Por: Cristina Collina (Ascom/Hospital Santa Mônica – SP)
A morte prematura de adolescentes abalou, pela terceira vez neste ano, a comunidade escolar da Grande São Paulo. Somente em abril, três casos de suicídio chocaram pais, professores e alunos de dois colégios renomados da rede privada de ensino da capital paulista. Além de provocarem comoção nas redes sociais, os casos levantam um tema que precisa ser discutido mais a fundo dentro e fora do ambiente escolar: o suicídio na adolescência.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de suicídio da população entre 15 e 29 anos aumentou quase 10% no Brasil, entre 2002 e 2014. O número equivale a 5,6 casos a cada 100 mil habitantes. Pesquisa inédita feita em 2017 pelo Ministério da Saúde revela que o suicídio é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Para entender mais a fundo o drama do suicídio entre jovens, conversamos com a Neuropsicóloga Adriana Fóz, Diretora Clínica da Unidade Integrativa do Hospital Santa Mônica. Veja o que ela tem a dizer sobre o suicídio na adolescência:
A primeira reação ao recebermos notícias de suicídio entre jovens é sempre o choque, mas esses casos vêm se tornando cada vez mais comuns. A que se deve esse aumento?
Em primeiro lugar, precisamos entender a prevalência desses casos no Brasil e no mundo. No Brasil, os casos de suicídio são mais comuns entre a população de baixa renda, muitas vezes devido à falta de dinheiro. O suicídio entre índios e idosos também é mais comum.
Então, temos sempre que ver as coisas com responsabilidade. Não trata-se de uma epidemia, o que chama a atenção é que estão aumentando, sim, os casos de suicídio na adolescência e na primeira fase adulta. Só que essa não é a maior prevalência entre suicídios no Brasil. Esse é um dado que precisa ser levado em conta. Esse é um dado que precisa ser levado em conta para que pais e escolas não entrem em “pânico”.
Como identificar tendências suicidas entre adolescentes?
O primeiro passo é ver se o jovem está muito isolado. Não permitir que ele fique sempre trancado dentro do quarto. Ele pode ter a privacidade dele, mas de vez em quando os pais devem ter acesso a esse quarto (o quarto é dele, mas a casa é dos pais). Não é que ele vai abrir o diário desse jovem. Mas é entrar no quarto, conversar, ver com quem ele está falando, perceber suas reação. Conectar-se com seu filho(a).
O segundo passo é ver com quem esse jovem está andando, quais são seus interesses, se eles são mais “escuros”, voltados para atividades muito tristes, violentas ou de isolamento, por exemplo. É importante não estigmatizar, tipo: aquele que só usa preto pode ser um candidato. Estar atento para os sinais, para a relação com coisas depressivas: vestir apenas preto, não tomar sol, ficar sempre escondido em um capuz, apresentar-se constantemente irritadiço.
Também é importante se atentar para coisas que fogem ao comportamento comum. Não quer dizer que todos os sinais alertam para um problema. Mas tudo que foge ao comum chama atenção.
E não precisa necessariamente chamar atenção para aquele que vai anunciar a sua morte. Existem jovens que falam: “eu vou me matar”, e nós da Ciência da Saúde nunca devemos menosprezá-los. Mas também devemos ficar atentos àqueles que estão quietinhos. Àqueles que você fala “nossa, que bonzinho”, “ele faz tudo direitinho, não dá trabalho, fica quietinho na classe, não aborrece ninguém”. Esse jovem também precisa de atenção.
São alguns sinais que a gente vê que são diferentes. Isso não significa que eles podem levar ao suicídio, mas são indicativos que demandam atenção. E é esse o papel da escola e dos pais.
E se houver dúvida, depois de conferir com a escola, leve a um psiquiatra. Um profissional competente vai conversar, tirar algumas dúvidas. Independentemente desse jovem apresentar o quadro suicida ou não, é sempre bom ter informação e afeto. Mostrar que está sempre próximo para poder ouvir. Os jovens precisam ser ouvidos, com o coração e inteligência.
Que postura as escolas devem adotar diante de casos como esses?
As famílias, as escolas e a comunidade precisam se unir em prol de tratar esse assunto com responsabilidade e com competência. O que significa isso? Significa que é preciso haver mais espaço de discussão.
Esse assunto precisa ser abordado, mas em uma discussão sem medo. A maior preocupação que tenho agora não é nem com as escolas, porque elas vão buscar profissionais para fazerem rodas de conversa, para orientar seus funcionários e alunos.
A minha preocupação é com os pais. Porque eles não têm tanta informação, e hoje já ficam à mercê dos seus filhos. Já dizem “amém” quando o filho fica 5 minutos com eles.
Eu tenho preocupação com esses pais que vão temer que seus filhos, por qualquer motivo, vivam uma situação como essa. São esses que a gente precisa dar muita informação e orientação.
Mas como os pais devem tratar do tema no ambiente familiar?
É importante que eles procurem informações relevantes e que eles não fiquem à mercê de fofocas. É preciso entender o que de fato está acontecendo. Cada jovem é um jovem, não dá para generalizar. Mesmo esses dois casos, na mesma escola, não foram motivados pelos mesmos fatores. Então, é preciso cautela.
Pais devem entender que o jovem precisa ter mais espaço, e isso não significa necessariamente ser mimado. Estou falando de espaço de comunicação, de perguntas e respostas, de maior autonomia. E autonomia se constrói com limite, com responsabilidade.
É importante ainda que a família incentive que o filho tenha sempre um adulto de referência, que pode ser um tio, uma tia, um irmão mais velho que seja bacana, um professor. Isso é muito importante. Porque às vezes, por mais que eles sejam bons pais, é da natureza do adolescente manter-se mais distante dessa figura paterna.
E isso não quer dizer que o pai está errado, que ele é careta. Se é possível incentivar uma relação mais estreita com outra pessoa com quem esse jovem possa se abrir, fazer perguntas, essa é uma estratégia bem interessante.
O esporte e ter hobbies são muito importantes.
Que mudanças podem ser feitas no ambiente escolar para que casos assim não se repitam?
São duas coisas: os pais precisam ver se os filhos estão com o perfil adequado para aquela escola, se de repente ele não está sofrendo com a metodologia adotada pela instituição. E a escola também precisa rever se ela não está exigindo muito dos alunos em prol de indicadores de desempenho. É preciso se atentar para uma realidade em que de repente eles estão só estudando, mas não há uma área social, de lazer, cultura etc.
Por isso a importância das escolas se prepararem para vivencias, treinar, possibilitar a aprendizagens socioemocionais. Isso não é uma coisa só pra enfeitar a Base Nacional Comum Currícular. Isso é realidade, é necessidade.
A gente não precisa esperar o jovem se tornar adolescente para treinarmos essas competências de ele se sentir importante, ter autogentileza, autocuidado. Porque o cuidado de si próprio vai distanciar esse jovem de um possível suicídio. E esse autocuidado vem junto da autoestima. E não é aquela autoestima em que o pai fala “meu filho é maravilhoso, tudo dele é ótimo”. É aquela autoestima construída pelo jovem, que ele faz e conquista mediante as suas atitudes.
A pressão escolar pode interferir nesses quadros de suicídio? Que medidas devem ser tomadas nesse sentido?
Não é diminuir a exigência nos estudos. A escola pode ser exigente, mas eu acho que elas terão que rever o quanto estão exigindo dos seus jovens. Para que você vai querer que uma criança com cinco anos de idade aprenda, leia e escreva textos de filósofos? Não tem sentido. A criança de cinco anos precisa brincar com as letras, com as palavras, descobrir como ela pode filosofar. Então eu acho que isso é um grande “chacoalhão” para que a gente repense quais são as exigências que são competentes também.
É importante que a gente fique mais próximo do que o jovem está podendo conquistar. É por isso que você exigir demais de um jovem não é bom. E exigir de menos também não é, porque assim você não tem conquista, motivação.
Se você não tem conquista positiva, se uma escola exige muito mais daquele jovem do que ele tem condição, não enxergando esse lado emocional, pode causar sofrimento. E se a família não está tão atenta às estratégias,e a escola também não, corre-se mais risco.
Com a reestruturação da Base Nacional Comum Curricular, as escolas estão vendo a necessidade dessa abordagem socioemocional. Os maiores estudiosos do assunto mostram que, hoje, a escola tem que dar menos conta do conteúdo em si, e mais de como o conteúdo chega ao jovem. Então o papel da escola está mudando muito também. E por isso sobra espaço para que eles trabalhem o socioemocional com os alunos, e isso é fundamental.
Como elementos como o bullying podem interferir nesse quadro?
Uma criança que está sempre se sentindo tolhida, menosprezada, por mais que isso não vá desenvolver uma depressão, é um sofrimento que não tem sentido. Frustração faz parte, sofrimento não. E os pais precisam estar atentos a esses sinais, eles precisam se informar da vida dos seus filhos. Mais uma vez, aqui, a comunicação e a transparência também são essenciais.