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ROCHAGEM: Um novo paradigma para o setor mineral e a agricultura

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Tecnologia, que consiste em aproveitar o pó de rochas para alterar os padrões de fertilidade dos solos, pode aumentar a soberania agrícola e a sustentabilidade no Brasil

Por: Paloma Custódio/Brasil61

No Brasil, todos os indicadores nacionais são superlativos. Somos o quinto País mais extenso territorialmente e o sexto em tamanho da população. Somos também a nona maior economia em PIB, o 10º. maior produtor de petróleo, o primeiro em reserva hídrica, o segundo maior exportador de produtos agropecuários e o sétimo de minérios (IBGE, 2016). Apesar dessa pujança, de outro lado, estamos entre os países com maiores índices de desigualdade social: somos o maior importador de agrotóxicos; possuímos o nono maior índice de homicídios do mundo; as mais pífias representatividades de mulheres no campo da política (ONU, 2017) e o País mais corrupto (Transparência Internacional, 2016). Tais dados mostram que o País é um caldeirão de contradições e, ao mesmo tempo, de oportunidades para construção de um futuro mais promissor do ponto de vista socioeconômico e ambiental.

Informações sobre o desempenho brasileiro no comércio internacional costumam destacar o gigantesco potencial agrícola e mineral do País. A produção dos bens semi-processados, ou in natura, derivados desses dois setores, é quase que integralmente dirigida para a exportação, contribuindo fortemente para alavancar a balança comercial do Brasil. Apesar disso, existe um risco que ronda esse sucesso e que não tem sido seriamente considerado. Trata-se da dependência que o modelo agrícola, dominante no País, tem da importação de insumos, em especial de fertilizantes solúveis (NPK). Para manter os altos índices de produção, o Brasil importa cerca de 70% do que consome – média dos últimos 10 anos (ANDA, 2016). Essa dependência nos coloca como o quarto maior importador de NPK e, nesse nicho do comércio internacional, o País não participa da formação de preços.

É importante destacar que a produção agrícola interage de forma transversal com vários indicadores mencionados e, para sua reprodução, ela necessita de terra, água e força de trabalho. Por tais características, esse setor produtivo desponta como uma grande possibilidade para tornar o País mais soberano e trilhando caminhos mais sustentáveis (em todas as dimensões que se queira considerar). Trata-se do uso da tecnologia da Rochagem, a qual carrega em seus princípios a possibilidade de unir o setor agrícola ao setor mineral (agrogeologia). Essa possibilidade tecnológica tem a capacidade de oferecer e suprir a carência de insumos do primeiro e resolver um dos maiores problemas do segundo: a destinação para as pilhas de rejeitos. Equivale dizer que o Brasil possui uma produção mineral capaz de atender, em grande parte, à demanda de fertilizantes para a agricultura.

O uso de remineralizadores (pós de rocha) para alterar os padrões de fertilidade dos solos é o principal pressuposto da tecnologia da Rochagem, que pode ser definida como uma prática agrícola de incorporação de rochas moídas e/ou minerais ao solo, sendo a calagem e a fosfatagem casos particulares dessa prática (Leonardos et. al., 1976). A Rochagem comporta-se como um tipo de rejuvenescedor dos solos pobres ou lixiviados, onde o pó de rocha é utilizado para garantir a sua remineralização (Theodoro, 2000, Leonardos e Theodoro 1999, 2006). Esses autores afirmam que a técnica pode ser entendida como um banco de nutrientes, já que as rochas são materiais de baixa solubilidade e fornecem somente a quantidade de nutrientes demandada pelas plantas. Fundamenta-se, portanto, na busca do equilíbrio da fertilidade, na conservação dos recursos naturais e na produtividade naturalmente sustentável. Pode-se dizer que a Rochagem é uma prática que induz a fertilização da Terra com a própria terra (Theodoro, 2000).

Muitas pesquisas (Almeida, et al., 2006, Carvalho, 2012, Harley e Gilkes, 2000, Theodoro e Leonardos, 2006) sobre o uso dos remineralizadores têm obtido resultados significativos. Dentre esses, Theodoro e Leonardos (2015 ) destacam: (i) os custos de aquisição1 de pós de rocha são muito menores e seu efeito pode se estender por até quatro ou cinco anos consecutivos; (ii) os níveis de fertilidade nos solos são crescentes (em especial a oferta de P, K, Ca e Mg) após a aplicação dos pós de rocha; (iii) a produtividade mostra-se equivalente ou superior às obtidas pela fertilização convencional. Em alguns casos, os rendimentos podem ser até 30% superiores àqueles obtidos pelo uso dos insumos químicos; (iv) as raízes das plantas são mais desenvolvidas do que nas plantas que recebem a adubação química, provavelmente devido à oferta de multinutrientes e à redução da toxidez de alumínio e correção do pH; (v) o teor de umidade é maior nas áreas onde se aplicam os remineralizadores, mostrando que os mesmos possuem grande capacidade de retenção de água; (vi) as plantas mostram maior quantidade de massa verde, são mais exuberantes e apresentam maior perfilhamento; (vii) a aceleração do ciclo produtivo da planta foi observada em alguns casos; (viii) não ocorre contaminação ou eutrofização dos recursos hídricos, já que os pós de rocha apresentam solubilidade gradual, ao contrário dos fertilizantes convencionais; e (ix) atende aos padrões de garantias exigidos de insumos utilizados pela agricultura orgânica.

Apesar de tais resultados, é importante destacar que alguns cuidados devem ser considerados para o uso desses insumos: (i) ausência de contaminantes; (ii) presença dos principais macro e micronutrientes nos minerais que compõem as rochas; e (iii) disponibilidade da fonte próxima à região de consumo.

Embora constatados vários resultados positivos de pesquisas, não havia previsão legal do uso, comercialização ou fiscalização dos remineralizadores, já que, por suas características diversificadas, não era possível fazer o seu enquadramento dentro das categorias de insumos existentes (condicionadores, fertilizantes etc.). Mudar essa lacuna nas normas que regulamentam o tema era um fator primordial para tornar viável o uso dos pós de rocha. Um processo para mudar esse vazio foi iniciado no Congresso Nacional em 2012, a partir de uma sugestão feita pelo Grupo de Trabalho composto por representantes de uma série de instituições governamentais e centros de pesquisa/autarquias, que elaboraram uma proposta conjunta apresentada ao legislativo brasileiro. A proposta resultou das discussões conduzidas em três conferencias nacionais, seminários e oficinas, que debateram a proposta com o setor mineral e agrícola. Pela proposta do GT, incorporado ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 212/2012, os remineralizadores seriam inseridos na Lei dos Fertilizantes (Lei no 6.894/1980) como uma categoria de insumo. Havia um entendimento, por parte dos parlamentares, de que o tema era importante e afetava a soberania e o desenvolvimento do setor agrícola brasileiro. No Projeto de Lei definiu-se os remineralizadores como material de origem mineral que tenha sofrido apenas redução e classificação de tamanho por processos mecânicos e que altere os índices de fertilidade do solo por meio da adição de macro e micronutrientes para as plantas, bem como promova a melhoria das propriedades físicas ou físico-químicas ou da atividade biológica do solo.

O projeto de lei teve uma tramitação bastante rápida no Congresso Nacional (cerca de 16 meses). A sanção da Lei no 12.890 (Brasil, 2013) ocorreu em outubro de 2013. Posteriormente, foi editado o Decreto de no 8.384/2014 e duas Instruções Normativas (INs) que regulamentam seu uso e estabelecem as garantias mínimas que os remineralizadores precisam apresentar para terem o seu registro reconhecido pelas normas brasileiras. A IN no 05/2016, do Mapa, estabeleceu as regras sobre definições, classificação, especificações e garantias, tolerâncias, registro, embalagem, rotulagem e propaganda dos remineralizadores destinados à agricultura (Theodoro, 2016). Este arcabouço legal trouxe segurança jurídica e ampliou o interesse por parte dos agricultores brasileiros (incluindo os grandes produtores) porque a produtividade tem apresentado resultados compatíveis com as médias regionais, devido ao fato de que os custos são significativamente menores e porque se trata de um insumo disponível regionalmente.

Essa disponibilidade regional está diretamente vinculada a dois fatores principais: (i) o Brasil apresenta uma imensa geodiversidade, que o eleva ao papel de celeiro mineral e o País possui cerca de 9.500 minerações de pequeno, médio e grande porte (Tabela 01), onde já estão disponíveis enormes quantidades de materiais descartados (pilhas de rejeitos), que devem ser reinterpretadas (consideradas) como uma imensa fonte de subprodutos minerais já explorados e, em parte, triturados.

Porém, é importante deixar claro que a IN 05/2016 (Brasil, 2016) estabeleceu que os materiais usados para fins de remineralização dos solos devem possuir, além da origem mineral, as seguintes condicionantes e garantias mínimas: (i) ter sofrido apenas redução e classificação de tamanho por processos mecânicos; (ii) apresentar a soma de bases (CaO, MgO, K2O) igual ou superior a 9% em peso/peso (Art. 4, Inc. II); (iii) atender à limitação para elementos potencialmente tóxicos, conforme § 2o, Inc. III; e (iv) não conter teor superior a 25% de SiO2 livre em volume/volume (Art. 4, § 2o, Inc. II). Ainda que tais restrições reduzam a quantidade de material passível de uso agrícola, pode-se supor que este considerável estoque de subprodutos venha a se converter em uma gigantesca fonte de materiais aptos para a remineralização dos solos tropicais brasileiros.

Por tais potencialidades, a tecnologia da Rochagem tem a capacidade de se converter em um mecanismo de sinergia entre o setor agrícola e mineral, permitindo a alavancagem desses dois setores. O Brasil está na vanguarda desta rota tecnológica, uma vez que: (i) já regulamentou o uso, comercialização e fiscalização desses materiais; (ii) detém uma extensa geodiversidade (que amplia a oferta regional/local), diminuindo custos de transporte; e (iii) possui um grande número de minerações (de vários portes), as quais representam um grande potencial de oferta de materiais já explorados e parcialmente beneficiados. Ademais, o uso dos remineralizadores amplia a oferta de insumos permitidos na agricultura agroecológica ou orgânica (que tem apresentado taxas de crescimento na ordem de 30%a.a), podendo facilitar a transição para uma agricultura mais sustentável.

Mas é fundamental alertar que o atendimento às regras estabelecidas no marco legal deve ser respeitado, pois, do contrário, ao invés de se construir uma grande oportunidade para o setor agropecuário (fertilização dos solos), pode-se provocar problemas (contaminação, compactação etc.) de difícil solução. Para além disso, os materiais passiveis de serem comercializados precisam obter o licenciamento na Agencia Nacional de Mineração e o registro no Ministério da Agricultura, que exige resultados de comprovação agronômica de que os materiais contribuem efetivamente para alterar a fertilidade dos solos, bem como para assegurar a produção agrícola em padrões semelhantes ao que vem sendo obtido pelos fertilizantes convencionais (NPK).

 

 

 

Foto de capa: Guto Silveira/Embrapa

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