Há alguns anos eu trabalhava no Setor Comercial Sul, em Brasília. É o centro da cidade e se parece, em quase todos os aspectos, com qualquer outro lugar deste tipo pelas demais capitais brasileiras.
Por Janary Bastos Damacena
Há alguns anos eu trabalhava no Setor Comercial Sul, em Brasília. É o centro da cidade e se parece, em quase todos os aspectos, com qualquer outro lugar deste tipo pelas demais capitais brasileiras. Durante o dia é uma agitação com pessoas aceleradas por todas as direções, barulhos diversos e cheiros de todos os tipos. O ritmo frenético começa cedo, mas vai se esvaziando depois das seis da tarde. Bem, acho que você entendeu.
Acontece que naquela quinta-feira à noite eu sai mais tarde do trabalho e passei rapidamente no mercadinho que ficava ali do lado, antes de seguir para a rodoviária. Eu passava por entre os prédios de hotéis quando um morador de rua parou perto, esticou as palmas da mão para minha frente e disse que precisava de um minuto da minha atenção para fazer um “pedido muito importante”.
Consenti com a cabeça àquele senhor – e digo senhor, porque a despeito de como ele se vestia e seu corpo magro visivelmente debilitado, seu rosto dava a entender que já passara dos 50 anos. Então ele me falou que o “pedido muito importante” se tratava de “apenas” dois reais para comprar um sabonete. Contara-me, ainda, que já tinha conseguido lugar para tomar banho e uma roupa seca para vestir depois. Mas ainda faltava um sabonete.
Já faz anos, mas acredito que nunca vou esquecer o sorriso quase incrédulo que ele abriu, quando peguei um sabonete na mochila, das compras que havia feito a menos de quinze minutos no mercadinho. Ele perguntou se poderia apertar minha mão para agradecer a ajuda. Depois disso, comentou que apesar de ter escolhido a vida como morador de rua, sabia da importância da higiene. Falou sobre conhecimentos e técnicas práticas que muitas pessoas em situação de rua usam para se limpar.
“A gente sabe que evita doenças e não só as de pele, mas previne infecções nas feridas, diminui os riscos de bactérias e essas coisas todas. Mas o que eu acho mais importante é ser tratado como ser humano. Sabe, quase ninguém chega perto de você se estiver sujo ou fedido”, me explicou o homem. Fiquei intrigado com aquilo e me fez pensar naquele episódio por muito tempo. Como uma pessoa, que consegue racionalizar daquela forma, preferiu a vida pelas ruas?
Não me controlei e questionei sobre isso. E a resposta que ele me deu foi simples: “Às vezes, para ter uma vida realmente saudável, a gente só precisa de água e sabão”.