Dia Mundial de Combate a essas doenças musculoesqueléticas, ocorrido em 28 de fevereiro, chama atenção para cenário de intensificação do trabalho e organização rígida sem margem de ação, com consequências para a saúde mental
Por: FUNDACENTRO/ Governo Federal
Dia Mundial de Combate às LER/Dort (Lesões por Esforços Repetitivos / Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) ocorreu neste 28 de fevereiro. A data nos faz refletir sobre esses velhos adoecimentos que continuam presentes no mundo do trabalho e foram até, em muitos casos, intensificados durante a pandemia, tanto por espaços de trabalho inadequados no home office, como por questões ligadas à organização do trabalho.
Também não é possível pensar os tempos atuais sem olhar para a questão da saúde mental. As pessoas acometidas pelas LER/Dort podem sofrer de transtornos psíquicos, como a depressão, por exemplo, em consequência dos problemas que passa a enfrentar. Por outro lado, a própria pandemia em si impactou a questão da saúde mental, que está inserida em um contexto mais amplo, e, no mundo do trabalho, não foi diferente.
“Os problemas musculoesqueléticos, notadamente as LER/Dort, e os transtornos psíquicos relacionados ao trabalho são caracterizados por serem extremamente disseminados, ocorrerem em massa, em centenas de ramos econômicos e por serem resultado de uma conjunção de determinantes relacionados ao modelo econômico do país, às formas de organização de setores econômicos, à organização e à gestão do trabalho”, afirma a médica e pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno.
Organização do Trabalho
“Essas expressões de adoecimento são decorrentes de modelos de organização e gestão do trabalho que exploram os trabalhadores além de seus limites, tanto do ponto de vista físico como mental”, completa Maeno.
A ergonomista e pesquisadora da Fundacentro, Thais Helena Barreira, aponta que embora pareça “ter havido uma melhoria do mobiliário, de equipamentos técnicos e de condições ambientais de trabalho”, “as condições organizacionais do trabalho seguem fundamentadas em demandas elevadas de trabalho, com pausas reduzidas e pouca margem de ação para os trabalhadores operarem estratégias de regulação do esforço físico e mental”.
“Preocupa-nos o fato de que os modelos de gestão com ênfase em metas quantitativas que provocam comportamentos de autoaceleração no ritmo de trabalho, seguem desconsiderando o trabalho imaterial e a necessidade de um redesenho organizacional baseado na participação ativa dos trabalhadores para a implementação do trabalho produtivo e seguro”, reflete Thais Barreira.
Problemas musculoesqueléticos
É neste cenário que emergem as LER/Dort. “Na pressa e na pressão, verifica-se o maior número de situações de trabalho em que o trabalhador acaba incorrendo na adoção de posturas extremas e movimentos que sobrecarreguem o sistema musculoesquelético individual, trazendo dor, incapacitação provisória, mas impactando todo o sistema sociotécnico de produção”, alerta a ergonomista.
“As LER/Dort constituem uma forma de adoecimento ocupacional que está relacionada à associação de múltiplas causalidades, principalmente a determinações sociais relacionadas às condições organizacionais do trabalho, que seguem nos preocupando”, explica.
Entre esses fatores causais, destacam-se quais e como as exigências de trabalho (demandas ao trabalhador) foram prescritas e qual o grau de autonomia ou a margem de ação que se disponibiliza ao trabalhador. Cabe analisar se o/a trabalhador(a) consegue regular seu esforço físico, mental e emocional? Se pode influenciar na escolha e ajustes de condições de trabalho e de recursos materiais e organizacionais? Se consegue, dessa forma, favorecer a realização da atividade de trabalho com menor custo humano e maior eficiência para o sistema produtivo, quer seja de bens, como de serviços?
“Esses fatores causais ocorrem por escolhas empresariais quanto ao processo de trabalho e conteúdo das tarefas designadas aos trabalhadores, bem como devido ao modelo de organização e de gestão do trabalho”, avalia Thais Barreira.
As LER/Dort costumam figurar entre os três primeiros agravos à saúde de maior incidência entre diversas categorias. A pesquisadora aponta que “o adoecimento musculoesquelético é maior principalmente no setor de serviços, como educação, saúde e em instituições financeiras em que as exigências motoras vêm associadas às exigências de trabalho intelectual e emocional na relação com clientes, pacientes, estudantes, consumidores”.
“Este trabalho imaterial, não objetivado por operações motoras ou subprodutos materializados, costuma ficar invisibilizado numa forma de gestão que, negativamente, exige metas de produção que geram sobrecarga de trabalho e reduzem as oportunidades de realização de pausas para recuperação psicofisiológica” , alerta Barreira.
Intensificação do trabalho
A ocorrência de LER/Dort tem relação direta com os processos de reestruturação produtiva que resultaram em intensificação do trabalho, conforme a análise realizada pela pesquisadora Thais Barreira:
“Desde 1979, o modelo Demanda (D)/ Controle (C )/ Suporte Social (S) de Robert Karasek vem se evidenciando como preditor de vivências de maior ou menor estresse ocupacional e consequentes formas de adoecimento ocupacional como doenças cardiovasculares, distúrbios musculoesqueléticos e de transtornos mentais relacionados ao trabalho.
A partir de modelos de gestão do trabalho que provocam a intensificação do trabalho, o desequilíbrio desses fatores de trabalho (D/C/S) foi amplificado pelas exigências de trabalho densificadas no tempo de trabalho e pela implantação da competitividade entre equipes e pares de trabalhadores. Assim, no Brasil, desde as décadas de 80 e 90 do século passado, os números de casos de LER/Dort seguem exigindo atenção pública e das organizações privadas para o redesenho organizacional dos seus processos e modos de produção.
As formas de reestruturação produtiva dos processos e da organização do trabalho, caracterizadas pela redução de tempos mortos de produção, pela aceleração do trabalho devido à introdução de novas tecnologias nos processos de trabalho, pela redução do número efetivo de trabalhadores e pelos estímulos e incentivos organizacionais como bônus financeiros para realizar mais tarefas em tempos mais curtos provocou um aumento dos casos de LER/Dort em todo o mundo.
Nestes modelos de gestão, evidenciam-se a intensificação do trabalho pela exigência para aumentar o número de tarefas/unidade de tempo, aceleração do ritmo de trabalho, e substituição das formas de suporte social entre colegas de trabalho por estímulo a competitividade e concorrência entre pares dentro do coletivo de trabalhadores, ou seja, uma associação de determinantes organizacionais que desencadeiam o adoecimento do sistema musculoesquelético, entre outros processos de desgaste funcional humano.”
É neste cenário que surge a NR 17, a norma regulamentadora de Ergonomia, em 1990, para regular essas exigências organizacionais. Na época, já se identificava o mecanismo de ranqueamento de metas quantitativas de produção entre os trabalhadores, que provocava a competitividade e a aceleração de movimentos repetitivos dos segmentos corporais, e o aumento da sobrecarga muscular estática em ombros e região cervical, principalmente.
Pandemia
Não há dúvida de que a pandemia impactou a saúde dos trabalhadores, mas já havia, na avaliação da pesquisadora, um cenário de medo de perder o emprego, por fragilidades dos vínculos de trabalho, e assim, uma situação de presenteísmo, quando mesmo adoecido, a pessoa precisa trabalhar. O trabalhar adoecido, com dor e mal-estar, mantém subnotificado ainda mais o número de casos de LER/Dort e agrava os casos de adoecimento psíquico.
Com a pandemia de Covid-19, houve um aceleramento da implementação do teletrabalho em domicílio (home office) e aumento no número de trabalhadores em plataformas de trabalho (conhecido como ‘crowdwork’ e popularmente denominado como trabalho uberizado).
“Nestes dois casos, o custo dos recursos tecnológicos e materiais para a execução do labor ficou, na grande maioria das vezes, a cargo dos próprios trabalhadores. Certamente, o improviso do espaço laboral e do mobiliário de trabalho já foi sentido pelo corpo. E, como bastante discutido, o trabalhar em domicílio durante a pandemia, trouxe a mescla do trabalho doméstico e de cuidados de familiares concomitante com as demandas do trabalho profissional, principalmente para as mulheres trabalhadoras”, avalia Thais Barreira.
“Verifica-se, assim, a dificuldade dos trabalhadores em controlarem ou ajustarem seu tempo de dedicação ao trabalho com a invasão das outras exigências domésticas. Resultando em frequentes prolongamentos das jornadas de trabalho diárias e semanais, com distribuição irregular de tempo de trabalho e reduzido tempo para pausa de descanso”, completa.
Nesse cenário, “a comunicação requerida pelo trabalho com chefias e colegas passou a depender do uso de diversas tecnologias de informação e comunicação (TICs) de forma abrupta e não-familiar, provocando dificuldades inesperadas, e até requerendo inovações e novos acordos em protocolos de uso destas”.
“No distanciamento físico, as necessárias conversas sobre o trabalho em andamento enfrentaram novidades, estranhamentos inesperados, e dificuldades com sinal da internet no Brasil, truncando entendimentos e resultando em retrabalho ou prolongamento de tempo para resolver os problemas. Dessa forma, o trabalhador teve sua margem de ação ainda mais reduzida, prejudicando estratégias utilizadas anteriormente para a regulação do esforço físico e mental, e sem dúvida, provocando aumento da tensão psicológica para o trabalho”, reflete Thais Barreira.
A pesquisadora acredita ainda que a instalação de mobiliário adequado para o trabalho, a existência de espaço de trabalho reservado, com layout e iluminamento adequados, independente das rotinas e ruídos domésticos não devem ter ocorrido para a grande maioria dos trabalhadores. Já para os que puderam contar com essas condições físicas, materiais e ambientais adequadas, aponta que os modelos de gestão seguiram cobrando metas de produção, e por vezes, houve aumento de volume de carga de trabalho devido ao adoecimento por Covid-19 de colegas.
“O domicílio não tinha sido pensado para compartilhamento de seu espaço doméstico de descanso, lazer e alimentação com salas de aulas virtuais, salas de reuniões e escritórios que acolhessem reservadamente todos os membros da família. Para a maioria dos trabalhadores que teve a sorte de poder seguir trabalhando de seus domicílios, o volume da carga de trabalho não foi diminuído, mas foi acrescido pela carga das tarefas domésticas e de cuidados, que aumentaram responsabilidades e compromissos a cumprir fora do controle desses trabalhadores, principalmente para as mulheres”, afirma Thais.
Para a psicóloga e tecnologista da Fundacentro Laura Nogueira, seria importante as empresas acompanharem o processo de adaptação ao trabalho dos trabalhadores no modelo home office, assim como o acompanhamento contínuo destes trabalhadores.
“É sabido que, de um modo geral, isto não ocorreu no período da pandemia, seja no setor privado ou público. Os trabalhadores, ainda, foram entregues à própria sorte, na maior parte das vezes realizando adequações de mobiliário, equipamentos, acesso à internet para executar o trabalho com despesas saídas do próprio bolso ou submetidos a um aumento de exigências de produção, uma vez que não é possível manter os recursos de controle do tempo de trabalho dos trabalhadores”, avalia a psicóloga.
Adoecimento mental
Essa intensificação do trabalho impacta a saúde mental dos trabalhadores. “A proporção de adoecimentos dos trabalhadores que atuam no sistema remoto por causas mentais não é conhecida, o que dificulta possíveis intervenções – seja por parte do Estado ou por parte das empresas. Entretanto, pesquisas começam a mostrar dados sobre o trabalho em home office e a saúde mental no contexto da pandemia no país, o que contribui para a compreensão do problema”, explica Laura Nogueira.
Para Thais Barreira, a associação dos fatores organizacionais, principalmente no setor de serviços, amplificou o número de casos de adoecimento de trabalhadores por LER/Dort e também de transtornos mentais, especialmente a síndrome do esgotamento mental (burnout). “Essa denominação esclarece o processo de desgaste funcional humano provocado por esse desequilíbrio entre grandes demandas exigidas, reduzida margem de manobra pelo baixo nível de autonomia e formas de controle do trabalhador sobre essas demandas e a quase inexistente possibilidade de obter suporte social de colegas, da hierarquia superior e da organização produtiva como um todo”, aponta.
“Recentemente a imprensa deu destaque para o reconhecimento do burnout como doença relacionada ao trabalho pela Organização Mundial de Saúde. No Brasil, o burnout ou esgotamento profissional é reconhecido pelo Ministério da Saúde e pela Previdência desde 1999, sob o código Z73.0 (CID-10), esgotamento, que é uma definição mais vaga. A 11ª versão da Classificação internacional de Doenças (CID-11) detalhou o conceito de burnoutcomouma síndrome resultante de estresse crônico nos locais de trabalho não administrado com sucesso, caracterizada por 3 dimensões: sentimento de perda de energia ou exaustão, sentimento de distanciamento ou de negação ou de cinismo em relação ao trabalho e redução da eficácia profissional. Portanto, trata-se de uma definição mais específica para um quadro clínico anteriormente caracterizado”, completa a médica Maria Maeno.
“A função de vigilância aos agravos à saúde do SUS tem um importante papel na identificação dos aspectos do trabalho capazes de desencadear ou agravar processos de adoecimento, uma vez que o sistema de saúde é universal e apresenta significativa capilaridade. As mudanças no mundo do trabalho intensificadas pela pandemia, como o aumento da informalidade e o trabalho em home office, não podem ser desconsideradas pelos gestores e profissionais de saúde”, alerta Laura Nogueira.
Já especificamente sobre a relação entre adoecimento mental e pandemia, a psicóloga destaca o artigo “Strengthening mental health responses to Covid-19 in the Americas: A health policy analysis and recommendations”, publicado pela Revista The Lancet em janeiro de 2022.
“Tratando sobre o grande impacto da pandemia e da saúde mental nas populações das Américas, baseada em diversos estudos, a publicação aponta altas taxas de depressão e ansiedade, entre outros sintomas psicológicos nestas populações. Merece destaque os grupos mais atingidos que são mulheres jovens, pessoas com problemas pré-existentes de agravos à saúde mental, profissionais de saúde e pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade”, relata Laura.
“Na região das Américas, com destaque para a América Latina e Caribe, além do grande número de pessoas adoecidas e mortas pela Covid-19, a população no curso da pandemia vem enfrentando o aumento significativo do desemprego, pobreza e insegurança alimentar. Além disso, tem se observado o crescimento de casos de violência doméstica, maus-tratos às crianças, elevando sobremaneira as já altas taxas de violência da região. Aspectos que apontam para os fatores sociais que contribuem para o adoecimento ou agravamento dos quadros mentais”, completa.
Outro aspecto a ser considerado, segundo a psicóloga, é a associação entre as pessoas que foram infectadas pelo SARS-CoV2 e problemas de saúde mental. “Estudos descritos na publicação do The Lancet demonstram um aumento da incidência de um primeiro diagnóstico psiquiátrico até 03 meses à infecção (principalmente em se tratando de sintomas como ansiedade, insônia e demência), o que impacta no aumento dos casos de saúde mental no contexto da pandemia.”
Já estudo realizado em 2020 com adultos em todos os estados brasileiros indicou alta prevalência de depressão (61,3% dos casos), ansiedade (44,2%), estresse (50%) na população estudada. A maioria dos entrevistados era de mulheres (69,5%), e a média de idade foi de 35,2 anos.
Quando se olha para o mundo do trabalho, o texto do The Lancet aponta o grande impacto da pandemia na saúde mental dos profissionais de saúde na linha de frente nos cuidados dos infectados. “Estes trabalhadores enfrentaram riscos físicos e biológicos, alterações nas formas de organização do trabalho geradas pela alta demanda e o estigma social. Outro aspecto que acrescentaríamos está relacionado a sobrecarga dos serviços de saúde, ocorrido no momento inicial da pandemia, foi o enfrentamento de uma nova doença que gerou casos graves e muitos óbitos de pacientes, aumentando o desgaste e sofrimento psíquico destes trabalhadores”, destaca a psicóloga.
Mas estes não foram os únicos afetados. “Além dos profissionais de saúde, vários outros trabalhadores necessitaram passar por novas formas de organização do trabalho impostas pela pandemia e suas exigências de isolamento social. Muitos trabalhadores enfrentaram a situação de trabalho em home office sem nunca terem vivenciado essa experiência, como professores, bancários, funcionários públicos, entre outros”, explica Laura.
“No caso dos professores, seja da rede pública ou privada, do ensino infantil, fundamental, médio ou superior, o processo de adaptação quando possível à atividade em home office ocorreu de forma brusca, impondo a necessidade de rápido domínio de tecnologias de informação e comunicação (TIC’S); conciliação entre o trabalho doméstico, cuidados com filhos e a atividade de professor, em especial no caso das mulheres; adequação das condições de trabalho como acesso à internet, local de trabalho (espaço, mobiliário, equipamentos), aspectos potencialmente estressores. Além disso, os profissionais precisavam utilizar a criatividade constantemente para facilitar o processo ensino-aprendizagem, com a busca por novas metodologias, levando a sobrecarga de trabalho”, completa.
O que fazer?
Diante deste cenário de adoecimento por LER/Dort e transtornos mentais relacionados ao trabalho, as pesquisadoras da Fundacentro refletem sobre algumas medidas necessárias.
Reconhecer os limites humanos
“É importante que trabalhadores e empresas reconheçam os limites humanos, e aproveitem as ‘esquisitices’ desse teletrabalho para dialogar sobre necessidades, capacidades e limitações de recursos materiais, técnicos e humanos para o trabalho. Todos os envolvidos precisam conversar sobre as novidades e dificuldades do trabalho remoto e estabelecer o diálogo cordial, empático e assertivo para um redesenho organizacional que considere a prevenção de repercussões negativas à saúde física e mental” – Thais Barreira.
Questionar é preciso
“Estudos no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho compreendem a importância do papel do ambiente do trabalho e das relações sociais estabelecidas entre os indivíduos no contexto do trabalho como crucial para a compreensão de fatores que podem levar a saúde ou o adoecimento mental na relação com o trabalho. Assim, no contexto da pandemia e no caso do trabalho remoto, algumas perguntas se fazem pertinentes, como: Será que o modo de gestão adotado até agora permanece adequado diante dessa mudança na forma de trabalho como o trabalho remoto voluntário? Será que mudanças mais amplas na forma de funcionamento da organização também não precisam ser estabelecidas para se adequar ao trabalho remoto? Como os gestores devem atuar junto as suas equipes? E como os membros devem lidar com seus colegas e chefias?” – Laura Nogueira.
Mudar a organização do trabalho
“O que adoece é a organização do trabalho, a exigência de metas inalcançáveis, a pressão crescente sobre os trabalhadores, a intensificação do trabalho, a ausência de pausas e a falta de tempo de recuperação. As LER/Dort e o adoecimento psíquico relacionado ao trabalho são expressões da exploração sem limites da capacidade humana de produzir.
Quaisquer medidas ou atos normativos que ignorem esses aspectos e que falaciosamente se concentrem em saídas individuais, de treinamento de trabalhadores, de aumento de sua resiliência e campanhas de motivação devem ser combatidos vigorosamente por todos aqueles que verdadeiramente querem prevenir os adoecimentos massivos que há séculos castigam trabalhadores de todo o mundo. O mesmo vale para os inapropriadamente chamados microempreendedores; a melhoria de suas condições de trabalho passa pela garantia da proteção social, que os trabalhadores formalmente empregados ainda têm.
Também é importante desmistificar a tecnologia como solução mágica ou como vilã. A tecnologia poderia trazer uma grande contribuição para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, se fosse concebida para tal. No sistema econômico que rege nossas vidas, a tecnologia tem servido para intensificar o trabalho humano e/ou para camuflar relações de emprego como acontece com os entregadores, motoristas, chaveiros, encanadores, eletricistas e outros prestadores de serviços por aplicativos. Tem sido usada para aprofundar a exploração da capacidade de trabalho das pessoas, resultando em acidentes e doenças dos mais variados tipos.” – Maria Maeno.
Como organizar o trabalho
“Algumas respostas dos estudos indicam que do ponto de vista da organização é importante:
- Estabelecer metas claras e factíveis com cada trabalhador, pois cada um deles está vivendo o trabalho compulsório de uma maneira. Ter metas claras e possíveis de serem alcançadas, revisitando-as quando necessário é fundamental neste momento;
- Diminuir as demandas de trabalho, o que é possível distribuindo as tarefas para mais pessoas, reduzindo o número de horas dedicada a tarefa e alargando os prazos de entrega das atividades;
- Aumentar o controle sobre a tarefa do próprio trabalhador, favorecendo a autonomia de como, quando e o que ele (a) pode realizar;
- Aumentar o suporte social no trabalho. Aumente o trabalho entre pares que funcionam bem. Devem ser analisadas as dificuldades concretas de cada funcionário, soluções genéricas funcionam para grandes grupos. O gestor deve identificar as especificidades;
- Aumentar a clareza das tarefas, dos papéis e da organização. Ter clareza de quais são os papéis e responsabilidades de cada um, além de uma hierarquia de importância de cada tarefa facilita ao trabalhador saber em que deve dedicar tempo e esforço;
- Aumentar a comunicação organizacional. Isso inclui feedback positivo orientado para cada uma das tarefas, assim como encorajar a abertura ou desenvolver uma visão compartilhada sobre os valores, missão e visão da organização ou da equipe. Como a convivência física diminui, ter uma convivência on-line (proporcionar periodicamente reuniões com pequenas equipes) pode ser uma boa estratégia;
- Observar as necessidades de capacitação e promovê-las para que os profissionais adquiram as competências necessárias para as novas situações e comportamentos exigidos;
- Fornecer equipamentos necessários a execução do trabalho no novo contexto, como chips institucionais, acesso a notebooks ou outros instrumentos necessários ao trabalho.
Cada trabalhador por sua vez, pode lançar mão de algumas estratégias para melhor adaptação ao novo contexto, como:
- Estipular horários para a desconexão do trabalho;
- Controlar o tempo e a atividade de trabalho de modo a decidir quando você pode fazer as tarefas e/ou o que quer fazer;
- Identificar atividades que para si podem proporcionar relaxamento. Buscar atividades que descansem e relaxem, como atividades físicas, hobby, meditar antes de dormir, entre outras. O relaxamento está entre as mais eficazes. O desafio está em conseguir estabelecer uma rotina de relaxamento. Tentar diferentes estratégias e não se culpar por não atender a todas as sugestões postadas nas redes sociais;
- Dominar algo novo. Parece um contrassenso, mas aprender uma atividade diferente, que dê um novo domínio tende a reduzir drasticamente a tensão, oportunizando um novo leque de possibilidades;
- Estar atento a atividades que oportunizem bem-estar como alimentar-se saudavelmente, respeito as horas de sono, organizar o tempo para manter contato com as pessoas próximas (familiares, amigos), de modo a desenvolver estratégias de cuidado de si.
Ressalte-se o caráter da relação entre o trabalho e o trabalhador. Assim, por exemplo, o trabalhador só poderá efetivamente se desconectar do trabalho se as formas de controle do seu tempo de trabalho pela organização assim o permitirem. Ele poderá encerrar sua jornada às 18h, mas a sua gestão lhe envia demandas às 20h ou solicita alguma informação a ser compartilhada imediatamente, sob pena de ser considerado pouco colaborativo. Nestas circunstâncias não há possibilidade de gerir o tempo de sua conexão com o trabalho sem consequências negativas.” – Laura Nogueira.