Para o general Augusto Heleno, “Queiroz tem que dar explicação mais consistente”. Bolsonaro, que afirmou ter emprestado R$ 40 mil para ele, acrescentou: “Queiroz fazia rolo” (com carros?). Nove funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro transferiam dinheiro para a conta do Queiroz no dia dos pagamentos na Assembleia Legislativa do Rio. O dinheiro passou pela conta do Queiroz, conforme prova o Coaf. Moro salientou que o fato deve ser apurado. Mourão citou o “apurundaso” dos costumes do Exército: “apurar e punir se for o caso”.
O lenga-lenga do caso Fabrício Queiroz, leia-se, a demora para que tudo seja passado a limpo, tal como exige a sociedade civil, nos recorda Millôr Fernandes que dizia que “O Brasil tem [ainda] um enorme passado pela frente”.
Um desses passados consiste precisamente em não fazer valer a lei que manda investigar e, quando o caso, punir todos, todos (“erga omnes”), pouco importando se é nobre ou plebeu. Nós temos que romper a impunidade garantida pela velha ordem (colonial, patriarcal, escravagista, patrimonialista).
Enquanto os “rolos” do Queiroz não forem explicados, fica no ar a sensação de mais um “esquema rachid”, que ocorre quando alguns políticos ficam com parte dos salários dos seus funcionários.
O velho “esquema rachid” faz parte das máfias patrimonialistas dos donos do poder, que se caracterizam pela apropriação ou uso do dinheiro ou do poder do Estado para o enriquecimento particular. Confusão entre o público e o privado.
O caso Queiroz se tornou público a partir do Coaf, que tem direito de monitorar as contas bancárias do país sem autorização judicial. Os bancos automaticamente passam para ele as informações. Está na lei. Falar em autorização judicial nesse caso é um equívoco.
Muita gente critica as “garantias” constitucionais, mas quando é investigado todo mundo as quer.
Os americanos dizem que não há ninguém mais liberal que um conservador quando é processado ou investigado. Não há ninguém mais conservador que um liberal quando é assaltado. Não há ninguém mais humanista que um conservador quando vai para a cadeia para cumprir pena pelas suas bandidagens.
Se de um lado a explicação do Queiroz “não é convincente”, de outro, ela lembra a “sorte” que teve Mugabe, em janeiro de 2000. Robert Mugabe era na ocasião o presidente e ditador de Zimbábue (de 1987 a 2017).
Dentre “milhares de participantes”, teve seu bilhete “sorteado” na loteria nacional organizada pelo banco estatal. Foi o vencedor do prêmio de 100 mil dólares.
O mestre de cerimônia, Fallor Chawawa, diante das milhares pessoas presentes, ficou estarrecido e perplexo ao ver que o bilhete sorteado tinha o nome do… do… presidente Mugabe. The winner is mr Mugabe! (ver Acemoglu e Robinson, Por que nas nações fracassam).
Eis um homem de sorte:
Queiroz não se apresenta como um “homem de sorte”, sim, como um “homem de negócios”. Mas vem debochando da Justiça sem nenhuma consequência. Faltou duas vezes aos interrogatórios marcados pelo Ministério Público do RJ e depois surpreendeu todo mundo com uma entrevista em um canal de televisão.
Eis o detalhe: pôde comparecer à TV, mas não pôde, por causa de uma doença, se deslocar ao órgão público para prestar contas dos seus atos. Falta de accountability, de responsabilidade com ética pelo que se faz.
Nos nossos países fracassados institucionalmente, o desprestígio e o desgaste das instituições se reiteram e se multiplicam a cada dia. É um círculo vicioso. A alta baixa-estima dessas instituições são impressionantes.
Nas duas situações narradas (caso Mugabe e caso Queiroz) o que se vê é uma escalofriante e absurda fraqueza institucional. Coisa de quinto mundo, em pleno século 21. Uma desmoralização completa, que estimula a criminalidade.
Compete ao Ministério Público do RJ botar ordem nessa desordem debochada.
No Brasil em vários momentos ficamos com a sensação de que as instituições foram feitas não para exercerem seu papel de freios e contrapesos, sim, para o acobertamento dos caprichos e desvios dos que mandam, comandam e desmandam na nação. Mesmo sabendo que a impunidade, como é notório, seja fator de incremento da criminalidade.
O caso Queiroz revela a ponta do iceberg de um quadro sórdido e carcomido de baixeza e apequenamento das instituições frente aos setores bandidos ou espoliadores das oligarquias dirigentes, que usam o dinheiro ou o poder do Estado para prejudicar o restante da população. Estamos falando, evidentemente, das máfias patrimonialistas dos donos do poder.
Não são casos isolados, são sintomas que se acumulam de uma grave doença institucional. Revelam o quanto milhares de células mafiosas patrimonialistas (que usam o dinheiro ou o poder do Estado para roubar) controlam as instituições do País para assegurem seus ganhos ilícitos assim como seus caprichos, privilégios e benefícios espoliadores, incluindo-se em tudo isso a impunidade dos seus atos.
O domínio institucional das elites extrativas do poder explica as gravíssimas consequências políticas e socioeconômicas experimentadas na atualidade pelo Brasil, onde a renda per capita está em declínio, o que é visível quando se constata a deterioração da economia, do ambiente de negócios, dos investimentos, da educação assim como dos padrões de vida dos seus habitantes explorados.
Por que tanto menosprezo impune às instituições? Porque somos uma sociedade “mal formada” (H. Smith) que veio de uma velha ordem colonial e patriarcal, cujas elites do poder (as oligarquias) são patrimonialistas, espoliadoras e exploradoras e não aceitam a ideia de responsabilidade pelos seus atos prejudicias à população.
Nós temos que lutar por uma ruptura civilizatória que elimine nossas mazelas do passado e que inaugure um futuro promissor. O Brasil não pode “continuar com um enorme passado pela frente”! A ruptura do combate à corrupção das máfias patrimonialistas dos donos do poder inaugurada pelo mensalão e continuada pela Lava Jato não pode parar. Que se corrijam os vícios da Lava Jato, mas não há como deter seus movimentos.
Para enfrentar as máfias patrimonialistas dos donos do poder, corruptas e/ou privilegiadas, defenderei no exercício do meu mandato de deputado federal, em nome de um Novo Brasil, que nunca seremos um país decente enquanto não fizermos valer a Lei e a Ordem acima de todos e a Ética Humanista acima de tudo.
Império da lei e da ordem e ética da boa convivência humana. Que se entende por ética? Desde logo, é não fazer as coisas do jeito errado.
Não interessa se o acusado é de esquerda, centro ou direita. A lei tem que valer para todos e contra todos, de acordo com o Estado de Direito. Sem essas ferramentas (lei e ética) nós nunca vamos derrubar os setores bandidos da velha ordem patriarcal e colonialista, que buscam a roubalheira assim como a impunidade.
O que possuem em comum Brasil, Argentina, Colômbia, Nicarágua, Egito, Zimbábue, Serra Leoa, Cuba, Venezuela, Coreia do Norte e tantos outros países? Instituições espoliadoras e extrativistas, que não incentivam a propriedade privada ou o crescimento universal do país e da população.
Daí serem países fracassados com corrupção sistêmica e endêmica, elevadíssima concentração de renda e desigualdades abissais, privilégios perversos exercidos pelas elites dirigentes às custas do restante da sociedade, Estado ineficiente, sistema econômico de laços ou de compadrio ou de planejamento estatal, baixo crescimento econômico, pouco investimento no país por falta de confiança e por aí vai.
Enquanto esses países continuarem subordinados ao império das velhas elites patrimonialistas, corruptas e privilegiadas, nunca vão escapar da estagnação econômica que, quando acompanhada da falta de lei e ordem, pode chegar a sérios conflitos civis, migrações em massa, fomes e epidemias descontroladas.
Sem o aprofundamento da ruptura civilizatória não há solução! Nosso futuro próspero passa pelo aniquilamento socioeconômico, político, jurídico e cultural do nosso passado, da velha ordem colonial.
“As constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias, são fenômeno corrente em toda a história da América do Sul” (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil).
É esse passado que tem que ser abolido do nosso presente e do nosso futuro! Sou pelo aprofundamento da ruptura do combate à corrupção, mas que o Estado atue contra todos (“erga omnes”).