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PRETA x BOLSONARO

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Há alguns anos o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) vem protagonizando uma série de polêmicas de primeira ordem no Brasil. Politicamente incorretíssimo, o parlamentar não titubeia ao dar declarações consideradas preconceituosas, racistas, homofóbicas e afins. Não raras vezes, é alvo de violentas reações de setores engajados – mas também nem tão politicamente corretos assim – da sociedade. A última encrenca do deputado deu-se com a cantora Preta Gil na Rede Bandeirantes, noite de segunda-feira, dia 28 de março.

Cientes do perfil polêmico e verborrágico do deputado, o programa “CQC” apresentou uma série de perguntas sobre a ditadura e o preconceito contra negros e gays. Sempre disposta a entrar numa briga, a filha do ex-ministro Gilberto Gil questionou como o deputado agiria se um de seus filhos se apaixonasse por uma negra. Quem pergunta o que quer, corre o risco de ouvir o que não quer. Não deu outra. “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”, respondeu Bolsonaro. Deu-se a desgraça e a cantora vai processar o deputado.

Como estamos na era dos pensamentos filosóficos e sociais em no máximo 140 caracteres, milhares de internautas começaram a travar uma batalha intensa através do Twitter, digladiando-se em ataques e defesas dos protagonistas do episódio. Políticos e celebridades também decidiram cair nesse samba e o assunto tornou-se a questão do momento. De emblemáticas figuras grandiloquentes a pseudo-bons-mocinhos televisivos, todos querem enfiar a mão nessa cumbuca, seja para contribuir, seja para aparecer, ou até mesmo para reforçar suas duvidosas imagens politicamente corretas.

As declarações do deputado são detestáveis? Sim, são. Mas a pergunta da cantora também não nega um provocativo preconceito. Racismo é crime? Sim, é. Homofobia é crime? Sim e é repugnante. Mas as cotas raciais que o deputado tanto ataca são realmente de finalidade duvidosa e amplamente questionáveis. Se Jair Bolsonaro não suporta os gays, isso é um problema – social ou psicossocial – dele. Foi exatamente para defender essas posições que ele foi eleito parlamentar por uma parcela da sociedade que conhece e concorda com elas. Isso é democracia minha gente! Não valem ataques à honra e à vida pessoal, assim como considero sem valor a declaração do apresentador Luciano Hulk, que tuitou à amiga: “Feliz um país que tem alguém como você como cidadã. Lamento por aqueles que votaram neste infeliz que está onde não deveria estar”. Justo ele, uma das vozes mais influentes da emissora que até bem pouco tempo recusava-se a ter um negro protagonista de novela e que até hoje veta o famigerado beijo entre casais homossexuais de suas tramas. Ou seja, o politicamente correto é absolutamente relativo?!

A leitura do livro “A Cabeça do Brasileiro” (Editora Record, 280 páginas, 2007), do renomado professor e cientista político Alberto Carlos Almeida, é mais que recomendada. Nesse caso, é indispensável. A partir da monumental Pesquisa Social Brasileira (PESB), realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), o autor desenvolve uma análise sociológica e antropológica das mais ricas sobre a complexa sociedade do nosso país. É uma obra tão assustadora quanto fascinante. Se alguém quer, de fato, enveredar pelos meandros do debate entre a cantora Preta Gil e o deputado federal Jair Bolsonaro, aconselho colocar de lado os tratados de outrora de Gilberto Freyre e Roberto DaMatta e ler a obra provocativa de Alberto Carlos Almeida. É um dos melhores trabalhos de pesquisa e análise já realizados no Brasil em décadas.

No livro supramencionado, o leitor encontrará perguntas como: “Um preso condenado por estupro deve ser estuprado na cadeia pelos outros presos?”; “As pessoas de cor preta são mais honestas do que as de cor branca?”; “A masturbação e o sexo oral são práticas sexuais aceitas ou rejeitadas?”; “Empregados de um edifício devem utilizar o elevador social ou o elevador de serviço?”; “Qual a sua opinião sobre o homossexualismo masculino? E sobre o homossexualismo feminino?” Essas e outras questões são respondidas não pelo autor, mas pelos próprios brasileiros, de todas as idades, raças, religiões, escolaridades e classes sociais, nos 26 Estados e no Distrito Federal, que participaram da extensa PESB e através de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado mostra um Brasil de anacrônico e avassalador conservadorismo. E é impossível alimentar controvérsias com evidências empíricas tão legitimadoras.

No fim das contas, o deputado Jair Bolsonaro e seus filhos continuarão suas trajetórias políticas bem-sucedidas, atraindo eleitores da ala ultraconservadora brasileira; a cantora Preta Gil seguirá seu percurso artístico cada dia mais sólido e distante da sombra paterna que lhe é divina e infernal; e a Justiça acolherá mais uma ação para a já volumosa montanha de processos empoeirados que nossos preclaros, preguiçosos e bem pagos togados insistem manter esquecidos e insolutos. Feliz? Que nada, Hulk. Triste um país onde vergonha e medo ainda vencem o desejo de vestir uma camisa onde se lê “100% NEGRO” ou “SOU GAY”. Triste um país onde quem se afirmar “100% BRANCO” ou “TOTALMENTE HÉTERO” seja tachado de preconceituoso. Triste um país que não consegue compreender, exercer e vivenciar sua própria democracia. Triste Brasil.

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