Por Joana D’Arck
Ao apresentar a segunda edição do “Auto da Gamela” – obra de sua autoria em parceria com o escritor conquistense Carlos Jehovah – Esechias Araújo Lima assim a definiu: “tentamos passar no livro o canto daqueles que não tem voz”. Ele participou do lançamento da publicação durante a Feira Literária de Mucugê, no domingo (18), cercado de colegas escritores presentes na feira literária, intelectuais professores e parlamentares.
Selecionado pelo Selo Fligê 2019, o livro ressurge depois de quase 40 anos da sua primeira publicação com uma edição revista e ampliada, numa publicação da Assembleia Legislativa da Bahia, através do programa Alba Cultural, e foi enriquecido com ilustrações de Silvio Jessé. Portanto, não poderia ser lançado em ambiente mais propício do que o espaço do ateliê do artista plástico, repleto de obras que retratam o sertão, como defendeu o próprio Silvio Jessé.
Responsável por viabilizar a reedição do livro, coube ao deputado estadual José Raimundo Fontes iniciar o lançamento. “Tinha que ser extraordinária essa obra, vindo de dois grandes escritores e intelectuais que são Jehovah e Esechias. E o mais impressionante é que eles a escreveram quando ainda eram muito jovens e num período em que a Ditadura Militar implantou a censura no país”, elogiou.
Esechias tinha 28 anos e Jehovah pouco mais de 30 quando “Auto da Gamela” quando o livro foi publicado, lembrou Poliana Policarpo, que incentivou os autores a buscar uma nova edição e disponibilizá-la para as novas gerações. e, no lançamento, representava o escritor Carlos Jehovah. O livro agora conta com 219 páginas e recebeu novos poemas que haviam sido censurados na primeira edição. Segundo Esechias, a participação de Sílvio Jessé com as suas ilustrações nesse atual formato deu mais que uma nova estética ao livro. “Ele não fez apenas uma releitura da obra, ele a reescreveu”.
O escritor contou rapidamente sobre a história de como surgiu o livro, da parceria entre ele Jehovah a partir de um concurso literário, e do feito que abriu as portas para a sua publicação: quando ele telefonou para a escritora Rachel de Queiroz pedindo para visitá-la e apresentou os textos. “Ela disse que me escreveria depois para dizer o que achou e eu falei que uma frase só dela já seria extraordinário”.
Mais do que uma frase, a premiada autora de “O Quinze” não se conteve nos elogios. Esechias fez questão de reproduzir o que Rachel de Queiroz escreveu em sua carta, enviada a ele e ao parceiro em 1979 e reproduzida nesta segunda edição (inclusive a manuscrita). “Não sou juiz de poesia – jamais ousei – mas juiz de matéria sertaneja, isso eu sou! Poucas vezes encontrei, fora de Ariano Suassuna, de João Cabral, uma força da terra tão viva e violenta como nesse caderno de verso de vocês, nesse Auto da Gamela”.
A escritora Poliana Policarpo falou sobre a obra e o motivo do título. “Auto é uma composição dramática, expressão literária que surgiu na idade média e ficou esquecida, retornando em 1927, com Ariano Suassuna, em ‘Auto da Compadecida’, e ‘Morte de Vida Severina’, de João Cabral de Melo Neto, que se tornou uma obra da literatura universal”.
A escritora explica ainda que os autos são composições literárias que levam muito o simbolismo, a dicotomia entre Deus e o Diabo. “Os autores se valeram do auto e da gamela, um dos apetrechos do sertanejo. Costumo brincar comparando a gamela como um Bombril da caatinga, que tem mil e uma utilidades. É na gamela que você pode comer, dar comida aos animais, lavar os pés, já serviu de pia batismal para os bebês, dar o último banho no morto”.
O auto da Gamela retrata como nasce uma criança no cenário de sofrimento, luta e resistência, completa a escritora. “Eles vão retratar com uma arquitetura poética própria, com uma beleza rara por meio de versos, ora versos livres, ora um pouco de cordel, toda história e mística que envolve essa gente do sertão, onde não faltam a mula sem cabeça, e o lobisomem. Os nossos escritores conquistense e brumadense uniram suas forças poéticas para trazer a obra belíssima”.
Poliana Policarpo também destacou que o livro teve tal relevância literária em sua primeira edição que chegou a ser incluído em questões de provas de vestibulares no Sudeste e no Sul do país. “É uma obra de grande valor literário que não pode ficar esquecida. As novas gerações têm que conhecer, porque traz um tema recorrente e atemporal, que é a questão da fome e de tantos com tão pouco nesta terra”.
Em sua apresentação, o escritor Esechias fez agradecimentos a todos que ajudaram a viabilizar a nova versão da sua obra, especialmente ao deputado José Raimundo, ao deputado federal Waldenor Pereira, como integrante do Coletivo Lavra e apoiador da Fligê, a curadora Ester Figueiredo, ao artista Sílvio Jessé e ao diagramador André Luís Carvalho. Ao final da sua fala, o autor concedeu autógrafos nos exemplares distribuídos aos presentes.