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Quem fala demais não é ouvido

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– Acho natural dar a minha opinião. Quando chego a um lugar, vejo uma pessoa, presencio uma situação, para mim é super  tranquilo dizer o que penso sobre o assunto.

“Mas você dá sua opinião quando as pessoas pedem, né?”

– Também quando me pedem, mas não necessariamente.  Falo quando acho que devo, quando é conveniente.

“Mas sempre é conveniente?”

– Sempre! Muitas vezes, as pessoas não percebem que precisam mudar nisso ou naquilo. Eu vou lá e aviso.

“Em qual situação você faz isso?”

– Ué, sempre que acho que devo. Sempre mesmo. Tenho uma sobrinha mesmo, coitadinha, que não entende nada quando o assunto cabelo. Anda com um cabelão reto de dar medo, volumoso, esvoaçado. Um horror. Sempre que a vejo, sugiro para que faça alguma coisa, pra ver se fica mais bonitinha, a pobre.

“E ela escuta, presta atenção, atende?”

Silêncio.

– Acho que não. Aliás, da última vez em que falei alguma coisa, parece que ela nem escutou.

“Bingo! Chegou exatamente aonde eu queria.”

-Aonde você queria chegar?

“A esse ponto, criatura. Quem fala demais não é ouvido. Você vive aí distribuindo sua opinião de graça sem que ninguém solicite e as pessoas não dão o mínimo valor.”

– Essa ingrata não dá, mas outras pessoas dão.

“Que dão o quê. As pessoas só são mais educadas que essa moça, mas ninguém dá a menor importância ao que você diz.”

– Dão, eles dão importância sim. Até porque sou a mais velha da família, sei mais que todo mundo quando o assunto é vida, as pessoas valorizam, sim, o que eu falo.

“Pobrezinha de você. Está enganada, minha filha. Tenho certeza de que está enganada.”

-Por que diz isso?

“Pense comigo: você é a pessoa mais velha da família, certo?”

-Certo.

“Vamos partir do princípio que é a mais sábia, certo?”

-Certo. Eu sou mesmo a mais sábia.

“Não está parecendo, mas vamos continuar a análise dos fatos.”

Silêncio.

“Se emitisse menos sua opinião, cada vez em que abrisse a boca para falar alguma coisa, as pessoas prestariam atenção. Afinal, aquilo seria uma coisa rara, portanto, deveria ser valorizada.”

-Será?

“Certeza! Você já viu menino que chora demais? Ele chora, chora e quase ninguém liga. Afinal chora por tudo, todo o tempo. Agora, aquele menino que é de boa, resolve seus problemas sem escândalo, sem choro, quando começa a chorar, todo mundo vai acudir, pois se trata de algo sério.”

-É verdade.

“Então, criatura pitaqueira. Aprenda a ficar calada, a emitir sua opinião quando for solicitada. Porque, quando as pessoas perguntarem o que você acha, o que pensa, estão, de fato, querendo saber o que se passa aí na sua cabeça.”

-Mas eu já estou tão acostumada a dar meus conselhos…

“Já parou para imaginar que as pessoas não veem isso como conselhos? Já parou para imaginar que elas só não a xingam e mandam ir para o inferno porque você é a mais velha de todas e, apesar de você encher o saco, respeitam e, por isso, se calam?”

-Será?

“Certeza. Essa sobrinha aí que não entende nada de cabelo mesmo, já deve ter tido vontade de te mandar ir às favas muitas vezes durante a vida. Só não manda por educação. E mais: quem sabe ela acha seu cabelo ridículo também e, mesmo assim, não fala nada. Já pensou nisso?”

– Mas meu cabelo nunca foi ridículo.

“Olha aí! Ela também não deve achar o próprio cabelo ridículo. Gosta do jeito que é e você fica falando, enchendo o saco da pobre.”

-Eu só quero ajudar.

“Ela já te pediu opinião alguma vez?”

– Não.

“Então não dê.”

-Mas o que eu vou falar quando chegar à casa das pessoas, quando encontrá-las? Qual sugestão vou dar?

“Sugestão? Palpite? Nenhum! Você vai ficar calada. Chegue procurando alguma coisa para elogiar. Fique calada, observando alguma coisa para elogiar. Quando vier a vontade de dar sugestão, conselho ou pitaco, respire fundo e elogie.”

– Eu nunca fui de elogiar. Sempre fui de aconselhar.

“Então, fofa, é hora de mudar.”

– Mas agora, no fim da vida?

“Nunca é tarde. Sempre dá tempo de alguma nova coisa. Por que você não começa com essa sobrinha do cabelo?”

– O cabelo dela é muito estranho, você não tem ideia.

“Mas tente. Quando a vontade atacar, você fala que ele ao menos está cheiroso. Ou ela anda com ele sujo e ensebado?”

-Não! Ela é cafona, mas é limpinha. Eu acho.

“Então, comece assim e, se for à casa de alguém nesse fim de semana, nada de dar sugestão de nada. Lembre-se de que você é a mais velha, de que tem que ser sábia, falar coisas que edificam e nunca, nunca, nunca se esqueça: quem fala demais não é ouvido!”

– Eu vou tentar.

“Não! Nada de tentar, você vai conseguir!”

 Nessa hora da conversa, o Uber chegou e, assim que entraram, a velhinha pitaqueira olhou para o motorista:

-Nossa, mas você podia encerar esse carro por dentro.

Suspiro.

“Desisto.”

Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.com.br

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Jornal Digital Jornal Digital – Edição 744