Gileno Mafra (Gileno Otávio de Meira Mafra), nascido no Município de Lagoa Real (Fazenda Santa Helena, em 1930], casado com a Professora Eny Mafra, residentes em Brumado, aos 88 anos, foi uma grande surpresa para mim, quando o meu amigo Ivan presenteou-me com o seu livro, “Ah, se eu fosse poeta”, 2017, em modestíssima edição, na manhã de sábado, 21/04.
Casal conhecido, sendo D. Eny, pessoa da minha afeição, colega por muito anos no Colégio Estadual de Brumado, e Gileno, sem maiores aproximações, apesar de já ter utilizado um texto dele, “A história que Paulo me contou” e um poema, “Descoberta da Magnesita”, no meu cordel “A epopeia da Magnesita S/A – de 1940 a 2007”, publicado em dezembro de 2008.
Pois bem: ao receber o livro presenteado, iniciei a leitura e, então, fui, aos poucos, percebendo a grandiosidade da obra que tive a felicidade de tê-la em minhas mãos, com sessenta e duas páginas, contendo os seus poemas e somente duas histórias sertanejas em prosa. Na manhã seguinte, domingo, 22, continuei a minha prazerosa leitura, sem largá-la até o final.
Não poderia jamais imaginar, que estivesse diante de uma obra singela, porém de qualidade poética extraordinária, e que se constituía em uma referência das mais úteis para conhecimento da história de Brumado, desde a sua evolução como Bom Jesus dos Meiras. Não bastassem esses relatos históricos, ele versejou sobre o folclore local e regional, naturalmente falando da mula sem cabeça, do lobisomem e do bode berrador, uma assombração que aterrorizava os catingueiros, temas também dos meus cordéis, sendo a do bode, uma das minhas produções, com edição da Cortez, 2014, de renome Nacional, em uma coletânea organizada pela escritora Lenilce Gomes, sob o título de “Vozes do Sertão”, que chegou à maior exposição mundial de livros, na Itália. Um belo livro!
Estava, pois, diante de um singular poeta de Brumado, se considerarmos que quase toda a sua vida, após casado, foi aqui nas terras do Bom-I-Zú, para lembrar do amigo escritor Tiãozito, cujo aval requeiro de já, para tudo quanto eu possa dizer sobre o personagem que, no momento, exalto, porque bem o conhece, desde há muitos anos, e já havia despertado para o seu lado poético, além do cidadão e fazendeiro que era. Ah, por falar em “cidadão”, Gileno não foi agraciado com esse título, pelo menos do que eu saiba. Às vezes isso não conta muito por aqui para a concessão dessa honraria. Deixemos para lá!
Ainda, além dos relatos históricos e folclóricos, Gileno versejou sobre a proteção do meio ambiente, denunciando, por exemplo a devastação da flora e da fauna, contra a maldade humana praticada nas caçadas, nas queimadas, no desmatamento. São expressivos e belos poemas, onde a sua poética flui de forma suave, em linguagem correta, ele não era poeta caipira, pois, apesar da baixa escolaridade, conseguiu, quem sabe ao lado da esposa e dos parentes, a não usar uma linguagem chula, porém um bom português na composição dos seus temas. Enfim, um autodidata de vasta cultura.
Cantou nos seus versos as reminiscências da sua infância, vivida na Fazenda Santa Helena, em Lagoa Real, numa imorredoura saudade, revelada pelo tempo que viveu na Fazenda Lagoa Nova, em Malhada de Pedras. Cantou o arrebol, a passarada, os banhos de rio, as lagoas, as traquinagens da meninice, a convivência familiar, no casarão onde morava, descrito com detalhes no poema “Retrato da Fazenda Santa Helena”, concluindo com a mais efusiva revelação de todo o seu amor por ela.
O contagiante lirismo dos seus versos, seus sentimentos, sua emoção, a sua visão bucólica do sertão, as belezas naturais que emolduram a região, ainda quando sob o padecimento das sucessivas secas, das desigualdades, da vida sofrida dos catingueiros, dos animais, da vegetação, parece espargir-se como um lenitivo da dor que amargurava o seu coração, como só o poeta pode traduzi-la e expressá-la como deveras sente.
Depois dessas leituras e do êxtase em que me encontrava, resolvi ir ao encontro do poeta, em sua residência, aqui em Brumado, para tentar uma entrevista ou bater um papo sobre a sua obra, mas, sobretudo, para revelar-lhe a sua magnitude poética, em linguagem tão simples, tão tocante, tão lírica, tão empolgante, como pouco se ver por aqui, sobretudo pela singularidade dos seus versos, com a abordagem de temas tão recorrentes, como sói acontecer com aqueles que amam o nosso sertão, em especial, a caatinga e nela mourejam.
Assim o fiz. Cheguei à porta e anunciei o meu nome, dizendo que era amigo da família. A moça sorriu, com ares de quem já me conhecia, mandando-me entrar. Perguntei-lhe por Gileno e D. Eny e ela respondeu, prestativa. Adentrei-me ao seu quarto, onde ele se encontrava deitado. Abriu os olhos e perguntou:
— Quem é? Respondi:
— Zewalter! Foi o bastante. Ele sentou-se e disse:
— O Professor do Colégio! Estendendo-me a mão.
Sentei-me à sua frente, fazendo uma saudação: — Grande poeta! Ele sorriu, meneando a cabeça em desaprovação. Reafirmei, falando do seu livro.
— Algumas besteiras, ponderou.
Mas, com as minhas palavras, aquietou-se e começamos a conversar, logo após a tentativa de acionamento do celular para a gravação de um áudio, em razão da minha atávica dificuldade nesses momentos. Entretanto, consegui conforme publicação que farei em nova oportunidade!