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Tecido aumenta desempenho aeróbio de atletas

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Estudos demonstram que fibras têxteis também retardam a fadiga muscular

 

Texto: CARMO GALLO NETTO Fotos: ANTONIO SCARPINETTI Edição de Imagem: LUIS PAULO SILVA

 

Uma linha de fibras têxteis chamada comercialmente de Emana, utilizada em roupas, é capaz de melhorar a microcirculação sanguínea e retardar a fadiga muscular. Pesquisas anteriores tinham mostrado que roupas com esta fibra aumentam a elasticidade da pele e diminuem os sinais de celulite quando utilizadas por certo período. Já no segmento de roupas esportivas havia indícios de que a Emana podia ajudar atletas a reduzir a fadiga muscular e aumentar o desempenho aeróbio. Este fato foi comprovado por três estudos desenvolvidos pelo profissional de educação física e pesquisador Arthur Fernandes Gáspari junto ao Laboratório de Fisiologia do Exercício da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. Os estudos foram orientados pelo professor Antonio Carlos de Moraes, do Departamento de Ciências do Esporte da FEF.

O fio Emana, criado em 2009, absorve parte da energia oriunda do ambiente e do próprio corpo humano, como o calor, e a devolve com características de radiação infravermelha, que penetra no corpo mais profundamente e estimula a microcirculação local e o metabolismo energético, reduzindo a fadiga e a dor muscular. Esse efeito é conseguido introduzindo no fio de poliamida, matriz polimérica do fio, cristais minerais bioativos que têm a propriedade de absorver energia e redirecioná-la para a região do infravermelho longo (IVL), constituída por ondas de maior comprimento e consequentemente menor energia entre as da banda do infravermelho, que se distinguem por não causar aumento significativo da temperatura.

O professor Antonio Carlos lembra que os estudos do efeito do tecido emissor de IVL sobre o desempenho físico iniciaram-se na FEF em meados de 2012, com o estabelecimento de convênio de pesquisa entre a Rhodia, do grupo Solvay, fabricante das fibras e detentora da patente do tecido Emana, e a Unicamp. Durante sua vigência foram desenvolvidos dois protocolos exploratórios para investigar possíveis efeitos do tecido: um voltado para o desempenho aeróbio – exercício de longa duração limitado pela resistência do indivíduo – e outro orientado para verificar o potencial do tecido para reduzir o dano muscular e acelerar a recuperação após exercício extenuante. Os resultados do IVL sobre o desempenho aeróbio, embora interessantes, não foram conclusivos e sugeriam pesquisas mais aprofundadas. Daí surgiu a ideia do projeto de doutorado desenvolvido por Arthur que a Rhodia, mesmo após o término do convênio, apoiou através da doação de materiais.

Arthur Fernandes Gáspari (à esq.) e seu orientador, professor Antonio Carlos de Moraes: estudos tiveram início em 2012.

O projeto teve como foco principal investigar os efeitos de um traje (calça) confeccionado com fio de poliamida, coproduzido com nanopartículas cerâmicas emissoras de IVL, sobre o desempenho de exercício predominantemente aeróbio e os mecanismos fisiológicos relacionados a esse possível efeito. Deteve-se também na verificação da variação da temperatura na área corporal irradiada com IVL, pois o seu aumento durante a realização do exercício comprometeria o rendimento.

Embora o infravermelho seja uma das radiações advindas do sol normalmente ignorada, são conhecidos seus efeitos benéficos como vasodilatador e antioxidante, sua contribuição para o aumento da produção de óxido nítrico (NO) – molécula chave em uma série de funções biológicas –, na potencialização da função de algumas células e no atraso da fadiga de músculos esqueléticos. Para o docente, as pesquisas desenvolvidas se justificam porque são pouco conhecidos os efeitos desta fonte de IVL sobre a fisiologia humana e seu potencial ergogênico sobre o desempenho físico, medido pelas estratégias materiais ou químicas utilizadas com o objetivo de melhorar o desempenho esportivo e acelerar a recuperação pós-exercício.

Três vertentes

As investigações foram desenvolvidas em três vertentes.  A primeira teve como objetivo confirmar os possíveis efeitos benéficos do tecido IVL sobre o desempenho físico e verificar se alguns dos mecanismos fisiológicos já descritos na literatura poderiam explicar os resultados encontrados. Nesta fase, da qual participaram 14 voluntários homens, jovens e ativos, foram analisados os efeitos do IVL em exercício intenso de ciclismo, até a exaustão física, medindo alterações na temperatura, aumento da produção de energia por vias aeróbias, redução do estresse oxidativo e elevação da disponibilidade de óxido nítrico.

Cada indivíduo foi submetido a testes utilizando calças de tecido IVL e placebo em ordem cruzada (cross-over), de iguais confecções, aparências e consistências, fornecidas pelo fabricante sem que inclusive os pesquisadores pudessem identificá-las (duplo-cego). Os participantes utilizaram as calças durante uma semana antes dos testes, realizados com intervalos adequados para eliminar interferências.

Os resultados mostraram que o tecido emissor de IVL aumentou em 25% o tempo de exercício até a exaustão. Foi observada também maior produção de energia pelo metabolismo aeróbio e menor estresse oxidativo, sem que ocorressem alterações na temperatura, nos marcadores de defesa antioxidante e na biodisponibilidade de óxido nítrico, contrariando a hipótese inicial de que o NO seria o responsável pelo efeito ergogênico. A utilização do tecido contribuiu, portanto, para aumentar o desempenho físico nesse tipo de exercício e sugere sua eficiência na melhora da produção de energia. Entretanto, a falta de aumento da biodisponibilidade do NO, que poderia contribuir para a ação positiva do IVL, suscitou uma pergunta: qual seria então o mecanismo bioquímico decorrente dos efeitos dessa radiação?  Essa questão levou à segunda vertente do estudo.

Testes de desempenho no Laboratório de Fisiologia do Exercício da Unicamp.

Neste caso, o objetivo foi explorar os efeitos do tecido IVL nas respostas ao metabolismo, ao exercício aeróbio de diferentes intensidades, procurando identificar possíveis vias bioquímicas que poderiam explicar os resultados benéficos do tecido verificados no estudo anterior. Foram mantidos os mesmos protocolos para uma população semelhante, constituída por 20 homens, submetida agora a exercícios contínuos de bicicleta com intensidade baixa e alta e coletadas amostras de sangue com vistas a investigar alterações no perfil metabolômico – que permite uma ampla localização dos metabolitos do sistema biológico – e nos metabolismos energéticos.

Os resultados mostraram aumento de 23% no desempenho e melhora na produção de energia, corroborando os achados do estudo anterior. Além disso, foram identificados 55 metabólitos, comuns a todas as amostras de sangue coletadas, que possibilitaram determinar as vias bioquímicas de produção de energia como as mais importantes para o efeito do tecido IVL. As moléculas encontradas nessa varredura apontaram para dois possíveis caminhos: a melhora da eficiência mitocondrial, organela celular responsável pela produção de energia através do oxigênio, e o aumento da lipólise, quebra das moléculas de gordura armazenadas no tecido adiposo que entram na corrente e são usadas como combustível pelo tecido muscular. Estas descobertas mostram os possíveis mecanismos da ação do IVL no organismo que resultam no aumento do seu desempenho aeróbio.

Os efeitos positivos sobre o desempenho físico identificados nestes dois primeiros estudos concentraram-se em ciclistas amadores. Restava ainda saber se os resultados prevaleceriam também em atletas de alto desempenho, que possivelmente apresentariam menor grau de resposta aos efeitos das radiações IVL em razão da já alta adaptação ao exercício.

Além disso, lembra Arthur, os dois estudos anteriores visaram testar o potencial do tecido IVL em retardar a fadiga, aumentando o tempo em que os indivíduos conseguem manter-se em exercício, o que é excelente para averiguar o aumento de resistência e os possíveis mecanismos fisiológicos e bioquímicos envolvidos, mas estão distantes das demandas do esporte. A propósito diz ele: “No mundo real, em provas esportivas convencionais, os atletas têm a tarefa de cumprir uma determinada distância no menor tempo possível, como correr ou pedalar”. Em vista disso, a terceira vertente do estudo, que contou com 11 participantes, teve como foco verificar a eficácia do tecido IVL na melhora de ciclistas, altamente treinados, em prova de quatro km contrarrelógio.

Os resultados indicaram uma melhora no desempenho de 2,2s e 3,5s (que corresponde a cerca de 1,5%) quando comparados, respectivamente, os resultados entre tecido IVL e placebo e vestuário padrão. Verificou-se, inclusive, que a redução do tempo para completar o teste de quatro km com o IVL foi maior que o erro associado à própria medida, confirmando o efeito positivo também para essa população e teste. Embora discreta, a variação é relevante para atletas de alto desempenho, pois pode determinar a chegada ao pódio, enfatiza o pesquisador.

Para ele, os resultados alcançados nestes três estudos mostram o efeito ergogênico do tecido IVL na melhoria do desempenho em provas de resistência aeróbia para indivíduos ativos e treinados.  Sugerem ainda que o possível mecanismo de ação do IVL está associado ao aumento da produção de energia por vias aeróbias e que seus efeitos positivos sobre o organismo, que resultam em melhoria de desempenho, estão associados tanto ao musculo quanto ao tecido adiposo, o que abre caminho para novas pesquisas.

Caráter multidisciplinar

O desenrolar do estudo foi muito amplo e envolveu várias parcerias, desde a sua concepção, com a coorientação do professor Romulo Cassio de Moraes Bertuzzi, do Grupo de Estudos em Desempenho Aeróbio da USP, que teve participação ativa na construção dos protocolos e na discussão dos resultados.  Os testes de desempenho, as medidas de temperatura, as análises bioquímicas e os metabolismos energéticos foram realizados no Laboratório de Fisiologia do Exercício (FISEX – Unicamp) sob a supervisão da professora Mara Patricia T. Chacon-Mikahil. As análises para a determinação da biodisponibilidade de óxido nítrico foram realizadas no Aterolab-Unicamp, da Faculdade de Ciências Médicas, orientadas pelo professor Andrei Carvalho Sposito.

No Laboratório Nacional de Biociências do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (LNBio/CNPEN) foram realizadas as análises metabolômicas, supervisionadas pelo pesquisadorMauricio Sforza.  O doutorado sanduíche levou Arthur à University of Queensland, Brisbane, Austrália, e à Victoria University, Melbourne, Austrália, onde foram feitas análises de todos os marcadores bioquímicos de estresse oxidativo e defesa antioxidante.

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