Para especialista, a situação do Amapá é um exemplo do que o país poderá vivenciar sem o investimento adequado em hidrelétricas e novas linhas de transmissão.
Por Ascom/ENERCONS
O Estado do Amapá entrou no 15º dia sem energia elétrica. Com isso, as autoridades sanitárias já registram problemas de saúde que atingem a população, principalmente, as crianças, que sem água potável e condições de tratar a água e alimentos, devido à falta de energia, começam a apresentar casos de vômito e diarreia. O Brasil acompanha o caso como algo distante, lá na longínqua fronteira norte, como se não pudesse ocorrer o mesmo em outras regiões. Mas o episódio reforça o alerta dos especialistas em energia sobre a falta de investimentos em novas hidrelétricas, linhas transmissão e subestações que levem a todos os pontos de consumo a energia gerada de fontes renováveis, que geralmente estão sempre distantes das maiores cidades.
Segundo o ex-presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, Ivo Pugnaloni, diretor da ENERCONS, o país novamente, como em 2001, está à mercê de um apagão elétrico, mas pouco se fala sobre isso. “A questão da energia no Brasil goza de pouquíssima atenção. Dá a impressão que nós apenas nos preocupamos com energia elétrica quando ela falta, acaba. Aí todo mundo grita, alguns esperneiam enquanto outros apenas pedem que lhes apontem os culpados. Ninguém se preocupa com a origem da energia, com as formas como ela pode ser gerada, se são caras ou baratas, se são poluentes ou não. Muito menos como ela pode chegar a todas as cidades, vilas, distritos, comunidades e um país que tem duas vezes e meia a superfície da Europa Ocidental. A sociedade brasileira foi educada a nunca se importar com a energia elétrica, nem como assegurar que ela possa continuar chegando a quase todo Brasil, seja pelas Linhas de Transmissão, e agora, de uns 30 anos para cá, através da eletrificação rural. Isso foi uma conquista enorme, muito pouco estudada, muito pouco valorizada, como se nada tivesse que ser feito para expandir um sistema que em 30 anos teve que atender 220 milhões de habitantes consumidores e não 150 milhões, com um aumento explosivo de 50% na população sem um aumento equivalente na capacidade de nossos reservatórios. Sem dúvida, existe não só um grande desconhecimento, mas até mesmo um interesse claro em manter a desinformação como forma de aumentar lucros via insegurança do fornecimento, fator que leva a população a aceitar tarifas mais caras, impondo outras formas de gerar energia mais caras e poluentes para poder enfrentar a escassez”, comenta.
Para o especialista, no episódio do Amapá, vemos a importância do que são as Linhas de Transmissão e subestações, que substituem fontes de geração. “Isso porque o Brasil é um país de dimensões tão grandes, tão grandes, que quando falta água, quando falta chuva em uma região, você pode transmitir energia de outra região onde os recursos não estão em falta, e isso só é possível através das linhas de transmissão e subestações. Agora, se não houver investimento em Linhas de Transmissão e subestações, e não houver investimentos em hidroelétricas, apenas uma forma de energia pode funcionar, e é aquela movida a petróleo, que funciona o dia e a noite inteira, do lado das cidades, bem pertinho, mas a custos sete, oito vezes mais alto”, explica.
Pugnaloni conta que quando em uma região não se constroem hidroelétricas para armazenar energia em forma de água, não se constroem linhas de transmissão, e subestações, com transformadores suficientes para fazer a chamada redundância, que é a duplicidade de alternativas de atendimento acontece isso: falta de energia frente a qualquer acidente mesmo pequeno como esse incêndio. “Pode ser que que toda essa desatenção seja por acaso, por incompetência, ou até falta de recursos, mas pode ser ação do poderoso lobby do petróleo, das empresas que vivem de gerar energia do petróleo, das outras que vivem de importar combustíveis para gerar energia elétrica, dos estados que não querem perder o ICMS sobre o petróleo consumido para gerar energia elétrica. Uma vez que este tipo de usina geralmente está situado ao lado das cidades, quanto menos linhas de transmissão existir para transportar energia renovável que vem de mais longe, quanto menos subestações, quanto menos redundância, quanto menos segurança, mais mercado existiria para a geração com combustíveis fósseis. É como se algum grupo, interessado em transporte ferroviário, fizesse lobby para que a população ser revoltasse para que não fossem construídas novas rodovias, nem se ampliassem as antigas, nem novas estradas, novos viadutos e pontes, tudo isso para favorecer comercialmente, o modal de transporte das ferrovias e eliminar a concorrência do transporte rodoviário. Felizmente, as autoridades da ANEEL, do governo federal e estaduais perceberam como isso é errado e têm começado a investir mais em estruturar os órgãos de licenciamento ambiental e os bancos de desenvolvimento, dotando-os de recursos mais baratos e procedimentos mais ágeis. A inauguração da PCH Bedim, com pronunciamentos do presidente e do governador do Paraná, deu prova disso”.
“Agora, novamente estamos ouvindo falar de energia renovável, principalmente, de pequenas hidrelétricas. Pode-se dizer que, nos bancos, já faltam bons projetos para ser financiados. Para resolver o problema de energia no Brasil nós temos uma quantidade enorme de mais de cinco mil pequenas e grandes hidrelétricas, somando mais 150 mil megawatts, mais do que o dobro de potência instalada hoje, mapeadas pela ELETROBRÁS e pelos proprietários dessas áreas. Essas mais de cinco mil pequenas hidrelétricas representam 11 usinas de Itaipu, só que distribuídas geograficamente por todo o território nacional de forma a não causar impacto, mas isso não é valorizado. Temos pelo menos uma pequena hidrelétrica a construir em cada um dos 5 mil municípios do Brasil, tudo com recursos privados, com tecnologia 100% nacional, mercado garantido e lucratividade garantida pelas tarifas mais altas do mundo.
Para o especialista, o caso do Amapá é um exemplo de falta de redundância, o transformador que podia ser usado na emergência estava em manutenção. “Há uma única linha de transmissão que chega até lá, uma só. E se aquela linha tiver algum problema, o Estado inteiro fica no escuro. Isso não poderia acontecer. O Amapá tem um potencial eólico muito grande em sua costa e o interior está repleto de aproveitamentos hidráulicos que poderiam ser utilizados e o setor elétrico é de vital importância para o país. Imagine você estar enfrentando uma pandemia e ficarmos sem energia em São Paulo, Recife, Curitiba ou Manaus. Ou mesmo em Campinas, Joinville, Florianópolis, como já ficamos por falta de linhas de transmissão. E as vacinas, os remédios, o atendimento, todo não ter condições de ter conservação, preservação, a temperatura adequada, como ficarão? O setor elétrico precisa ganhar outra importância e preocupação no cenário nacional, não apenas das autoridades, mas da imprensa e da sociedade”, conclui.
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