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Regulamentação dos serviços de mototáxi em Brumado entra na pauta e divide opiniões

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Por Gisele Costa e Fillipe Lima

 

Sem regulamentação, estima-se que mais de 800 mototaxistas, trabalhando para locadoras ou como autônomos, circulem pelas ruas de Brumado. Foto: Fillipe Lima.

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran), órgão consultivo e normativo da estrutura do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), vinculado ao Ministério das Cidades, através da Resolução 356/2010 estabeleceu requisitos mínimos de segurança para o transporte remunerado de passageiros por motocicletas (mototáxi). A Resolução do Contran estabelece que cabe aos municípios, observadas as normas previstas e podendo estabelecer outros procedimentos, regulamentar os serviços através de legislação própria.

Foto: Fillipe Lima

Em Brumado, a regulamentação dos serviços, que hoje está sendo exercido sem nenhum controle ou critério de segurança por mais de setecentos motociclistas – segundo dados extraoficiais – muitos deles sem a capacitação técnica exigida pela Resolução do Contran, colocando em risco a própria segurança, de usuários dos serviços e da população em geral, divide opiniões. E muitos dos que vivem da “profissão” afirmam que, com ou sem regulamentação, vão continuar trabalhando normalmente pelas ruas da cidade. E argumentam que o aumento do número de usuários que utilizam os serviços, seja pela agilidade ou pelo valor cobrado pelas corridas, muito inferior ao dos serviços de táxi convencional, ou ainda a falta de oportunidades e vagas no mercado formal de trabalho, justificam o posicionamento. “A Prefeitura querendo ou não o serviço vai continuar. A regulamentação vai reduzir o número de mototaxistas credenciados e, se não conseguir meu credenciamento vou continuar trabalhando”, diz um mototaxista que pediu para não ser identificado. Segundo ele, que atua nas ruas da cidade há mais de dez anos, “por falta de oportunidade no mercado de trabalho”, a clientela não vai deixar de utilizar os serviços. “Hoje tenho uma clientela fiel, que está acostumada e confia no meu trabalho. Se os serviços forem regulamentados e eu ficar de fora, vou continuar na clandestinidade”, ressalta, acrescentando que gostaria de não estar atuando de forma ilegal, mas que não há outra alternativa. “Tenho família para sustentar e não há vagas no mercado de trabalho”, completou.

Mas há, na outra ponta, mototaxistas que defendem e cobram da Prefeitura a regulamentação dos serviços, argumentando que uma legislação específica vai proteger e garantir o trabalho dos motociclistas que agem direito e sobrevivem da atividade. “Quem não estiver atuando dentro do que prevê a Lei, infelizmente, já não deveria estar nas ruas”, argumenta um mototaxista, que também pediu para não ser identificado, que defende a regulamentação.

Élsio Dantas, proprietário de uma locadora que explora os serviços de mototáxi na cidade. Foto: Fillipe Lima.

Há, ainda, os que exploram os serviços de terceiros, como Élcio Dantas, que é dono de uma locadora na cidade. Para ele, há uma tendência de Brumado querer copiar Guanambi, que regulamentou os serviços sem que houvessem mototaxistas prestando serviços na cidade. E lembra que em Guanambi os serviços foram regulamentados e são prestados através de uma Cooperativa, que foi fundada para este fim. Ele alerta para a necessidade da Prefeitura elaborar o projeto sem que haja limitação do número de profissionais, argumentando que uma eventual redução do número de mototaxistas irá impactar negativamente na vida de muitas pessoas, que hoje sustentam suas famílias com a prestação dos serviços. E reclama que não há uma sinalização clara do poder público em relação ao processo. “Houve uma reunião e nos foi solicitado [aos donos de locadoras] que não contratássemos pilotos [motociclistas] que não fossem habilitados, porque já estariam providenciando a legalização da atividade. Só que não voltaram a tratar o assunto e há falta de uma informação clara sobre o processo”, apontou.

Apesar das críticas, Élsio Dantas diz ser favorável à regularização, por entender que vai permitir melhorar as condições de trabalho e segurança para os mototaxistas e usuários. Mas faz uma ressalva. Para ele, a regulamentação deveria ser conduzida pelo Sebrae/BA [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas na Bahia], os mesmos termos em que se regulamentou os serviços de motoboy.

Em junho de 2015, a Câmara Municipal de Brumado realizou uma Audiência Pública para discutir a regulamentação dos serviços de mototáxi e motofrete no município. Na pauta da Audiência um Projeto de Lei de autoria do então presidente da Casa, ex-vereador Alessandro Lobo e Silva (PSL). Após a Audiência, que serviu de palanque para vereadores em busca de apoio da categoria, alguns, como o vereador José da Silva Santos, então filiado ao PTC, argumentando que a legalização dos serviços seria prejudicial para os que não atendem às exigências legais e, portanto, aumentaria o desemprego na cidade, a proposta foi engavetada e não tem previsão de voltar à pauta. O assunto voltou à pauta no final de 2017, quando a Superintendência Municipal de Trânsito e Transportes iniciou o cadastramento voluntário dos profissionais que atuam nos serviços, mas a adesão foi muito pequena em relação ao número de mototaxistas existentes na cidade. Á época, o então titular da Superintendência, engenheiro André Luís Cardoso disse que a Administração Municipal estaria não apenas buscando a adequação à legislação vigente, como atendendo a uma demanda de profissionais da área que há dez anos lutam pela legalização da atividade e buscando a melhoria da qualidade dos serviços oferecidos à população brumadense.

Hoje, novamente, com o início de um arrojado projeto de mobilidade urbana, que está sendo iniciado com a implantação do Sistema de Estacionamento Rotativo Pago nas principais vias públicas do centro e de corredores comerciais da cidade, que vai organizar e desobstruir o trânsito nas áreas de maior circulação de veículos, permitindo, conforme destacou ao JS o secretário municipal de Administração e superintendente interino da Superintendência Municipal de Trânsito e Transportes, João Nolasco da Costa, “permitir de forma mais equitativa que um número maior de pessoas possam utilizar as vias públicas da área central de comercio e serviços para estacionar seus veículos, bem como gerar maior rotatividade na dinâmica do trânsito urbano, considerando principalmente que hoje a demanda por estacionamento é muito maior que a oferta”, o tema voltou à pauta.

Segundo Jansen Ricardo Rocha da Silva, ex-superintendente e atual coordenador da Superintendência Municipal de Trânsito e Transportes, estudos estão sendo elaborados para que uma proposta possa ser submetida ao Legislativo Municipal. E para buscar subsídios, Jansen Ricardo disse ter visitado Guanambi e Salvador, onde os serviços foram regulamentados antes dos profissionais “invadirem” as ruas. “O objetivo é normatizar os serviços em Brumado”, apontou, ressaltando que atualmente existem muitos condutores atuando nos serviços de mototáxi sem habilitação e sem observar os itens obrigatórios de segurança, além de pressão por parte das Polícias Militar e Rodoviária, “que cobram a regularização dos serviços”.

Segundo o coordenador da Superintendência Municipal de Trânsito e Transportes, a implantação dos Serviços de Estacionamento Rotativo Pago (Zona Azul), também está sendo considerada para que o processo de regulamentação dos mototaxistas avance. “Com a democratização do espaço urbano através do zoneamento, as vagas serão cobradas e, a partir de então, como é que vai ficar a situação desse pessoal que presta serviços de mototaxi na cidade?”, questiona o coordenador, acrescentando que a Prefeitura Municipal está atenta ao problema e consciente de que poderá vir a ser responsabilizada por omissão. “Por isso estamos empenhados em elaborar uma proposta e buscando alternativas para que os serviços possam ser regulamentados, atendendo ao que determina a resolução do Contran e assegurando a segurança dos usuários”, ressaltou.

Superintendente interino e coordenador da Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte, respectivamente João Nolasco da Costa e Jansen Ricardo Rocha da Silva, relatam estar trabalhando para elaboração da proposta de regulamentação dos serviços de mototáxi em Brumado. Foto: Fillipe Lima

Segundo Jansen Ricardo, a baixa adesão ao cadastramento realizado no final do ano passado – apenas 22 “profissionais” fizeram o cadastro – demonstrou a necessidade da regulamentação. O reduzido número de motociclistas cadastrados, considerando que o universo desses prestadores de serviço em Brumado é superior a 800 pessoas, teria confirmado que a grande maioria que está atuando nas ruas não é habilitado, não possui capacitação exigida e equipamentos de segurança e/ ou têm restrições na motocicleta. “A maioria deles [mototaxistas] não é habilitado, a moto é alienada ou não tem um dono específico, o que coloca em risco a segurança dos usuários. Se passar por uma blitz, por exemplo, e o condutor ou a motocicleta não estarem regularizados e o motociclistas resolverem fugir, como fica o passageiro que está na garupa e pagou pelo serviço?”, questiona o coordenador, reafirmando a importância da regulamentação.

Para o secretário municipal de Administração e superintendente interino da Superintendência Municipal de Trânsito e Transportes, João Nolasco da Costa, a atividade cresceu muito nos últimos anos e exige uma tomada de providências. Ressaltou, no entanto, que a proposta de regulamentação dos serviços de mototaxi e motofrete não pode ser feita de forma precipitada, sem um planejamento estratégico como vem sendo conduzido o processo, principalmente por ser uma categoria desorganizada, sem uma Associação que pudesse dialogar com o poder público para buscar um consenso. “Recebi da semana passada um telefonema de uma pessoa que disse estar tentando montar uma Associação de Mototaxistas, mas que tem sentido dificuldades”. Segundo interlocutor, destacou João Nolasco, eles (os mototaxistas) sabem que a partir da regulamentação muitos vão ter problemas em relação à identificação pessoal e do equipamento e local para estacionar.

João Nolasco lembrou que, com a implantação da Zona Azul – o processo licitatório já foi realizado e aguarda os prazos para sua efetivação – vai criar um problema e, possíveis conflitos, “principalmente onde vai ter o loteamento da Zona Azul, com referência ao estacionamento de mototáxi”.

A crise econômica e a falta de vagas no mercado formal, segundo João Nolasco, têm levado muitos trabalhadores que perdem o emprego e sua fonte de renda a migrar para o serviço de mototáxi, alguns sem a mínima capacitação e, alguns até mesmo, atuando clandestinamente em um serviço clandestino, se é que é possível. “Muitos [mototaxistas] estão identificados, através de inscrições em camisas, mas tem o mesmo número dos que não estão identificados e não tem nada que mostre que são mototaxistas atuando na cidade. Então, eles [mototaxistas] tem a concorrência dentro da própria categoria. Há casos de pessoas que locam uma motocicleta para trabalhar e precisam pagar certo valor para o dono e outros que compram uma motocicleta para uso pessoal e resolvem rodar por duas horas para fazer um “bico” e conseguir algum dinheiro. E há, a maioria, que atua nos serviços para se sustentar e sustentar sua família. Não é [a regulamentação], portanto, um problema fácil, mas tem que ser feito o mais rápido possível, porque quanto mais o tempo passa mais a categoria cresce e a dificuldade aumenta. Os condutores vão ficando ainda mais irredutíveis, principalmente porque nunca pagaram nada e passarão a ter que pagar uma taxa e a observar normas que hoje, alguns sequer sabem que existe”, ponderou João Nolasco.

A expectativa é que a proposta de regulamentação dos serviços de mototáxi e motofrete seja concluída e submetida a apreciação do Legislativo Municipal para, posteriormente ser sancionado pelo prefeito e entrar em vigor, ainda este ano.

O que pensam mototaxistas e usuários sobre a regulamentação dos serviços

A reportagem do JS foi às ruas de Brumado para ouvir a opinião de mototaxistas e usuários em relação à proposta de regulamentação dos serviços.

Durante as entrevistas, alguns aspectos foram observados. Do lado positivo, usuários apontaram a praticidade e rapidez do serviço, que ainda o torna atrativo para o cumprimento dos mais diversos trajetos no mais curto lapso de tempo. Em contrapartida, reclamam da higiene quanto ao capacete de segurança, motos em má condição e imprudência dos condutores. Há um consenso. A maioria dos usuários afirma que a falta de respeito e uma certa “competição” entre os mototaxistas e os demais atores do trânsito – motoristas de carros, utilitários e ônibus – o que tem um potencial para gerar acidentes [embora não haja números oficiais que corroborem com essa preocupação] das mais diversas gravidades.

Os motaxistas, por sua vez, demonstram grande preocupação com as incertezas da atividade e com o futuro. A quase totalidade não tem seguro pessoal e não fazem recolhimento previdenciário. Há, inclusive, os que não conseguem nem mesmo manter a documentação regular, em razão dos altos custos, e com as manutenções preventivas em dia. A maioria desconhece as normas exigidas para atuar na atividade. Entre os que defendem a regulamentação, há consenso de que os serviços vão melhorar e não haverá mais a necessidade de buscar rotas alternativas para fugir de fiscalizações. “Regulamentado o serviço, vamos ser mais valorizados”, disse um dos entrevistados.

Angel Márcio Vicente (Mototaxista autônomo) – Concorda com a legalização, já exerceu a profissão como office-boy regularizado em São Paulo, e há 3 meses atua em Brumado como mototáxi. “A regularização traz segurança, as condições de trabalho irão melhorar, e as pessoas que atuam de qualquer forma na profissão deixarão as ruas, deixando o espaço para quem. Foto: Fillipe Lima.

Confira alguns dos depoimentos dados à reportagem do JS.

 

Pedro Junior (Mototaxista autônomo) – Havia trabalhado anteriormente como mototáxi, por conta do desemprego retornou a atividade. Ao saber dos possíveis termos da regularização quanto ao tempo da moto, disse discordar que seja dessa forma “é complicado, muitos ficarão sem o trabalho. A maioria dos colegas trabalham com motos antigas (8, 9 anos), muitos não poderiam mais trabalhar como mototáxi, se a regularização for dessa forma irá prejudicar” (caso o tempo mínimo da motocicleta seja de 5 ou 6 anos). Foto: Fillipe Lima.

Cosme Paixão (Usuário dos serviços de mototáxi) – Apesar de utilizar raramente os serviços de mototáxi vê a necessidade urgente da regularização na cidade. Relata presenciar as vezes diversas imprudências cometidas pela classe, como o excesso de velocidade, e a falta de cuidado com os passageiros. “As pessoas não sabem quem estão pegando, qualquer um pode colocar uma camisa e ir pra rua trabalhar”.

Fiel dos Santos Neves (Usuário dos serviços de mototáxi) – Utiliza o serviço de mototáxi com frequência e sobre a regularização diz ser “mais que necessária” para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos.

Antonivaldo dos Santos (Mototaxista autônomo) – Está há dois anos no mercado, desde que ficou desempregado. Diz ser “totalmente favorável e que espera há tempos” pela regulamentação dos serviços, sendo, inclusive, um dos poucos mototaxistas que atenderam ao chamamento e realizaram o cadastramento na Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte. “Só é contra a regulamentação quem não está em dia com a documentação pessoal e da moto”, observa, acrescentando que se a regulamentação não for feita, com a implantação da Zona Azul, a continuidade dos serviços estará ameaçada.

 

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