Por Antônio Novais Torres
Domingo era dia de feira livre no bairro onde o a pessoa residia. Acompanhava a mulher e os filhos para fazerem as compras de frutas, verduras e outros produtos para o consumo da semana. Para ele e os meninos era um divertimento à parte. Percorriam todo o trajeto de barraca em barraca, apreçando as mercadorias. Palrador conversava com os feirantes – jogando conversa fora.
Enquanto isso, a patroa pechinchava e, com diligência, fazia as compras para, em seguida, cuidar de outros afazeres domésticos. Ao final, o patriarca e os filhos passavam na “Feira do Rolo”, local onde se praticavam troca e venda de objetos usados de toda variedade. Dizem que, nesse lugar, havia muitos produtos de roubos e que as autoridades faziam vista grossa, ou seja, não agiam repressivamente.
Perambulando pelo circuito sem qualquer compromisso se depararam com um indivíduo que vendia filhotes de cachorro de raças diversas, o qual alegava que todos tinham pedigree, porém não possuía documento comprobatório da afirmação. Os filhos, entusiasmados, fizeram com que o pai comprasse um exemplar, e a escolha foi deles. Um filhote de cachorro todo branco e esperto ao qual deram o nome de Te Contei, alusivo a uma novela de muito sucesso exibida na época.
O animal, muito brincalhão, produzia uma alegria contagiante, todos o adoravam, conquistou a simpatia e o sentimento de afeição do pessoal da casa, especialmente das crianças, menos a do chefe da família que se arrependeu de ter comprado o animal. O cão, no afã de brincar, puía as barras das calças do homem, que não reclamava para não contrariar a prole.
Certa feita, a mulher e os filhos, em um dia de feriado, participaram de um evento cultural realizado na escola. O marido ficou em casa por não se interessar pelo evento. Nesse dia, a lavadeira foi buscar a roupa, separada em trouxa para lhe ser entregue. Aproveitando a ausência dos demais habitantes da casa, deu Te Contei de presente para a lavadeira, julgando, assim, ficar livre das travessuras impertinentes do animal.
Ao chegarem à casa, a primeira providência do pessoal foi procurar o cachorro que era a atração de todos, ou melhor, de quase todos. Não o encontrando, fizeram um grande alvoroço para localizá-lo. O patriarca, sem outra saída, esclareceu que o cão fora doado para a lavadeira.
Formou-se uma grande confusão familiar com afrontas de insatisfação pelo procedimento indevido e inaceitável. Diziam: “Só pode ser fruto de uma atitude inconsequente ou por estar ébrio”.
Incontinenti, os familiares foram à residência da lavadeira para reaver o cachorro de estimação que fora dado em momento inconveniente. Entretanto, a presenteada não abriu mão do animal. Fez finca-pé, alegando que o bicho lhe fora dado espontaneamente, com a recomendação de que cuidasse bem dele, e impôs a sua decisão de não devolvê-lo. Diante do ocorrido, quiseram ir à delegacia prestar queixa, mas foram desestimulados.
Todos os dias, na hora em que a família se reunia, para o almoço, era um chororô comovente, incriminando o doador. Parecia até que o pessoal da casa gostava mais do bicho de estimação que do progenitor. Sentindo-se culpado, este propôs comprar outro cachorro, mas a família, em lágrimas e desespero, disse que só aceitaria Te Contei. Nunca se esqueceram, ocasionalmente relembravam as travessuras do cãozinho.
O indigitado confidenciou a um amigo que, se arrependimento matasse, estaria morto. Nunca mais entrou animal de qualquer espécie em sua casa. Te Contei era o rei da galera que o considerava membro da família.
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