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Tributação no destino e fim de incentivos fiscais podem provocar êxodo de empresas que se instalaram no interior do país

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Em entrevista ao Brasil 61, especialistas em tributação e gestores públicos afirmaram que a reforma tributária em discussão no Senado prejudica municípios que dependem da concessão de benefícios fiscais para atrair o setor produtivo. Segundo eles, locais com maior população saem ganhando

Por Felipe Moura

O fim dos incentivos fiscais via ICMS e ISS e a transferência da tributação da origem para o destino  —  previstos na reforma tributária — são motivos de preocupação para especialistas e gestores ouvidos pelo Brasil 61. Segundo eles, tais mudanças podem gerar o êxodo de empresas instaladas em municípios do interior do país, sobretudo no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, rumo aos grandes centros populacionais. 

O texto da reforma que está em discussão no Senado unifica os impostos que os estados e municípios cobram sobre o consumo de produtos e serviços. Deixam de existir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Surge o Imposto sobre Bens e Serviços, o IBS. 

Como forma de acabar com a chamada “guerra fiscal” – conflito tributário entre estados e municípios que visam atrair indústrias – a proposta proíbe que o IBS seja alvo de concessão de benefícios fiscais. No sistema tributário vigente, é comum que estados e municípios deem incentivos para a instalação de fábricas em suas regiões, como redução do imposto, postergação de pagamento do tributo e, mesmo, isenção de taxas. 

Governadores e prefeitos de regiões mais pobres veem nesses incentivos um mecanismo para impulsionar o desenvolvimento econômico, com geração de emprego e renda para a população, o que estaria em ameaça com a reforma tributária, diz o ex-secretário da Fazenda do Distrito Federal e do estado de Goiás, Valdivino José de Oliveira, professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). 

“Isso vai voltar a concentrar a industrialização, o emprego e a renda nas regiões mais ricas, empobrecendo os 20 estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O grande problema desta reforma é que, mirando na guerra fiscal, eles estão acertando a convergência econômica, acertando a redistribuição de renda no país e a melhoria da qualidade de vida desses estados mais pobres. Você combate a guerra fiscal, mas ao mesmo tempo promove uma centralização econômica”, critica. 
Mestre em Desenvolvimento Regional, Valdivino José de Oliveira afirma que os incentivos fiscais permitem que regiões menos atrativas para o setor produtivo consigam cativar polos industriais que, a princípio, prefeririam o Sul e o Sudeste. 

“Essa industrialização para o interior só foi possível graças ao imposto de competência estadual [ICMS]. Há um equívoco muito grande dizendo que os incentivos fiscais são transferência de recurso público para o setor privado. O incentivo fiscal é meramente uma condição para que a empresa possa competir no mercado. Os ganhos de escala no Sul e no Sudeste são muito maiores do que os ganhos de escala nos demais estados. Por isso tem que haver o incentivo”, defende. 

O economista atribui o crescimento da participação dos estados de Norte, Nordeste e Centro-Oeste no Produto Interno Bruto (PIB) do país aos incentivos fiscais. Entre 1991 e 2018, a contribuição desses estados na riqueza gerada pelo país cresceu mais de cinco pontos percentuais. 

Êxodo industrial

Além do fim dos incentivos fiscais, a reforma tributária estabelece que a arrecadação do IBS e da CBS – imposto do governo federal – ficará onde há o consumo do produto ou serviço (destino) e não mais onde eles são produzidos (origem). 

Para Guilherme Di Ferreira, advogado tributarista, essas mudanças vão levar às fábricas que estão no interior do país em direção aos estados que têm maior população e, portanto, mais consumidores. 

“Quando se tem algum incentivo fiscal em um município ou estado longe dessa grande população, as [indústrias] vão porque compensa. Elas vão ter custo de transporte, elas vão ter custo operacional maior do que estar no estado onde tem o consumidor final. Mas se o incentivo fiscal compensa, é melhor ela estar instalada onde há esse incentivo. O que pode acontecer com a mudança da reforma é essas empresas não terem mais essa compensação de custo. As empresas vão se instalar nos estados e municípios de maior população”, acredita. 

Uma nota técnica do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade São Paulo (USP) aponta que a PEC 45/2019 pode gerar ganhos potenciais de crescimento à economia brasileira, mas ao custo de desconcentrar a produção e acentuar a desigualdade regional. Além disso, a reforma estimularia a migração de pessoas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para o restante do país, aponta o levantamento.  

Principal zona industrial do interior do estado de Goiás, o município de Anápolis está inquieto com as mudanças propostas pela reforma tributária. A cidade abriga um dos maiores polos farmoquímicos do país. Segundo o secretário de Economia e Planejamento, Oldair Marinho da Fonseca, isso não seria possível sem os incentivos fiscais. 

“Nós temos aqui um Porto Seco, quer dizer, uma região de alfândega muito forte, há mais de vinte anos, tem a Ferrovia Norte-Sul cortando o município, ligando o Brasil, mas isso não é suficiente. Para a empresa se estabelecer aqui, além de infraestrutura, ela tem que ter benefício. E quem ganha com isso? O município ganha”, afirma. 

Oldair diz que, da forma como está, o texto da reforma vai provocar um “estrago” nos municípios produtores em detrimento daqueles com maior mercado consumidor. “O benefício fiscal, ao contrário do que muitos pensam, não é simplesmente uma transferência de recurso público para o particular ou privado. Não é isso. É você equacionar a desigualdade que tem nas regiões do nosso país. Você coloca uma empresa uma grande indústria aqui, gera empregos na região e riquezas que são consumidas aqui, em sua maioria. É a distribuição mais justa de renda”, defende.

Ecossistema

Di Ferreira acredita que a fuga das empresas para perto dos locais de maior consumo, sobretudo por causa do menor custo operacional, vai gerar não apenas o desmantelamento daquela estrutura no estado de origem, mas também da atividade econômica que gira em torno do polo industrial. 

“Quando uma multinacional ou uma empresa maior vai para algum município, aquele município é muito fomentado. Tem muitos municípios que vivem de uma só empresa, porque a empresa se instalou ali, conseguiu empregar todo mundo. Incentiva o comércio, vão surgindo empresas pequenas ali, para poder trazer alimento para essas novas pessoas que estão trabalhando, novas oficinas para consertar os carros, porque vão ter mais gente morando. Às vezes vem até uma concessionária. Vai dando um boom naquele local”, diz. 

Compensação

O texto da reforma tributária cria um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais para estados e municípios. Por meio dele, o governo federal repassaria, ao todo, R$ 160 bilhões aos entes, entre 2025 e 2032, como forma de compensar as empresas que receberam incentivos fiscais até 31 de maio deste ano. 

Além disso, prevê a instalação do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que tem o objetivo de reduzir as desigualdades entre os entes federativos. Também custeado pela União, o fundo vai repassar dinheiro aos estados e DF, que poderão usar a verba para investir em infraestrutura, desenvolvimento científico, tecnológico e inovação. Relator da proposta no Senado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) vê no mecanismo o instrumento que vai substituir os incentivos fiscais no desenvolvimento das regiões mais pobres. 

Foto: Vecstock/Freepik

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