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Uma vida que foi engajamento

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Os Mouras constituem a resultante vigorosa de um complexo de forças, que se intercomunicaram em notável simbiose. Casaram-se a flama impetuosa de bandeirantismo e a pertinácia silenciosa dos embassadores de civilização. O ardor irrefreável dos dominadores de latitudes e serenidade construtiva dos grandes arquitetos. O arrojo insopitável de conquistas telúricas e o apostolado cruento das ideias da justiça, liberdade e progresso.

Os troncos familiais Albuquerque e Moura polarizaram essas virtudes.

O Coronel Pedro Barbosa Leal, conhecido sertanista baiano, foi quem aventara ao Quarto Vice-Rei, D. Vasco Cesar de Menezes, a criação das vilas de Jacobina e Minas do Rio de Contas, tendo levantado a primeira em 24 de junho de 1722. Antes de erigir  a segunda, o que foi feito dois anos após,  o inesquecível  desbravador  rasgara a estrada  de Jacobina a Rio de Contas, “unindo o caminho do norte ao que levava as minas dos paulistas, ou dos serros de Sabarabussu e podendo com economia de tempo , transportar as boiadas que vinham do Piauí livres dos alagadiços  do São Francisco”. (Urbano Viana – Bandeiras e Sertanistas Baianos – Páginas 77-78-79-80 e 81).

Os Barbosa Leal foram grandes latifundiários, tendo Salvador Barbosa Leal vendido a seu sobrinho Dr. Bernardo de Matos e Albuquerque, em 11 de dezembro de 1762, as terras compreendidas entre os rios Brumado e São João (Cf. cópia de escritura in Arquivo dos Mouras, na fazenda Boa Sentença, município de Rio de Contas).

O Dr. Bernardo de Matos e Albuquerque casou-se com Lizarda Liberata Vitória da Rocha. Senhor de vastos domínios nimbava-lhe a fronte uma aureola de prestígio irresistível. A mulher não perdia para o marido em poderio e opulência. Rio de Contas testemunhou-lhe o fausto e magnificência impressionantes. Nas festas do Divino Espírito Santos, a Vila, no período áureo, viu derramarem-se lhe na cabeça, como rainha, cartuchos de ouro em pó. A simples invocação do seu nome era bastante para que as portas das prisões se abrissem, de par em par, libertando os injustamente presos.

Do casal nasceram cinco filhos: – o sargento-mor Francisco José, Ana, Lizarda, José Messias e Maria Efigênia da Rocha. Esta se consorciou com o capitão Martiniano José de Moura Magalhães, natural da Província de Minas Gerais, passando a residir em Vila Velha, hoje Livramento de Nossa Senhora.  Dos outros irmãos, descendem os Rocha Medrado, Novais Rocha e Rocha Novais, povoadores da Cruz de Menezes, hoje Cruz dos Medrados, casando-se alguns deles com os Ribeiro de Novais.

O Capitão Martiniano José de Moura Magalhães e D. Maria Efigênia da Rocha tiveram quatro filhos: – José Honório, Martiniano, Manuel Justiniano e Maria Carlota de Moura e Albuquerque. Portadores de acrisolados ideais de justiça, liberdade e progresso, destacaram-se três irmãos pelo denodo com que sempre lutaram visando a concretizar os seus anseios e aspirações. Assumindo a defesa do fraco contra o forte, do oprimido contra o opressor, do amordaçado contra o prepotente, sofreram perseguições cruéis e bárbaros atentados.  José Honório, ainda solteiro, sucumbiu assassinado em Rio de Contas. Recebeu um tiro pelas costas, no escuro da noite, e por batalhar em prol da nossa independência política.

Naquela época a propaganda contra a independência alastrara-se pala hinterlândia baiana.   Em Rio de Contas, o movimento reacionário ganhou graves proporções.  E em novembro de 1822, os habitantes da Vila foram obrigados a representar ao Governo provisório de Cachoeira contra os portugueses ali residentes, que se entregavam a maquinações antibrasileiras.  (Dr.  Melo Morais – História do Brasil-Reino e Brasil-Império – Tomo II – págs.: 31-34.

Quanto a Martiniano, tombara varado pelas balas traiçoeira de Leolino Pinheiro Canguçu, o célebre Lô, que também agrediu Manuel Justiniano a tiro e punhal.

Em Brumado, no dia 21 de novembro de 1838, nasceu um grande brasileiro:   – o Dr. Marcolino de Moura e Albuquerque.  Foram seus pais – Manuel Justiniano de Moura e Albuquerque e Auta Rosa de Moura Albuquerque. Sua personalidade marcante imprimiu traços luminosos e imperecíveis à história político-social do Brasil. Encontramos referências à sua notável figura de soldado e parlamentar nos seguintes periódicos: – Rua do Ouvidor de 15/2/1902; Gazeta da Tarde (editorial alusivo ao discurso proferido na Câmara dos deputados, sessão de 4 de setembro de 1840; Jornal do Comércio (comentário subscrito por  Garrisom, pseudônimo  do escritor Dr, Gusmão Lôbo, relativo ao discurso pronunciado, também na Câmara dos Deputados, sessão de 12 de novembro 1880).

 A TARDE, de Salvador ano de 1922 (comentário e transcrição do ofício do Barão de Sergi, datado de 19 /5/1870, restituindo ao município de Mucugê a bandeira que o 22º Corpo de Voluntários carregou durante as lutas no Paraguai).

Gonçalo de Ataíde Pereira em seu trabalho Minas do Rio de Contas a página 33 tece considerações em torno da grande figura  sertaneja Luís Viana Filho em seus livros  A vida de Rui Barbosa (páginas   164 e 179) e A vida de Joaquim Nabuco (páginas 35 e 95), menciona o nome do insigne  brumadense, um dos ases da campanha abolicionista.

Em sua História de Castro Alves a página 74, Pedro Calmon afirma que Marcolino foi deputado geral pela Bahia de 1878 e 79 a 81, voltando ao Congresso na República, como constituinte e deputado às legislaturas seguintes até a morte, em 8 de janeiro de 1908.

Marcolino iniciou sua carreira parlamentar na Bahia, eleito deputado provincial em 1868. Na sessão de 17 de abril de 1874, acumulou aos seus seis anos de tribuna política, ventilou, com segurança e lucidez a problemática da época. Em 13 de maio de 1873 disse na Assembleia: – “A    revolução não se faz somente com a força material, mas também com a palavra e com exemplo, e são essas as revoluções dignas do espírito humano que, embora lentas, completam-se afinal pela regeneração do povo na escala da perceptibilidade”

Marcolino e Castro Alves foram amigos íntimos. Em uma carta do Recife, datada de janeiro de 1803, escrevia-lhe o Bardo das Grandes Reformas: – “Acho-me bastante afetado do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando, vou a Sociedade. Aí há uma menina bem bela, mas, meu amigo, é a flor sem perfume de que fala Alvares de Azevedo. Coração leviano como o volver de seus olhos, porém mulher meridional e ardente como o atestam sua pele morena (sabes que eu sou doido pelas morenas) e seus cabelos negros, como a noite”.

Marcolino de Moura e Albuquerque comandou na Guerra do Paraguai o 22º Corpo, de   Voluntários. Distinguiu-se por impressionantes atos de bravura. Foi abolicionista e a República, o seu grande sonho.

Prefaciando o opúsculo Elemento Servil, edição da Tipografia do Diário da Bahia, de 1881, escreveu Marcolino – “A publicação   que ora  faço de dois  discursos  meus na Câmara Temporária , com  relação à questão do elemento  servil e a liberdade da tribuna, ameaçada na sessão  de 12 de novembro de 1880, explicam  o meu  procedimento, que tem sido acusado por mais de um espírito injusto e retrógado . Exigindo a extinção   do tráfico interprovincial, como complemento da gloriosa lei de   28 de setembro de 1871 e o mais poderoso auxiliar do seu desenvolvimento pacífico e emancipador, não pedi a abolição imediata e instantânea da escravatura no Brasil, a que estão ligados tantos interesses econômicos, Invoquei-a como medida cooperativa que eu desejo ver firmada em lei e que, como tantas outras virá sem abalo nem revoluções , apressar a morte de uma  instituição que dia por dia vai dilacerando o país, abatendo e entristecendo a sua grande alma”.

Em  seu discurso proferido  na Câmara Federal sessão   de 16 de outubro de 1889 , em que discutiu  o Orçamento  , afirmou o maior filho de Brumado: – “Senhores, a República foi o sonho da minha mocidade, e apelo  para a melhoria dos meus companheiros, e está nos anais , para  que  eles digam se é ou não  verdade que, ao entrar pela primeira  vez no recinto da Assembleia do meu Estado, então província da Bahia, não faça esta a minha profissão de fé: – Sou liberal, mas assentado  às portas do grande templo da República”.

A aristocracia rural constituiu o grande suporte da escravatura e da Monarquia. Os senhores de terras, encaminhando os seus filhos para os cursos jurídicos, visavam basicamente a manter através do tempo, o controle do aparelho estatal brasileiro.

Os movimentos pela abolição do trabalho escravo e pela implantação da República, foram destarte formulações ideológicas da classe média emergente. Da classe média emergente e do segmento progressista do patriciado agrário.

Marcolino de Moura, ligado ao setor vanguardeiro do senhoriato fundiário, pensava e agia, contudo, classe mediamente.  Tanto assim que esposou, com veemência, as teses da libertação da força-de-trabalho servil e da proclamação da República.

A classe média viveu algum tempo no Brasil sem espaço para afirmar-se politicamente. Só conquistou um lugar ao sol, quando o Exército Brasileiro – organizado visceralmente classe média -, de volta da Guerra do Paraguai, conscientizou-se do papel indemissionário que devia representar na destinação histórica do País.

Deodoro e Floriano encarnaram a classe média no Poder. Com Prudente de Morais e Campo Sales, foi demarrado o esquema de alijamento da classe média dos quadros do comando da República. E a política de governadores de conteúdo oligárquico, sagrou-se o clímax do processo.

Marcolino de Moura participou das grandes reformas brasileiras operadas na segunda metade do século XIX. Sua vida foi militância. Foi engajamento. Por isto mesmo, vale como eterna inspiração à mocidade brumadense.

FONTE:

ARTIGO DO BRUMADENSE, RISÉRIO LEITE (ANTONIO RISÉRIO LEITE) PUBLICADO NO JORNAL DO BANEB, ONDE TRBALHAVA, EDIÇÃO DE NOVEMBRO DE 1966, QUE ESTAMOS REPASSANDO.

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