Era um pequeno e mimoso broche.
Florezinhas delicadamente esculpidas, pintadas de rosa, azul e amarelo.
Sendo duas de cada cor.
Rodeadas de folhinhas verdes, um pouquinho maiores que as flores.
Igualmente delicadas.
Todas elas, as cores, naquela tonalidade suave que são facilmente encontradas nos enxovais de bebês.
Ela, mulher valente, forte, porém delicada.
Cabelos, sempre muito bem penteados em um coque impecável, eram visivelmente coloridos periodicamente.
Sempre muito bem vestida e elegante, tinha, em todo o figurino que usasse, um lugar especial para o adorno.
Muito séria e compenetrada nas atividades que desenvolvia, não era adepta a conversinhas e pouco se sabia de sua vida pessoal.
Certo é que muito se especulava sobre “aquele” broche.
Era assunto recorrente nas rodinhas do café:
“Ouvi dizer que era da avó.” – diziam alguns.
“Acho que é o amuleto da sorte.” – diziam outros.
Algumas pessoas já haviam tentado descobrir o motivo da insistência, o porquê de usar apenas aquele broche. Mas ela, muito educada, ria, concordava com qualquer coisa que fosse dita e mudava de assunto.
No fim das contas, juntando todas as informações, a única coisa com que todos concordavam era que aquele broche era presente de alguém muito especial.
Com o tempo, as pessoas que conviviam diariamente passaram apenas a admirar o fato das combinações entre figurino e adorno serem tão bem feitas e nada mais.
Desistiram das especulações.
Um dia, Ela me chamou em sua sala.
Entrei com alguns documentos em mão, pensando que iríamos resolver problemas que estavam pendentes naquele dia.
Qual não foi minha surpresa ao encontra-la de costas para a porta, cabeça baixa!
Pelo reflexo da janela, pude ver que chorava com o broche nas mãos.
Pedi desculpas, disse que voltaria outra hora e fui me retirando.
Ela pediu que eu ficasse.
Que me sentasse.
Sentei sem nem imaginar o que ela iria me falar:
“Nunca pensei que esse dia chegaria. O dia em que sentiria vontade, necessidade, desejo de me livrar desse broche. De jogá-lo fora, nunca mais vê-lo.”
“Eu não poderia simplesmente abrir a lata de lixo e descartá-lo como um objeto sem significado, sem valor. Não daria conta.”
“Esse broche, Menina, acompanha cada um dos meus dias há 35 anos. Foi com ele que vivi meus dias mais ensolarados e felizes. Foi com ele aqui, em cima do meu coração, que tive os meus dias mais sombrios e sofridos.”
Nessa hora, para meu desespero, ela debruçou sobre a mesa e começou a soluçar de maneira inconsolável.
Eu, que já estava muda, fiquei ainda mais nervosa, sem saber o que fazer.
Levantei-me apressada, tranquei a porta, desliguei os telefones e encostei, em seu braço, uma caixa de lenços.
Ela ergueu a cabeça, agradeceu e limpou o nariz ruidosamente.
Respirou fundo, ficou ereta e passando as mãos pelos cabelos, que, pela primeira vez, eu via desalinhados, recomeçou:
“Era uma linda manhã de domingo no inverno de 1982. Nesse dia, Ele me chamou para corrermos no parque.”
“Fui toda satisfeita.”
“Lá, fizemos de conta que corremos e ficamos passeando. Andamos de pedalinho, comemos algodão doce, rimos, namoramos, brincamos como crianças que de fato éramos: eu acabara de completar 15 anos e ele, 17.”
“Mais tarde Ele me convidou para irmos a uma feira que ficava ao lado do parque.”
“Fomos.”
“E lá foi uma farra gastronômica: comemos tudo que nosso rico dinheirinho conseguiu comprar.”
“Quando já estávamos quase indo embora, passamos por uma banca que tinha várias miudezas: prendedores de cabelo, grampinhos e pentes enfeitados, pequenos pingentes e broches. Vários e vários broches, um mais delicado que o outro.”
“Ele pegou esse e me disse: Quando você se lembrar de mim, use este brochinho.”
“Ainda ficamos juntos seis meses depois daquele dia.”
“Foram os seis meses mais felizes da minha vida.”
“Vivemos intensamente cada momento.”
“Só que eu vivia intensamente ao seu lado e longe dele.”
“Já Ele…”
Ainda acariciando o broche que tinha nas mãos, Ela sorriu triste olhando para o objeto que trazia tantas recordações:
“Como não teve um só dia em que eu não me lembrasse dele, não parei de usá-lo todos esses anos.”
“No começo, era por amor. Depois que a revolta e amargura tomaram conta do meu coração, foi para mostrar para Ele, como se nesse broche tivesse uma câmera que registrasse meus passos, aonde cheguei, em quem me tornei.”
“Na minha cabeça, usar o broche era mostrar a Ele que, apesar de tudo, eu venci.”
“Mas, agora que não existe mais qualquer possibilidade de reaproximação, pela primeira vez em minha vida, eu quero esquecer. Esquecer, de maneira tão definitiva, para nunca mais me lembrar de que, um , Ele viveu aqui. Por isso, Menina, você pode dar um fim nele para mim?”
Eu fiquei segurando aquele broche, pensando em todo o seu significado.
Já Ela, levantou, soltou os cabelos, secou o rosto, passou um batom vermelho e, antes de me deixar ali estupefata, disparou:
“Menina, caso você tenha alguma coisa antiga aí guardada que não traga somente boas recordações, jogue fora! Porque quem guarda coisa velha e ainda coisa velha que traz má recordação não passa de um bobo iludido.”