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Resíduos da laranja rendem extrato para proteção cardiovascular

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Pesquisadora da FEA obtém concentrado a partir de enzima derivada de microrganismo

 

Texto: Luiz Sugimoto Fotos: Atonio Scarpinetti Edição e Imagem: Luis Paulo Silva 

O Brasil é o maior produtor mundial de laranja, com uma média de 17 milhões de toneladas nas últimas cinco safras. E, na indústria do suco, quase 50% das laranjas resultam em resíduos (casca, bagaço, sementes), em parte reaproveitados como subprodutos, para enriquecer de fibras a ração animal, por exemplo, mas em sua maioria descartados no meio ambiente. A valorização destes resíduos agroindustriais, através da transformação dos fenólicos neles presentes para aumentar seu potencial bioativo no combate a radicais livres, é o objetivo de uma linha de pesquisa do Laboratório de Bioprocessos do Departamento de Alimentação e Nutrição (Depan), da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp.

Dentro desta linha, Amanda Roggia Ruviaro acaba de defender uma tese de doutorado em que submeteu os resíduos da laranja a diferentes processos enzimáticos para aumentar a extração e alterar o perfil dos fenólicos, promovendo maior atividade antioxidante e de proteção cardiovascular. Os extratos obtidos nestes processos mostraram-se capazes de induzir o relaxamento arterial mesmo na presença de disfunção endotelial (na camada interior do vaso sanguíneo) ou em situações de estresse oxidativo vascular. A pesquisa foi orientada pela professora Gabriela Alves Macedo, com a parceria do professor Edson Antunes, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).

“O foco do projeto de doutorado em doenças cardiovasculares se deve ao fato de que elas são a principal causa de óbito no mundo, levando à morte 17 milhões de pessoas por ano”, justifica Amanda Ruviaro, que é farmacêutica por formação e mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos. “A ideia foi produzir e avaliar extratos com potencial de relaxamento vascular, podendo contribuir para o tratamento de doenças vasculares, como hipertensão e doença vascular periférica”.

 

A farmacêutica Amanda Roggia Ruviaro, autora da tese: “A ideia foi produzir e avaliar extratos com potencial de relaxamento vascular”

A autora da tese trabalhou com a enzima tanase, que foi produzida a partir de um microrganismo dentro Laboratório de Bioprocessos; já com registro de patente pela Agência de Inovação Inova Unicamp, a tanase vem servindo a outras pesquisas visando potencializar a bioatividade de compostos fenólicos. “A alternativa que propomos para reaproveitar a grande massa de resíduos agroindustriais é a biotransformação enzimática, por meio da qual conseguimos aumentar o potencial bioativo de subprodutos como da laranja: o potencial antioxidante, anti-obesogênico (já descrito por outra pesquisadora do grupo) e, no caso do meu projeto, na proteção cardiovascular.”

Amanda constatou que os extratos obtidos a partir dos resíduos industriais oferecem uma alternativa para auxiliar no tratamento ou para desenvolver produtos que contribuam para a saúde cardiovascular. “A biotransformação enzimática com tanase e β-glicosidase originou extratos cítricos ricos em flavonas agliconas, principalmente a hesperetina, que raramente é encontrada na laranja e em frutos cítricos. Há medicamentos comerciais que têm em sua base a hesperedina e diosmina, utilizados para tratamento de varizes e edema vascular. Transformamos a hesperedina em hesperetina, que é muito mais potente em promover relaxamento de vaso e passível de ser usada para tratamento de doenças vasculares. É importante destacar que os extratos cítricos também são ricos em outros compostos fenólicos e não fenólicos, que contribuem para seu efeito bioativo. Também avaliamos a atividade da enzima conversora de angiotensina, que se relaciona à pressão arterial.”

Para avaliar o potencial dos extratos no relaxamento vascular, a pesquisadora teve a colaboração do professor Edson Antunes, da FCM, em testes com padrões analíticos e com drogas comerciais para elucidar os mecanismos de ação deste processo. “Trabalhamos com animais de laboratório de meia idade (quatro meses), coletando seus vasos sanguíneos, nos quais aplicamos diretamente o extrato, observando se promovia relaxamento ou contração. Encontramos resultados incríveis, que obviamente não deixam de ser preliminares, pois não avaliamos o animal no todo. Mas parece que realmente, em situações de lesão do vaso ou simulando o estresse oxidativo vascular, o extrato foi muito potente no relaxamento. Ele poderia, sim, ter potencial para aplicação na indústria farmacêutica ou alimentícia, no desenvolvimento de produtos para prevenção e para auxiliar no tratamento de doenças vasculares.”

Baixo custo

Amanda Ruviaro afirma que, embora não tenha calculado valores, o processo para obtenção do extrato é totalmente viável economicamente, consistindo preliminarmente no aquecimento do resíduo de citros em banho-maria (40 graus) e 24 horas de processamento (agitação). “Para padronizar a amostra em partículas menores, a fim de facilitar a ação da enzima tanase, ela é moída em blender e depois passada em peneira; misturamos a amostra e a enzima e, por fim, utilizamos o rotoevaporador para eliminar o máximo de água. Temos o extrato na forma líquida ou liofilizada, rico em fenólicos e com maior potencial bioativo do que antes.”

Resíduos processados e o extrato obtido

Além de ser interessante para o meio ambiente, por não fazer uso de solventes como metanol ou acetona, o processo apresenta outra peculiaridade, conforme a autora da pesquisa. “Em outros trabalhos similares, compra-se a fruta no mercado e analisa-se a sua casca. Em nosso caso, uma indústria de Limeira nos doou os resíduos diretamente produzidos por ela e que são compostos por casca, bagaço e sementes, exatamente como seriam descartados. As cascas de frutas cítricas são a principal matéria-prima para a produção de pectina, presente em geleias e alimentos similares, bem como em produtos da indústria farmacêutica e de cosméticos, por dar a eles a consistência de gel.”

Enaltecendo as pesquisas do Laboratório de Bioprocessos para a transformação de resíduos agroindustriais em produtos benéficos a saúde, Amanda Ruviaro é de opinião que processos em escala industrial consumiriam toda esta biomassa geralmente descartada no ambiente. “O ‘Recycling ’, conceito de zero resíduo reaproveitando tudo o que se gera na indústria, começou na Europa e está chegando ao Brasil – algumas indústrias, não só alimentícias como de bens de consumo, estão incorporando a ideia. Extratos de resíduos cítricos seriam uma nova alternativa para o mercado nacional. E fenólicos da laranja como a hesperedina, antes incorporados apenas a farinhas como antioxidantes ou conservantes, já aparecem como produto final com efeito nutracêutico.”

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