O mês talvez fosse outubro, mas podia ser novembro ou dezembro, quem sabe?
Não há certeza nem consenso.
O ano sei contar muito bem, era 1976.
Ela descobrira há pouco que estava esperando um bebê.
Seu primeiro bebê.
Descobria ali, na prática, a cada enjoo e parada estratégica para jogar fora o que deveria ficar, como seu corpo agia e reagia nessa nova história de produzir alguém.
O pai do Amigo estava doente.
Muito doente.
Era preciso dar apoio.
E assim foram os gravidinhos e o bebê em construção.
Chegando lá não havia um doente.
Infelizmente o pai do Amigo falecera.
O clima era tão triste, tão tenso que mesmo Ela não se sentindo bem, passou a noite ali em solidariedade.
1982
Aquele bebezinho que a fazia enjoar já era uma bela Menininha com cinco anos.
Um dia, elas passeando pela rua encontram o Amigo que lá longe estivera enlutado:
“Minha amiga querida. Como está você? Nunca vou me esquecer da noite em que papai morreu, de que você e o João ficaram comigo. Foi tão importante para mim. O tempo passa tão rápido, a Menininha já vai fazer 5 anos!”
1987
A Menininha a essa hora já estava virando uma mocinha conversadeira.
– Olha, mãe, aquele seu amigo.
– É mesmo.
E lá veio ele:
“Minha amiga querida. Como está você? Nunca vou me esquecer da noite em que papai morreu e de que você e o João ficaram comigo. Foi tão importante para mim. O tempo passa tão rápido, a Menininha já vai fazer 10 anos!”
E assim, a cada encontro, o Amigo proclamava a idade da Menininha para quem quisesse ouvir.
A Menina achava graça da história.
Mas acontece que, com o passar do tempo, 1977 foi ficando longe.
Quanto mais longe ficava, menos graça a Menininha que de Mocinha já se transformara em Moça, ia achando.
E a graça chegou ao fim exatamente em 2007.
Nesse ano, em um dos encontros ele falou em alto e bom tom toda aquela parte que você tão bem conhece e arrematou:
“A Menininha vai fazer 30 anos!”
A Balzaquiana em questão ficou revoltada!
“É muita sacanagem! Que o moço tem boa memória e gratidão eterna, tudo bem, mas precisa ficar gritando para o bairro inteiro a minha idade? Não gente, ele bem que podia parar com isso.”
Daquele momento em diante, nossa Balzaquiana passou a correr do moço.
Quando o via de um lado da rua, corria léguas. Porque assim, caso se encontrassem, ele iria contar a história para quem estivesse por perto, não importando quem fosse.
E, então, a corrida passou a ser certa.
Mas, amigo, lamento informar, a você e à Balzaquiana: o tempo não para!
E em 2016 ela estava fazendo umas coisas na casa de sua mãe quando escuta a voz do Amigo no portão:
“… foi tão importante para mim. O tempo passa tão rápido, a Menininha já vai fazer 40 anos!”
E a Menininha deu-se conta que Balzaque também estava ficando para trás e que agora ela estava chegando no território das Lobas.
Largou o que estava fazendo e foi na direção da voz, era chegada a hora de acabar com aquela marmota.
No meio do caminho parou.
Deu-se conta de que, talvez, apegar-se à passagem do tempo, tendo sua idade como referencial, tenha sido a forma que o Amigo arranjou para lidar com o tempo da morte do pai: celebrando a vida. A vida daquela que era um bebezinho incompleto quando tudo aconteceu.
Pensando assim, voltou.
Enquanto retomava os trabalhos, ouviu uma voz diferente que se admirava ao escutar:
“Quando papai morreu ela e o João passaram a noite comigo . Ela estava grávida, coitadinha. Enjoando horrores. Era a Menininha que estava a caminho. O tempo passa tão rápido, acredita que ela já vai fazer 40 anos?”
A essa altura, a Loba bem resolvida, colocou o fone nos ouvidos e com um largo sorriso começou a cantar:
“40 anos, 40 anos, vou fazer 40, vou fazer 40 anos!”
Se não pode vencê-los, tranquilize-se junto a eles e seja feliz!