encosta. Coberta por telhas de amianto, a casa simples tem dois quartos, cozinha e um banheiro com uma fossa, sem qualquer ligação com a rede de saneamento básico.

Márcia recebeu a equipe de A TARDE na última quinta-feira, enquanto cozinhava feijão temperado apenas com sal, em um fogareiro improvisado com álcool no chão batido. “Se não fosse pelo Bolsa Família, seria pior. Passei a cozinhar com álcool, por que não dá para comprar gás”, lamentou.

O valor da bolsa não chega até o final do mês, o que obriga a família a comprar cestas básicas “fiadas” (a pagar) por R$ 260 e até passar fome. “Eu trabalhava de diarista. Deixava os pequenos com a mais velha, mas a situação apertou na casa de minha patroa. É difícil. Tem dia que os meninos só comem a merenda da escola”, relata, com o olhar perdido no vazio do horizonte.

Viver no limite

A pouco mais de quatro quilômetros dali, a recém-criada comunidade Viver Melhor, na avenida Regional, destoa da realidade das famílias que habitam o local, em casas erguidas com madeira compensado, lonas, chapas metálicas, telhas de amianto, sem energia elétrica e rede de esgoto.

Assim é o barraco da cozinheira desempregada Michele Íris, 27 anos, que deixou o aluguel de R$ 350 no Bairro da Paz para se instalar no local, com o marido e as filhas de 5 e 9 anos. Motorista de aplicativo, o marido paga R$ 500 por semana do aluguel do carro e fica com os R$ 800 que sobram.

“O que sobra é para a gente viver no limite. A gente faz qualquer coisa para sair do aluguel”, resigna-se a mulher. “Estou desempregada há dois meses, mas parece que são dois anos. Preciso trabalhar para dar uma vida melhor para minhas filhas”, almeja.

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 745