Ele tocava antes do sol.
Não eram todos os dias, mas, quando precisava percorrer grandes distâncias e chegar junto com o astro rei ao seu lugar de destino, era assim que acontecia.
Ele ouviu a musiquinha irrequieta e insistente.
Foi a última vez.
Levantou a tempo de cumprir todas as atividades matinais antes que seu amigo chegasse.
Aquele ritual tão particular que cada um tem o seu, mas todos fazem basicamente as mesmas coisas: banheiro, cozinha, guarda-roupa, celular…
Cumpriu tudo e, quando o amigo motorista avisou que já estava chegando, juntou suas coisas e saiu todo arrumado, perfumado, bonitão.
Foi a última vez.
No carro conversou, contou piada, ouviu os planos para a próxima semana do seu amigo, contou os seus.
Falou dos filhos, da namorada, das férias que já estavam agendadas e completamente programadas, das contas pagas, cursos que estavam prestes a ser concluídos.
Dois segundos depois da hora fechada, enviou mensagem a um amigo, marcando um compromisso para o dia seguinte, quando estaria de volta à cidade.
Lá fora o vento cantava uma sinfonia digna do inverno no cerrado: alta, potente, quase ensurdecedora. Ainda tinha muita estrada pra rodar, faltava muito para o sol chegar. Ele resolveu reclinar, cochilar, dormir um pouco.
Foi a última vez.
O motorista virou piloto e que já era tempo da máquina que controlava dar tudo de si, por isso acelerou, acelerou, acelerou…
Mas o vento quis participar e tirou do chão quem sabia aonde chegar.
Girou, rodou, bateu, parou.
Um desmontou, quebrou.
O outro não mais acordou.
Foi a última vez.