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Proteína pode indicar predisposição a doenças cardiovasculares

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Estudo brasileiro sugere que pessoas com baixo nível da enzima PDIA1 no plasma sanguíneo podem ter maior propensão a trombose

 

Texto: André Julião / Agência Fapesp Fotos: Reprodução / Pixabay Edição de Imagem: Luis Paulo Sivla

 

Medir o nível de uma enzima denominada PDIA1 no plasma sanguíneo pode se tornar uma forma de diagnosticar a predisposição a doenças cardiovasculares até mesmo em pessoas saudáveis – que não apresentam fatores de risco como obesidade, diabetes, colesterol alto ou tabagismo.

É o que sugere um estudo publicado na revista Redox Biology por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Unicamp e do Instituto Butantan.

A investigação foi conduzida no âmbito do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP e sediado no Instituto de Química da USP.

“Essa molécula integra uma família de proteínas conhecida como dissulfeto isomerase [PDI]. Nosso estudo mostrou que pessoas com baixo nível de PDIA1 no plasma têm um perfil de proteínas mais inflamatório, mais propenso a trombose. Por outro lado, indivíduos com plasma rico em PDIA1 têm mais proteínas do tipo que chamamos de housekeeping, relacionadas à adesão e à homeostase celular, ou seja, mais ligadas ao funcionamento normal do organismo”, disse Francisco Rafael Martins Laurindo, professor da Faculdade de Medicina (FM) da USP e coordenador dos estudos.

O trabalho foi realizado durante o doutorado de Percíllia Victória Santos de Oliveira com bolsa da FAPESP.

O grupo analisou amostras de plasma sanguíneo de 35 voluntários saudáveis, sem histórico de doenças crônicas ou agudas. Nenhum era fumante nem usava drogas ou medicamentos de uso contínuo.

O plasma foi coletado de 10 a 15 vezes, com intervalos variáveis, em um período de 10 a 15 meses. Na maior parte dos casos, os níveis de PDIA1 circulante mudavam muito pouco dentro de cada indivíduo. Em um conjunto de cinco voluntários, a PDIA1 foi medida três vezes em um período de nove horas. Também nesse caso a variação dos resultados foi baixa.

“No entanto, as medidas indicaram que havia pacientes com valores bem elevados e outros com valores muito baixos de PDIA1, quase indetectáveis. Repetindo os testes na mesma pessoa ao longo do tempo, esses valores variavam muito pouco”, explicou Laurindo, que é coordenador do Laboratório de Biologia Cardiovascular Translacional (LIM 64) no Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FM-USP.

Além disso, foram medidos os níveis de PDIA1 em 90 amostras de um banco de plasma de pacientes com doenças cardiovasculares em fase crônica. Nessa análise, os níveis da proteína foram sempre baixos.

Os autores fizeram em seguida diversos estudos adicionais correlacionando os valores plasmáticos de PDIA1 com assinaturas proteômicas (perfil de proteínas) do plasma daquele indivíduo. Células endoteliais vasculares em cultura tratadas com plasma pobre em PDIA1 tiveram a adesão e migração celular retardada em comparação às que receberam plasma rico em PDIA1.

Esses resultados levaram à hipótese de que os níveis de PDI1A no plasma sanguíneo podem ser uma janela capaz de revelar um conjunto de proteínas plasmáticas associadas à função endotelial, indicando uma possível propensão a doenças cardiovasculares.

Mesmo quando levadas em conta variáveis sabidamente ligadas ao risco dessas doenças, como idade, níveis de triglicérides e colesterol, verificou-se que não há correlação da PDI com esses fatores.

Os próximos passos da pesquisa incluem estudar os valores de PDIA1 em condições como doença coronária aguda e também outros membros da família das dissulfeto isomerase – são mais de 20 ao todo – a fim de comparar os resultados e confirmar ou não o potencial dessas proteínas como indicadores de propensão a doenças cardiovasculares.

Marcador de câncer

Em um outro artigo, publicado na revista Cell Death & Disease, o grupo de Laurindo mostrou como a mesma enzima PDIA1 atua na regulação da produção de espécies reativas de oxigênio, também conhecidas como radicais livres.

Apesar de ter funções protetoras do organismo em níveis normais, em excesso essa produção é um dos fatores que levam à geração de tumores. O estudo é parte do doutorado de Tiphany Coralie de Bessa na FM-USP, com bolsa da FAPESP.

A PDIA1 é um conhecido biomarcador de mau prognóstico em certos tumores e de resistência à quimioterapia. O grupo de Laurindo descreveu, em trabalhos anteriores, o papel da molécula na regulação da proteína NOX1 em vasos sanguíneos, uma das maiores produtoras de espécies reativas de oxigênio, como superóxido e peróxidos formados secundariamente.

Neste novo estudo, os pesquisadores usaram células de tumor colorretal – conhecidas pela elevada expressão de NOX1. Foram usadas três linhagens distintas. Uma delas (HCT116) carregava uma mutação no gene KRas, comum em cerca de 30% dos tumores, não só colorretais como de próstata e de bexiga. Outra (HKE3) tinha uma forma mais branda da mutação, sem tanta atividade como a anterior. A terceira (Caco2), usada como controle, não apresentava a mutação.

Os pesquisadores constataram que nas linhagens de células tumorais com mutação na KRas havia um aumento da produção de PDIA1, principalmente na linhagem HCT116. Aparentemente, isso poderia significar uma vantagem, já que as PDI poderiam ajudar a produzir mais superóxido e peróxidos, que potencialmente ajudariam a combater o tumor.

“O problema é que, quando a produção de superóxido começou a ser muito alta nos tumores, a PDIA1 mudou de função. Ela passou a limitar a produção dessas espécies reativas de oxigênio, causando na verdade um potencial efeito de proteção ao tumor”, disse Bessa à Agência FAPESP.

Análises indicam que esse efeito limitador é causado por uma outra proteína, a Rac1, que é ativada pela KRas mutada.

Atualmente realizando pós-doutorado, Bessa procura caracterizar melhor a interação entre PDIA1 e NOX1 para que, futuramente, possam ser desenvolvidos inibidores de PDI específicos no contexto do câncer. Eles poderiam ser usados, por exemplo, em tumores com a mutação KRas, paralelamente à quimioterapia, diminuindo a resistência ao tratamento.

Inibidores

Testes clínicos com inibidores de outros tipos de PDI estão sendo realizados por diferentes grupos de pesquisa no mundo. Como essas proteínas desempenham diversas funções essenciais para a sobrevivência celular, Laurindo explica que é importante entender as interações específicas das PDIs no contexto do câncer, o que possibilitará o desenho de inibidores específicos, capazes de eliminar o tumor com a mínima toxicidade para as células normais.

Em um outro estudo, publicado no American Journal of Physiology-Heart and Circulatory Physiology, os pesquisadores usaram um anticorpo para inibir a PDIA1 da superfície de células vasculares e, então, observar os efeitos em resposta ao estímulo com forças mecânicas diversas, como estiramento e alterações da rigidez da matriz extracelular.

Resultado de pesquisa realizada durante estágio de pós-doutorado de Leonardo Yuji Tanaka, com apoio da FAPESP, o estudo concluiu que a inibição da PDIA1 de superfície afetou o citoesqueleto, estrutura composta de diversos filamentos no interior da célula, comprometendo a migração celular.

“A PDIA1 é fundamental para a célula migrar dentro do organismo, por isso não pode ser totalmente inibida. Quando é silenciada a porção que fica na superfície, que corresponde a menos de 2% dos níveis totais de PDIA1, a célula vive, mas perde a regulação fina do direcionamento celular durante a migração. E isso pode ser explorado na busca por novos mecanismos de doença e medicamentos”, explicou Laurindo.

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