Pesquisadora avaliou a utilização da lavagem e os parâmetros de qualidade do produto ao final do processo de refino
Texto: Carmo Gallo Netto Fotos: Antoninho Perri Edição de Imagem: Luis Paulo Silva
Talvez poucos saibam que o óleo de palma, extraído por prensagem a frio da polpa do fruto da palmeira oleaginosa Elaeis guineenses, é o mais utilizado no mundo na produção de alimentos processados como frituras industriais, chocolates, massas, margarinas, cremes vegetais, biscoitos, pães, doces, sorvetes, papinhas para crianças, e também de cosméticos, detergentes, sabões e sabonetes, entre outros. Cerca de 80% de sua produção destina-se à indústria alimentícia e 20% a empresas óleo-químicas e na obtenção de biodiesel. Os maiores produtores mundiais são a Malásia e a Indonésia. O Brasil, que ocupa a nona posição, tem sua produção concentrada no Pará, onde é majoritariamente extraído pela Agropalma, empresa de capital nacional que também mantém planta industrial de refino em Limeira, na região metropolitana de Campinas.
Embora de emprego amplo e consagrado, sua utilização em alimentos tem sido contestada nos últimos anos, principalmente na Europa, devido à presença de traços de contaminantes que se formam durante o seu refino e que, com o progressivo aperfeiçoamento dos instrumentos de análise, passaram a ser identificados. A preocupação com esses contaminantes se justifica por causa do seu efeito tóxico no organismo, o que tem motivado, em todo o mundo, a procura por processos que evitem a formação dessas impurezas indesejáveis, ausentes no óleo bruto, mas que se formam durante o seu processamento a altas temperaturas e baixas pressões.
Esse é o foco de linha de pesquisa mantida pela professora Klicia Araujo Sampaio, do Departamento de Engenharia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, que orientou o mestrado da engenheira de alimentos Jéssika Karolline Santiago, que avaliou a utilização da lavagem do óleo de palma bruto, oriundo de diferentes plantares, com vistas à redução de contaminantes, e analisou os parâmetros de qualidade do produto ao final do processo de refino. O projeto foi desenvolvido em colaboração com o Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos (CCQA) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), onde foram realizadas, entre outras, as análises dos contaminantes.
Na sequência, palmeiras, o óleo – antes e depois do refino – e polpas do fruto
O trabalho considerou óleos de palma oriundos de três cultivos diferentes fornecidos pela Agropalma: o convencional, que utiliza fertilizantes e agrotóxicos; o orgânico, que não faz uso desses implementos; e o sustentável (RSPO), forma de cultivo baseada no Roundtable on Sustainable Palm Oil – Mesa Redonda Sustentável do Óleo de Palma, de que participaram representantes de sua cadeia produtiva, que consiste em preservar os solos de grandes desmatamentos. Os óleos derivados dos três processos foram considerados primeiramente pela busca da sociedade por produtos orgânicos e sustentáveis e também para que pudesse ser verificado se fertilizantes e agrotóxicos clorados têm relação com a formação de contaminantes e se estes também estão presentes nos óleos oriundos dos outros cultivares. Foram considerados ainda no estudo óleos brutos armazenados por seis meses e óleos frescos, recém-extraídos.
Processo de refino
Para o entendimento do trabalho realizado é fundamental o conhecimento do processo de refino do óleo de palma e de como se dá a formação dos contaminantes indesejáveis. A coloração alaranjada intensa do óleo bruto decorre do alto teor de carotenoides presentes. Por outro lado, durante o refino, determinados compostos como fosfolipídicos e traços de metais como ferro, cálcio e magnésio podem tornar o óleo escuro e precisam ser previamente eliminados para viabilizar seu uso. Isso é conseguido submetendo inicialmente o óleo bruto ao processo de branqueamento ou clarificação com a utilização da terra de branqueamento. Na sequência, então, ocorre a etapa de desodorização, em que são eliminados os compostos voláteis, que lhe conferem odor desagradável; os ácidos graxos livres, responsáveis pela sua alta acidez; e os compostos da degradação de carotenoides, responsáveis pela cor intensa. Desse processamento resulta um óleo amarelo e translúcido, pronto para o consumo. Esse processo de refino físico, que não utiliza substâncias químicas, envolve, portanto, as etapas de branqueamento e desacidificação/desodorização.
Durante a desodorização, o óleo é submetido a altas temperaturas (240-260 oC) e a pressões muito baixas (de 2 a 4 milésimos da pressão ao nível do mar) e injeção de um agente de arraste, geralmente vapor d’água. São essas condições extremas que favorecem a formação de contaminantes, entre os quais o 3-MCPDE (3-monocloropropano-1,2-diol); o 2-MCPDE (2-monocloropropano-1,3-diol) – provenientes da reação entre lipídios e compostos clorados presentes no óleo, considerados seus precursores – e os GE (ésteres de glicidol) – formados a partir da reação de moléculas de diacilglicerois. Esclareça-se que o óleo de palma é formado basicamente por triacilgliceróis (TAG) e contém proporções variáveis de diacilglicerois (DAG) e monoacilglicerois (MAG). Em geral os TAG constituem 95% do óleo, enquanto os DAG (3-8%) e os MAG cerca de 0-0,5%. Estudos mostram que a presença de compostos clorados no óleo bruto pode estar relacionada à formação de contaminantes na sua forma esterificada.
A preocupação em relação à presença dos contaminantes mencionados na dieta justifica-se pelo fato de os contaminantes na forma esterificada poderem ser hidrolisados por lipases durante a digestão, o que resulta na liberação de suas formas livres. De acordo com a literatura, as formas livres dos monocloropropanodiois são consideradas possíveis cancerígenos e os glicidois, genotóxicos, podem provocar alterações no DNA.
Lavagem do óleo bruto
Para evitar a formação dos contaminantes tem sido avaliada a introdução da lavagem aquosa do óleo bruto para a redução de impurezas como compostos clorados polares. Estes são considerados os principais precursores dos contaminantes das classes dos monocloropropanodiois. Depois da agitação, que facilita a remoção das moléculas polares, a mistura óleo-água é submetida ao repouso. Os compostos clorados presos à agua são então eliminados com o seu escoamento, separando-se o óleo que se superpõe a ela. Nesta primeira parte do trabalho, Jéssika concentrou-se na determinação da proporção mais adequada da mistura água-óleo para que o processo pudesse ser viabilizado industrialmente, considerando para tanto não só a eficiência do processo de extração como a geração de menor volume de efluentes, e chegou ao valor ideal de 30% de água na massa total da mistura.
A segunda parte do estudo envolveu a utilização da terra de branqueamento, já empregada no refino para a remoção dos fosfolipídios e traços de metais. A terra de branqueamento é tradicionalmente ativada com acido clorídrico, porém a presença dos íons de cloro agrava a formação dos contaminantes. Muitas indústrias de refino têm procurado contornar o problema usando terra de branqueamento neutra ou ativada por ácido sulfúrico. No caso, a ideia era testar e comparar a eficiência dessas duas terras no processo. Frise-se que a lavagem proposta na pesquisa antecedeu o branqueamento e a posterior desodorização/desacidificação. Restava então analisar o resultado da introdução da lavagem no produto final, destinado ao consumo e proveniente dos três cultivares, considerando em cada caso tanto os óleos brutos frescos como os armazenados por seis meses.
Análises e conclusões
As análises de qualidade envolveram determinação de acidez, cor, índice de estabilidade oxidativa, umidade, perfil de ácidos graxos, composição em acilgliceróis (TAG, DAG e MAG), índice de branqueabilidade, teor de minerais, presença de compostos clorados polares na água e dos contaminantes nocivos.
Em relação aos períodos de armazenamento dos óleos os melhores valores para os parâmetros de qualidade e os menores valores para o contaminantes corresponderam aos óleos frescos, que apresentaram teores quatro a cinco vezes menores. Segundo estudos, podem ocorrer durante o armazenamento modificações em componentes do óleo entre as quais a conversão de compostos clorados hidrofílicos em lipofílicos, que têm maior afinidade pelas gorduras, o que inviabilizaria o efeito da água de lavagem.
Por outro lado, os óleos provenientes dos três diferentes sistemas de cultivo – convencional, orgânico e sustentável (RSPO), que representam aproximadamente 85%, 0,1% e 15% da produção mundial, respectivamente – não mostraram diferenças nos parâmetros analisados, indicando que os prováveis precursores dos contaminantes podem ter origem em outras fontes e não apenas no cultivo.
Em vista disso, Jéssika conclui: “A introdução de uma etapa de lavagem antes do refino físico tradicional – branqueamento e desodirização/desacidificação – e a utilização de um óleo mais fresco pode levar a uma diminuição considerável das concentrações dos contaminantes, favorecer os parâmetros de qualidade, fundamentais para as indústrias de alimentos, e mostrar-se viável para o emprego nesse segmento produtivo”. Como as plantas das indústrias de refino não contemplam a etapa de lavagem a ideia hoje é acrescentar-lhes este recurso, complementa Klicia.