Por Isabel Gardenal – Jornal da Unicamp
Duas pesquisas de envergadura coordenadas pelo Departamento de Tocoginecologia (DTG) da Unicamp na área de saúde materno-infantil estão promovendo uma verdadeira jornada contra a prematuridade no país: os projetos Preterm Samba e o MAES. Financiadas pela Fundação Bill & Melinda Gates e Fapesp, elas integram a Rede Brasileira de Estudos em Saúde Reprodutiva e Perinatal. As iniciativas buscam compreender as melhores formas de evitar o nascimento prematuro nacionalmente, detectando e monitorando precocemente as mulheres que têm alto risco para parto prematuro, a fim de poder realizar intervenções. “Estima-se que, a cada dez nascimentos no Brasil, um seja prematuro”, revelou o obstetra José Guilherme Cecatti, responsável pelos dois estudos.
Articuladores desses projetos já celebram a fase final de análise dos dados do projeto Preterm Samba e a fase inicial do projeto Maternal Actigraphy Exploratory Study (MAES), cujo título em português é Estudo Exploratório da Actigrafia Materna. A rede reúne pesquisas para proposição e implementação, com o maior número possível de informações e casos para avaliar e gerar evidências científicas relacionadas ao tema.
Além de abordar biomarcadores preditores de risco gestacional, eles também discutem informações de todas as mulheres que tiveram parto prematuro, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento fetal, diabetes gestacional. “Planejamos uma análise de todas as condições e situações de risco que pudessem caracterizar maior probabilidade de desenvolver uma dessas condições”, informou Cecatti.
O DTG apresentou os dois estudos no programa Grandes Desafios Brasil: Prevenção e Manejo de Nascimentos Prematuros, que propõe investir em pesquisas para conhecer as causas dos nascimentos prematuros e oferecer soluções inovadoras para reduzi-los. Mais de 850 pesquisadores de 50 países fazem parte do grupo de inovadores que já foram financiados pela Fundação Bill & Melinda Gates desde 2008.
Samba
O primeiro estudo do grupo da Unicamp (o Preterm Samba), proposto por Cecatti, foi um dos vencedores dos Grandes Desafios Brasil (Grand Challenges Explorations), programa em parceria com as Universidades de Auckland-Nova Zelândia e de Leicester-Reino Unido. Ele pretende encontrar, no conjunto das mulheres grávidas pela primeira vez e com baixo risco gestacional, biomarcadores com auxílio da metabolômica, técnica que quantifica os metabólitos produzidos ou modificados pelo organismo. A meta é detectar precocemente mulheres com alto risco para parto prematuro a fim de diminuí-lo.
O projeto já foi implementado em cinco universidades brasileiras (Campinas-Unicamp, Botucatu-Unesp, Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Porto Alegre, Universidade Federal de Pernambuco-Recife e Universidade Federal do Ceará-Fortaleza).
Mulheres são convidadas a participar do estudo e têm seus dados inseridos e monitorados numa plataforma on-line. Uma equipe multidisciplinar colhe as informações de maneira padronizada. Também são coletados sangue e cabelo das participantes, amostras biológicas que compõem o primeiro biobanco brasileiro de gestantes de baixo risco instalado no Hospital da Mulher e que segue a padrões internacionais do estudo-referência Scope.
Nesse momento, os parceiros internacionais do estudo na Inglaterra estão realizando as análises metabolômicas que ajudarão a chegar aos biomarcadores. Eles serão testados contra amostras de todas as mulheres que participaram do estudo e que tiveram, ou não, parto prematuro. A intenção é observar se de fato esses biomarcadores irão apontar as mulheres com risco para parto prematuro.
Actigrafia
O segundo estudo (o MAES) examinará se os padrões de atividade física e sono/vigília influenciarão as condições de saúde das gestantes. Alterações na gravidez, à semelhança do que já se demonstrou em outras situações fora da gestação, sugeriram que padrão de sono ou de atividade física podem estar precocemente associados ao aparecimento de doenças que, se apropriadamente identificados, podem ser potenciais condições preditoras, alertando a equipe de saúde sobre uma patologia antes que ela se instaure.
Cecatti acredita que estudar exploratoriamente essa condição seria uma maneira de monitorar quem tem maior risco para desenvolver, por exemplo, pré-eclâmpsia (que é a hipertensão associada à gestação), no caso de uma mulher que esteja grávida e fazendo acompanhamento pré-natal.
O MAES integra uma chamada da Fundação Gates chamada “Wearable technologies”, tecnologias de informática “vestíveis”, que pode ser usada de maneira simples e sem comprometer as atividades do usuário. Essa tecnologia emprega um actígrafo, uma espécie de relógio digital que a gestante coloca em seu pulso, que estima e monitora, entre outros fatores, alterações do sono e atividade física.
Esse relógio será testado inicialmente em cerca de 400 grávidas para identificar padrões normais de atividade física e sono na gestação, e também padrões ligados a condições médicas graves. Com isso, serão registradas informações sobre a sua atividade física, além de características de sono, atividades de vigília e tipo de atividades do sono relacionadas a complicações na gestação.
O actígrafo ajuda a observar sinais precoces de condições médicas graves, como diabetes gestacional e parto prematuro, para que possam ser reconhecidos logo, tratados ou até mesmo prevenidos. Para medir as atividades, serão desenvolvidos diferentes algoritmos baseados em bioinformática. “Começaremos com a inclusão dos casos e a importação dos dispositivos da Inglaterra”, relatou.
Cecatti lembrou que algumas doenças crônicas como diabetes e câncer são conhecidas hoje por estarem associadas a distúrbios no sono e à atividade física. Logo, o grupo estudará se este também é o caso de complicações durante a gravidez.
O ideal é que as mulheres usem o relógio durante a segunda metade da gestação (do quinto mês até o parto) e que a cada consulta ele seja conectado a um computador. Assim, as informações registradas sobre atividade física e sono serão resgatadas e um software específico analisará os padrões com as informações alcançadas.
“Primeiramente será obtido um padrão de normalidade para a mulher grávida, que ainda não existe, e depois estabelecido um diferencial para comparar mulheres que mais adiante desenvolverão parto prematuro, diabetes e pré-eclâmpsia”, comentou o obstetra. “Investigaremos se elas têm um padrão diferente daquelas que não têm nenhum problema, podendo predizer as que mostram um maior risco.”
Grand Challenges
O Grand Challenges Explorations é um programa caracterizado por uma fase de exploração, com financiamento de US$100 mil, que pressupõe uma complementação da Fapesp, com valor semelhante. Quando se implementa a primeira fase e ela é promissora para a saúde materno-infantil, os proponentes concorrem à segunda fase.
Com o conhecimento adquirido na primeira, é proposto um estudo maior, com um maior número de casos e com um maior número de centros participantes. Daí é possível chegar a um financiamento de até US$ 2 milhões.
Cecatti prevê que, até o final de 2019, o MAES estará finalizado e que, sendo exitoso, poderá levar à segunda fase do projeto, que é a sua aplicação. Uma pesquisa feita anteriormente pelo grupo da Unicamp, sobre uma vigilância prospectiva de morbidade materna grave, somou 27 centros participantes e 60 pesquisadores. Foram acompanhados quase 84 mil nascimentos e conseguiu-se informação de ocorrências de morbidade de quase dez mil mulheres. “Tais informações colhidas foram fundamentais para o conhecimento da ocorrência de morbidade materna grave no contexto brasileiro e, da mesma forma, acredita-se que os estudos SAMBA e MAES poderão trazer dados valiosos ao estudo de complicações maternas.”
A expectativa é que o resultado do projeto SAMBA identifique um conjunto de marcadores úteis às atividades clínicas práticas e que o projeto MAES lance luz à identificação de algum padrão específico de atividade física e sono das mulheres avaliadas, conseguindo antever as com maior risco. “Só assim poderemos recomendar algum tipo de intervenção, mediante políticas públicas, com apoio do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, comentou.