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Sobre Máquinas e Ausências

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Ganhei uma velha máquina de datilografia. Ela era cinza, com teclas de cor marrom escuro, e tinha um longo rolo preto por onde se prendia o papel que logo seria atacado por nervosas setas metálicas, carimbando em seu virginal corpo o que eu bem quisesse. Como era muito pesada, não podia carregá-la pela casa; então, ela ficava sobre uma escrivaninha de madeira dentro da biblioteca. Imóvel.

Hoje, já não sei ao certo o que sucedeu dessa minha velha máquina. Tenho uma lembrança de tê-la desmontado a fim de limpá-la. Não consegui recompor a pobrezinha. Certamente ficou esquecida num canto triste e solitário à mercê da ferrugem e das sufocantes teias de aranha.

Minha pouca memória acaba de me recordar algo. Meu gato de estimação um dia conheceu essa máquina, quando ainda em pleno funcionamento, claro, e ficou encantado com ela. O bichano batia suas patinhas aleatoriamente naquelas teclas. O “clap-clap” ressoava ao longo de todo o corredor da casa. Cheguei de mansinho, me posicionei de modo que não o assustasse e, encantado, assisti àquela cena. Como eu o amava! Foi rápido aquele pequeno pedaço do meu infinito. Ele saiu de mansinho, sem preocupações, afinal, o seu instinto felino acusava estar com fome.

Notei algo sobre a folha que outrora estava em branco. Sinais de um momento de amor, de descoberta. Eu e ele, respectivamente. As poucas mais de quinze letras, dezenove para ser mais preciso, estavam lá, grafadas desordenadamente. Apanhei-as, cortei o excesso da folha onde nada havia sido escrito, e guardei.

Numa noite de inverno ele foi embora; era início de agosto. Nunca mais voltou. Quantas saudades ele me faz. Hoje, de lembranças, guardo aquele pequeno papel, recordando a minha velha máquina de datilografia e o meu gato. Tenho boas lembranças e tristes ausências.

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