Texto: Manuel Alves Filho Fotos: Antônio Scarpinetti Edição de Imagem: Luis Paulo Silva
No Brasil, a Doença de Alzheimer (DA) atinge 1,2 milhão de pessoas, número próximo ao da população de Campinas (SP). Caracterizada pela perda progressiva e irreversível das funções cognitivas, a DA constitui a principal causa de demência entre idosos. A cada ano, 100 mil novos casos são registrados no país. Embora o Alzheimer não tenha cura, seus efeitos, como perda de memória, confusão mental e comprometimento do senso de direção, podem ser retardados, desde que o diagnóstico seja feito de forma precoce. Foi pensando em tornar a identificação da DA mais rápida e precisa que pesquisadores do Instituto de Computação (IC) da Unicamp conceberam uma técnica baseada em rede neural artificial. A partir de imagens tridimensionais geradas por ressonância magnética, o método analisa a morfologia do cérebro e aponta se o paciente tem ou não Alzheimer ou se apresenta características que indicam o possível surgimento da doença no futuro.
A técnica foi criada no contexto da dissertação de mestrado do cientista da computação Guilherme Adriano Folego, sob orientação do professor Anderson Rocha. O trabalho foi coorientado pela professora Marina Weiler, do National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos. “Aqui, nós transformamos pixels em informações. Ou seja, processamos e analisamos imagens com o propósito de extrair dados de interesse. Nesse caso, buscamos identificar características morfológicas do cérebro que são compatíveis com as dos órgãos afetados pelo Alzheimer”, explica o docente. Por causa das mortes celular e neuronal causadas pela doença, o cérebro perde massas branca e cinza e assume uma configuração diferente da do órgão saudável.
De acordo com Guilherme Folego, o objetivo da técnica é identificar biomarcadores estruturais da DA. Para isso, ele optou pelo uso da rede neural convolucional, que permite um aprendizado de máquina mais profundo. “Além disso, a rede neural possibilita que o processo seja totalmente automático e mais rápido. Enquanto o nosso método fornece o resultado em torno de 15 minutos, no modelo convencional, que depende de intervenção humana, isso pode levar de 15 a 20 horas”, pontua.
A técnica desenvolvida no IC-Unicamp faz o diagnóstico em três classes diferentes: pessoa saudável, com DA e em estágio intermediário, ou seja, aquela que apresenta comprometimento cognitivo leve. “O diagnóstico desse estágio intermediário é considerado crítico pela Medicina, porque é muito difícil de ser feito. Sendo possível fazer essa identificação, também é possível dar início a um tratamento precoce que retarde ao máximo as consequências do Alzheimer”, assinala o professor Anderson Rocha.
Outro dado importante é que o método não faz uso de qualquer informação além das imagens geradas pela ressonância magnética. “Nós não sabemos, por exemplo, se a imagem é de um homem ou de uma mulher, qual a idade do paciente ou se há casos de Alzheimer na família. Nosso único parâmetro é a morfologia do cérebro. O desafio é perceber as sutilezas, de modo a antecipar o diagnóstico, principalmente em relação aos pacientes em estágio intermediário da doença”, esclarece Guilherme Folego.
O professor Anderson Rocha faz questão de observar que a técnica não tem a pretensão de substituir o trabalho do neurologista, mas sim de ajudá-lo na formulação de um diagnóstico mais preciso da DA. “Muito pelo contrário, a presença do médico é indispensável, até porque é ele quem dará a palavra final. Nós desenvolvemos um algoritmo com a função de aprender os padrões das imagens e, assim, fornecer aos profissionais da Medicina informações mais refinadas para a tomada de decisão. Nos testes que fizemos, a técnica acertou em 75% dos casos, que é o mesmo percentual de acerto dos médicos. A soma desses índices mais o aporte das informações adicionais, como idade, gênero e histórico familiar do paciente, certamente conferirão maior acurácia ao diagnóstico”, considera.
Segundo os pesquisadores, não foi requisitada proteção intelectual sobre técnica porque a ideia é justamente oferecer uma ferramenta que possa ter amplo uso e traga benefícios para a sociedade. Quanto à possibilidade de o método vir a se transformar num produto comercial, eles destacam que antes disso ocorrer será preciso realizar novos testes. “Uma possibilidade é utilizarmos imagens de ressonância magnética de pacientes do Hospital de Clínicas da Unicamp, cujo diagnóstico já é conhecido, para avaliar o desempenho da ferramenta. Além disso, vamos precisar, obviamente, de um parceiro disposto a transformar nossa técnica em produto”, afirma o professor Anderson Rocha.
Atualmente, os pesquisadores estão concluindo um artigo sobre o trabalho para ser submetido a uma revista científica de alto impacto. Anderson Rocha observa que a pesquisa contou com o importante apoio da Microsoft, que cedeu a sua estrutura computacional para rodar o sistema. “Esse é um dos desafios de trabalhar com grande volume de imagens, procedimento que exige um poder computacional bastante robusto”, acrescenta Guilherme Folego.