A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, tem em suas mãos uma extraordinária oportunidade política: com o apoio da opinião pública (e publicada, diria Churchill), assumir o controle absoluto de sua administração.
O presente de grego (e nunca essa expressão foi tão adequada) que seu antecessor lhe deixou foi bárbaro, mas o núcleo duro presidencial parece estar (di) gerindo bem a herança lulista.
Se no passado, diante de escândalos, víamos um presidente aparvalhado e iníquo no combate aos pecados corruptos, hoje temos uma mulher de arma em punho, disposta a fuzilar o peito de quem colocar em xeque a credibilidade de sua gestão.
Não vimos nela uma tendência a passar a mão na cabeça de quem quer que seja. E isso é bom. Muito bom.
Mas, na atual estratégia do Palácio do Planalto há duas vertentes de interpretação e, em ambos casos, os riscos são altíssimos.
A primeira diz da aparente guilhotina afiada de uma presidente pouco paciente com sua base aliada politiqueira. Dilma ceifou a cabeça, sem dó ou piedade, dos integrantes do Partido da República no Ministério dos Transportes, envolvidos em vastos escândalos de corrupção. Sua ação foi rápida e, por isso, colhe os aplausos do público.
Mas será ela tão dinâmica e rasteira assim se os próximos denunciados (e podem apostar que eles virão) forem “companheiros” do PT ou do PMDB? E se a imprensa resolver esgaravatar Furnas Centrais Elétricas, uma clássica caixa de Pandora? A presidente Dilma Rousseff irá cortar cabeças de um ministério que está na dita “cota” de José Sarney e do PMDB? E se for do PT, será usada alguma navalha afiada? O ex-ministro petista Antônio Palocci, reincidente em escândalos, fritou semanas antes de ser defenestrado da Casa Civil.
A segunda revela uma tentativa da presidente Dilma Rousseff ou de construir seu próprio legado, ou tornar seu eventual governo de transição um período eficiente e mais limpo. Para isso, já conta com uma opinião pública favorável à arrumação da casa, ainda que sejam necessários sobressaltos e algum azedume. Em ambas estratégias, há o perigo da volubilidade do fator externo, da dependência extrema da opinião da sociedade. E hoje ela é favorável à Dilma, mas o amanhã é imprevisível.
É bom que se diga que a opinião pública brasileira é crocodilônica. Quantos políticos péssimos, ladrões históricos, vimos ascender ao posto de santo no dia seguinte à sua morte? Quantos seres desprezíveis, autores do que há de mais assustador, uma década depois são homenageados emprestando seus nomes a grandes ruas, avenidas e espaços públicos?
Basta dizer, por exemplo, que Sarney dá nome a quase tudo no Maranhão, de maternidade a ponte; e é impossível não lembrar os fenômenos paulistas do ademarismo e do malufismo, dos quais diz-se, com certa condescendência: “roubaram, mas fizeram”. E a opinião pública é cúmplice dessas mazelas.
Desmoralizada e culturalmente acanhada, a sociedade brasileira convive bem com esse labéu, o que é lamentável.
No fundo, nosso presidencialismo franciscano, onde vigora a política do “é dando que se recebe”, favorece uma espécie de sentimento difuso na população.
Escândalos de corrupção, roubalheira e vadiagem com dinheiro público não comovem tanto quanto antes. Lula foi didático ao ensinar que todo mundo rouba mesmo, que isso é prática comum, que mais importa ter um prato de comida à mesa do que um político honesto no Planalto.
Em suma (e grosseiramente falando), se a economia estiver caminhando bem e nenhuma tragédia natural se abater sobre o país, a tendência é que quem está no poder tenha tempo bom e céu de brigadeiro para guiar o supersônico da opinião pública.
Até aqui, Dilma Rousseff mostrou-se sagaz: capitaneou e concentrou poder, até mesmo diante das crises. No entanto, a corrupção e a impunidade ainda são regras e a guilhotina séria uma raríssima exceção. E os olhos dos crocodilos continuam à espreita.