Uma das características mais brutais de um país com instituições frágeis e ineficientes e intelectuais paupérrimos viciados em “incentivos” do Estado é a eterna busca por algum salvador da Pátria. Essa bizarrice, encravada no “jeitinho de ser” do Brasil, é tão velha que, em 1989 — ano quando dois autoproclamados “salvadores”, Lula e Collor, chegaram ao segundo turno presidencial —, virou tema de novela e eternizou o matuto Sassá Mutema, um boia-fria analfabeto, apaixonado pela “professorinha” gostosa e seduzido pelo “sistema” cruel.
Quase três décadas depois, até a nata da (suposta) intelectualidade brasileira exibe, com orgulho, o vigor da “sassá-mutemice”: dia após dia, a busca é sôfrega por alguém que possa representar alguma falsa e discursiva inflexão no apodrecido universo político-social do país, em especial neste momento quando o crescimento vertiginoso da insatisfação popular ameaça devorar sem dó os instrumentos garantidores de champanhe e caviar.
Durante o julgamento da Ação Penal 470 — o famigerado “Mensalão” — pelo Supremo Tribunal Federal, o então ministro Joaquim Barbosa tornou-se máscara mais vendida no carnaval. Ao pedir a condenação de políticos, empresários, banqueiros e lobistas pelo desvio de R$ 141 milhões, Barbosa foi imediatamente alçado ao título de Sassá Mutema da vez, barbada para candidatura majoritária nas eleições seguintes. Não aconteceu — tal qual a alardeada vitória de Hillary Clinton — e até hoje há quem defenda o ministro aposentado como figura de proa nalguma chapa em 2018. Até ele dá sinais de credo na esdrúxula tese.
Dois anos depois, os suprassumos do pensamento entenderam tratar-se de um trabalho diminuto que circunscreveu o escândalo à mera compra de parlamentares, crime político-partidário que sequer rendeu aos réus condenação por formação de quadrilha. O advento da Operação Lava-Jato e o desvelar de um megaesquema de corrupção mensurado em centenas de bilhões de reais — algo que deixa a sensação de o “Mensalão” ser pequena causa e revela a ineficiência do STF —, deu novo corpo à fantasia do Sassá. Ídolo inconteste para expressiva maioria da população, o juiz federal Sérgio Moro tornou-se alvo de indecentes que diuturnamente lançam sua candidatura a ministro da Suprema Corte, ao Senado Federal e até à Presidência da República.
Não bastasse o escárnio bestial dos casos supramencionados, recente artigo publicado num dos jornais de maior circulação do Brasil arvorou-se à “sassá-mutemice” de saias, lançando a pré-candidatura da ministra Cármen Lúcia, atual presidente do STF, sob o viés da salvadora da Pátria que aproxima o povo das instituições com um condão carrancudo e austero.
O fausto pensar de nossos intelectuais, tão ciosos de seu papel na sociedade, parece contaminado por um verme maldito, mezzo ingênuo, mezzo incendiário. Perdem tempo e torram fortunas em espaços nobres de veículos de comunicação para ventilar o gás metano que lhes escapa pelas orelhas enquanto os dedos tocam as teclas na escrita de bobagens desvergonhadas e quase criminosas.
Porque tudo que o Brasil não precisa neste momento é de um superpop salvador lastreado pelas linhas da “sassá-mutemice” crônica. A Pátria não merece tal excrescência. Sejamos adultos e inteligentes, pelo menos uma vez na História.