Segundo estudo, quase 75% dos pacientes que tiveram a doença indicaram problemas para dormir. Especialista do Hospital IPO alerta para questões emocionais potencializadas pela pandemia
O estudo Sleep problems during the Covid-19 pandemic by population: a systematic review and meta-analysis (‘Problemas do sono durante a pandemia de Covid-19 por população: estudo sistemático e meta análise’, em tradução livre), publicado no site do National Center for Biotechnology of Information, da Blblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, revela ainda que, entre os profissionais da saúde, o índice dos que informaram sofrer de problemas para dormir ao longo da pandemia foi de 36%; na população em geral, foi de 32%. A meta-análise considerou 44 outros estudos, envolvendo mais de 54 mil participantes em 13 países.
“Nós estamos de fato mais preocupados devido à pandemia da Covid-19”, explica o dr. Fernando César Mariano, otorrino do Hospital IPO. “Estamos preocupados com o risco de morte, com problemas financeiros, trabalho, familiares, e isso nos deixa em um estado de hiperalerta, que é uma reação de estresse e que acaba fragmentando o sono, causando mais despertares e pesadelos, interferindo na quantidade e na qualidade do sono”, informa.
Ainda que não exista comprovação científica de que o vírus cause algum tipo de déficit neurológico que afete o sono, o que a medicina já identificou são as interferências indiretas, sobretudo ligadas a questões emocionais, de transtornos pós-traumáticos, como o aumento de índices de depressão e ansiedade e casos de burnout potencializados pela Covid-19.
“Detalhe importante: o sono ruim piora a imunidade”, acrescenta o dr. Fernando. “No paciente que está com Covid, se ele tem um sono pior, acaba por criar um ciclo vicioso, porque essa deficiência vai piorar a doença. Há uma grande quantidade de citocinas produzidas durante a Covid, e uma das funções do sono é justamente abrandar as citocinas”, detalha.
Apneia do sono e falta de ar à noite
O problema pode se agravar em quem já sofre de apneia do sono. Isso porque a apneia diminui a oxigenação noturna, e pacientes que tiveram Covid-19 com um maior comprometimento pulmonar podem ter um quadro mais intenso de problemas respiratórios à noite, o que pode afetar a qualidade do sono.
Pacientes que passaram pela doença relatam certo cansaço em pequenos esforços, o que revela certa fragilidade na respiração, e pode resultar em fragmentação do sono à noite. “E aí, independe de ter ou não apneia diagnosticada”, acrescenta. Para o dr. Fernando, a Covid-19 precipitou problemas de sono, porque as queixas vieram também de pacientes que nunca haviam apresentado quadros de insônia. Já em casos de pessoas que eventualmente enfrentavam noites em claro, o caso se agravou. A orientação do otorrino é, caso o problema se torne frequente, procurar um especialista que possa aplicar ferramentas da terapia cognitivo-comportamental, incluindo a higiene do sono, antes de optar por medicações.
“Se o paciente está disfuncional, não consegue boa concentração e tem percebido dificuldades de memorização e de humor durante o dia por um sono prejudicado, tendo pesadelos frequentes ou acordando várias vezes sem conseguir retomar o sono, o ideal é iniciar com uma revisão comportamental de alívio de estresse”, orienta. Assim, rituais de relaxamento como meditação, evitar aparelhos eletrônicos nas horas que antecedem o sono, comida pesada ou algo que traga agitação, podem ajudar na preparação para uma noite reparadora.
“Em último caso, solicitamos exames, como a polissonografia, para avaliar a saturação, a arquitetura do sono – a quantidade do sono superficial e profundo – além de descartar outros distúrbios do sono. Isto nos permite fazer o acompanhamento completo do paciente. E essa é uma estratégia não apenas para pacientes que enfrentaram a Covid-19, mas para pacientes em geral, que estão enfrentando problemas de sono”, conclui.